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10 coisas que o presidente da CBF deveria saber: Propostas para o resgate do “jogo bonito” brasileiro

Por João Paulo S. Medina – Fundador da Universidade do Futebol

Vamos começar pela raiz que justifica o mandato do Presidente da Confederação Brasileira de Futebol:

1.“Por força de sua filiação à FIFA e CONMEBOL, a CBF é a única entidade brasileira autorizada, de forma exclusiva, a dirigir e controlar o futebol no território brasileiro” (Art. 5; § 1° de seu estatuto), tendo assim o dever de dirigir e organizar todos os assuntos e questões relacionados à prática formal do futebol profissional e não profissional, administrando, difundindo, fiscalizando e, sobretudo, fomentando e aperfeiçoando constantemente a modalidade em todo o país.

Tamanho conjunto de responsabilidades, obriga que o mais alto mandatário desta instituição esteja devidamente preparado para cumprir estas exigências estatutárias, sabendo que:

2. O futebol não é uma simples modalidade esportiva, mas um fenômeno global de massa que serve a muitos interesses, alguns legítimos e necessários ao próprio desenvolvimento sociocultural, econômico e esportivo da sociedade, e outros nem tanto, que precisam ser combatidos ou neutralizados com muita determinação e energia.

3. Neste sentido, mesmo sabendo que toda ação social é um ato político, é bom também lembrar que o Estatuto da CBF define em seu Artigo 12, que é papel da instituição “dirigir, organizar e ordenar, no território brasileiro, todos os assuntos e questões relacionados com o futebol, de forma independente, prevenindo quaisquer ingerências políticas ou de terceiros”; entendendo aqui que estas ingerências políticas ou de terceiros devam significar o ato de combater ou neutralizar quaisquer interesses ilegítimos ou espúrios, muitas vezes facilitados pela própria importância que damos ao futebol.

4. Neste contexto amplo, é preciso que o presidente da CBF saiba que o desempenho esportivo e os resultados alcançados por suas Seleções são o resultado ou reflexo de tudo que é feito em sua base (nos clubes, nas escolas de futebol, nas escolas formais), precisando, portanto de toda a atenção, cuidados, parcerias e investimentos da instituição em recursos materiais, tecnológicos e, sobretudo, humanos para que o futebol se desenvolva adequadamente e se possa, assim, resgatar “o jogo bonito” que é, verdadeiramente, a identidade do futebol brasileiro, reconhecida em todo o mundo, mas que está se descaracterizando rapidamente por força não só da globalização, mas principalmente devido à falta desta compreensão e de investimentos consistentes em capacitação profissional competente.

E falando em “jogo bonito” e em identidade do futebol brasileiro, é fundamental que o mais alto mandatário da instituição que tem poderes legais para administrar o nosso futebol, saiba também que:

5. Assim como nossa identidade futebolística, com todas as suas nuances e características regionais, foi uma construção que se deu ao longo dos tempos, baseada sobretudo em uma “pedagogia da rua”, que garantia a nossa essência, sustentada pelo lúdico, pela alegria, imaginação, criatividade, ginga, malandragem etc., ela também se desconstrói histórica e culturalmente. Portanto, podemos inferir que resgatar o “jogo bonito” ou desenvolver um novo estilo contemporâneo brasileiro de jogar futebol não ocorre por geração espontânea ou apenas com boas intenções, mas com políticas que exigem muito conhecimento, planejamento e ações de longo prazo (5, 10, 20 anos), impossíveis de serem implementadas sem a liderança proativa da CBF.

6. Ainda pensando no movimento de globalização (que a tudo pasteuriza) e os interesses econômicos (que costumam secundarizar outros relevantes aspectos socioculturais e esportivos), é preciso que o dirigente da CBF entenda que a abertura indiscriminada de vagas para importação de jogadores estrangeiros, ao mesmo tempo em que os melhores jogadores(as) brasileiros(as) sofrem um processo inverso (de exportação), fragiliza o nosso futebol em sua essência, além de diminuir drasticamente as possibilidades de jovens brasileiros que se destacam nas categorias de base de seus clubes, ocuparem uma posição ou vaga em suas equipes principais. Atualmente é permitida a participação de 9 jogadores estrangeiros por equipe.

7. Convém destacar também que dada a complexidade do mundo atual, nenhum setor da atividade humana consegue mais ser administrado e evoluir quando seus líderes atuam de forma isolada ou centralizadora. Com o futebol, não é diferente. Todo gestor competente deve saber que as ideias inovadoras e as melhores soluções ocorrem por participação e esforços coletivos, contando com o engajamento e comprometimento de pessoas igualmente competentes e bem lideradas. Facilitar o surgimento de uma Liga Nacional de Clubes atuante, responsável e, tanto quanto possível, coesa, pode ser um grande exemplo para reunir proativamente dirigentes, executivos e gestores com o propósito de se buscar soluções coletivas que sejam benéficas para todo o ecossistema do futebol brasileiro, entre elas a adoção de medidas efetivas que garantam a implantação e regulamentação do “fair play financeiro”, tanto para as SAF´s quanto para os clubes associativos.

Muitas outras providências e projetos poderiam ser pensados, implantados e implementados, com divulgação transparente sobre os recursos materiais, financeiros, tecnológicos, ambientais e humanos utilizados e devidamente auditados. Vamos citar mais 3 providências essenciais que o Presidente da CBF, enquanto principal responsável pelo fomento do futebol brasileiro, precisaria ter clareza:

8. Para que o futebol brasileiro possa se desenvolver de forma consistente, é necessária a criação gradual de Centros de Excelência de Futebol (estaduais ou regionais) que possam servir de referência não só para as práticas educacionais (escolas de futebol) e competitivas (Seleções), mas também como centro de estudos e pesquisas que desenvolvam e fortaleçam uma prática saudável, com atividades pedagógicas que reforcem o “jogo bonito” enquanto essência do futebol brasileiro. Estes Centros de Excelência poderiam também servir de base para diferentes categorias de Seleções masculinas e femininas, melhorando sua estrutura e aumentando suas possibilidades competitivas de forma planejada.

9. Somente a criação de um Comitê Disciplinar e de Arbitragem democrático, competente, legítimo, com suficiente credibilidade e amplos poderes, poderia ser capaz de reverter o triste, feio e lamentável estágio atual (“modus operandi”) do futebol brasileiro. A. Simulações ridículas de faltas; B. Reclamações desproporcionais de atletas, treinadores e dirigentes; C. Erros grosseiros da arbitragem, com uso indevido dos recursos tecnológicos como o VAR (tão necessários para trazer mais acuidade e justiça às decisões do árbitro); D. Comportamento inadequado das torcidas, que exigem não só medidas punitivas severas, como principalmente medidas preventivas e educativas que incluam, inclusive, ações que não estimulem o comportamento viciante em apostas (fenômeno que está se tornando uma verdadeira epidemia, com gravíssimas consequências sociais); E. Constantes atitudes suspeitas em relação à manipulação de resultados, são alguns dos principais fatores que estão matando a nossa essência, nos distanciando cada vez mais do nosso “jeito de jogar futebol” e, infelizmente, fazendo com que sejamos cada vez menos admirados mundo afora.

10. E por fim, é urgente e inadiável a criação de um novo Calendário do Futebol Brasileiro, suficientemente abrangente para considerar estrategicamente todo o universo competitivo, desde nossas Seleções, equipes das Séries A, B, C, D, campeonatos regionais, até as competições de todas as divisões das categorias de base masculinas e femininas. Este novo calendário precisaria encarar de frente algumas questões de difícil solução, tais como: A. Conciliar interesses dos patrocinadores e meios de comunicação; B. Favorecer competições com níveis equiparados, tanto para o futebol masculino, quanto feminino; C. Propiciar um número de jogos anuais mais equilibrado para clubes das primeiras divisões (com demasiados jogos) e clubes que atuam quase que exclusivamente de forma regional ou estadual (com pouquíssimo jogos); D. Exigir a compatibilidade entre a frequência escolar e os jogos oficiais, para que haja um convívio salutar entre as atividades escolares e competitivas formando melhor nossos jovens atletas; E. Viabilizar deslocamentos razoavelmente racionais das equipes em um país com dimensão continental como o Brasil, para que os atletas tenham tempo suficiente para descansar e treinar, auxiliando a diminuir os riscos de lesões, e também aumentando o nível técnico das equipes, principalmente das que possuem elencos mais reduzidos; entre vários outros aspectos que poderiam ser pensados para aumentar o interesse do público e a qualidade do futebol brasileiro.

Enfim, são essas as principais atitudes e providências que, se entendidas e seguidas, certamente ajudarão a resgatar, nos próximos anos, o nosso orgulho e a admiração pelo jeito brasileiro de jogar futebol, trazendo de volta o nosso “jogo bonito”.

João Paulo S. Medina

Fundador da Universidade do Futebol