Há tempos não escrevo sobre a psicologia do esporte. Mas não poderia deixar passar a oportunidade de abordá-la após essa emocionante final de Taça Libertadores da América entre Botafogo e Atlético MG. A palavra emocionante trás em seu radical a palavra emoção e é justamente sobre ela, sobretudo em relação ao campo de intervenção que dela mais se apropria no futebol, que buscarei me aprofundar neste texto.
Em uma, e qualquer, final poderia dizer, sem medo de errar, que o preparo emocional é tão, ou mais, importante que a qualidade técnica, tática e física das equipes. E é aí que entra, ou deveria entrar, o papel da psicologia do esporte. Ambas as equipes finalistas contam, em suas comissões técnicas, com capacitados profissionais da psicologia do esporte, condição que pode ajudar a explicar, em partes, o sucesso de Botafogo e Atlético Mineiro.
Há quem ainda ache que a psicologia do esporte no futebol está a serviço, somente, da identificação de perfis de personalidade, realização de testes psicológicos ou, cada vez mais, ao acolhimento e tratamento terapêutico à atletas que estão em estado de sofrimento psíquico. Ainda que não desvalorize ou despreze a importância destes objetivos de intervenção (pelo contrário, entendo que são de extrema importância), a psicologia do esporte tem, sobretudo no futebol de alto rendimento, outros inúmeros objetivos que pouco ganham destaque.
Comecemos pela motivação. É inegável sua importância para se conquistar um campeonato (ou uma simples vitória), ou simplesmente para realizar qualquer ação. Mas a motivação, como qualquer outra emoção, precisa estar controlada e equilibrada. Da mesma forma que baixos níveis de motivação comprometem o desempenho em qualquer tarefa que se realize, altos e descontrolados níveis também possuem essa capacidade. Parece-me que este foi o caso do atleta expulso aos 40 segundos de jogo. A expulsão mais rápida em uma final de libertadores na história. E que fique claro: esta NÃO é uma crítica ao psicólogo do esporte desta equipe, a quem admiro e reconheço sua importância para a área da psicologia esportiva.
Com um jogador a menos, outras tantas emoções e habilidades psicológicas tiveram que ser mobilizadas pela equipe do Botafogo para lidarem com o fato de terem um jogador a menos por, praticamente, todo o jogo. Além da própria motivação (é preciso achar um motivo para correr “pelo outro”), resiliência, coesão grupal, liderança, autoeficácia, manejo da ansiedade, agressividade (que não se confunda com agressão), concentração, dentre outras, facilmente são notadas em equipes vencedoras. Há, no entanto, outro recurso psicológico que, na minha opinião, é determinante em situações de grande pressão e altíssimo nível de estresse, tal qual uma final de Libertadores: as estratégias de coping.
A equipe do Atlético Mineiro, por sua vez, ainda que visivelmente não tenha faltado motivação, aparentemente não conseguiu dosar seus níveis de ansiedade e, consequentemente, não soube aproveitar a vantagem que passou a ter desde o primeiro minuto de jogo. Sob elevados níveis de ansiedade, perde-se concentração e algumas decisões (algo que o jogador faz o tempo todo durante o jogo) passam a não ser as mais apropriadas para determinados momentos do jogo, por exemplo, levando uma equipe a confundir velocidade com pressa e a errar passes, ou perder gols, que normalmente não se erram/perdem. Ainda que jogar com um atleta a menos durante toda a partida faça com que o desgaste dos jogadores botafoguenses tenha sido enorme, sob alto índices de ansiedade, o corpo consome mais energia e, consequentemente, aumenta-se o cansaço físico, e mental, dos jogadores.
Por isso, intitulo este texto como um golaço para a psicologia do esporte. Obviamente, as considerações aqui realizadas, em tom de suposição, não buscam criticar o trabalho realizado pela equipe da psicologia esportiva de ambas as equipes, tampouco estabelecer uma análise simplista da interferência dos fatores psicológicos no desempenho de uma equipe esportiva. Pelo contrário, meu intuito é destacar o quão importante é a psicologia do esporte e valorizar a presença destes profissionais nos clubes para que estes, clubes, reconheçam, cada vez mais, a importância desse trabalho para o (alto) desempenho esportivo. É urgente que deem a estes fundamentais profissionais (referências no campo da psicologia esportiva), bem como a todos seus colegas, as melhores condições de trabalho possível, inclusive, para que sirvam de exemplo para tantas outras destacadas equipes do futebol brasileiro que ainda, por incrível que pareça, não possuam psicólogos esportivos em suas comissões técnicas.
Enfim, se para os telespectadores foi, sem dúvida, uma disputa muito emocionante, imaginem para os atletas e para os torcedores de ambas as equipes. Por isso foi tão linda essa final! Pois é da emoção que vive essa encantadora modalidade esportiva que apaixona pessoas pelo mundo todo.