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A BOLHA FUTEBOL

Por: Valter Bracht

O termo bolha tem ganhado crescente e recente notoriedade. Foi muito utilizado para designar, no campo econômico, a existência de uma especulação sem lastro concreto (bolha imobiliária, bolha na bolsa de valores…). Mais recentemente, vem sendo utilizado para se referir a uma prática nas redes sociais da internet que configuram um circuito fechado de comunicação, ou seja, onde apenas determinados conteúdos são veiculados e admitidos, uma espécie de círculo vicioso.

Entendo ser possível pensar também o espetáculo do futebol como uma espécie de bolha. O grande estudioso do jogo, Johan Huizinga, autor do clássico Homo Ludens, destaca como uma de suas características, que o jogo produz uma espécie de suspensão do cotidiano (criando um mundo dentro do mundo). A partir do estabelecimento de um conjunto de regras próprias, produz um campo de ação também próprio. Cria-se então uma atmosfera na qual os envolvidos (atletas e torcedores) estão momentaneamente em “outro mundo”. Isso não elimina, no entanto, a ambiguidade, pois os envolvidos (no sentido de envoltos) mantém simultaneamente um pé dentro do jogo e outro fora; no fundo no fundo todos sabem que aquilo é “apenas um jogo” e que depois, voltam a valer as regras que regem nosso cotidiano.

Chama a atenção o fato de que essa atmosfera pode ser exacerbada, e o é muitas vezes intencionalmente, elevando em muito a tensão emocional do ambiente e dos envolvidos. Isso pode chegar a um ponto, em que, exatamente essa ambiguidade é como que borrada: não é mais apenas um jogo. O fato do jogo (de futebol, no caso) acontecer num espaço fechado, estádio ou arena, favorece a construção de um clima propício à exacerbação das emoções e a sensação de participação de todos na construção do evento. (análises sobre o papel, a influência e a necessidade da grande mídia nessa construção mereceria um capítulo a parte).

Fiz essa pequena digressão porque venho me perguntando, como é possível que nesse nosso mundo, uma boa parte da população esteja tão intensamente envolvida com os espetáculos esportivos (não só, mas particularmente com o campeonato mundial de clubes de futebol) ao mesmo tempo em que muitos seres humanos estejam sendo mortos em diferentes lugares em confrontos bélicos, em guerras de grandes proporções? (aliás, voltando ao Homo Ludens, seu autor identifica características do jogo em várias outras práticas humanas, inclusive na guerra; outros ainda entendem o próprio futebol como uma “guerra domesticada”).

É conhecido e alardeado o fato de que os gregos antigos suspendiam suas atividades guerreiras durante a realização dos jogos (Olímpicos, Píticos, Nemeus, Fúnebres,…). Não é nosso caso: convivemos, aparentemente sem remorsos, com os dois.

O que esse fenômeno, ou seja, de que simultaneamente grandes massas estejam “festejando” e participando de espetáculos de futebol e outras promovendo a morte de milhares de pessoas em guerras espalhadas pelo mundo, simboliza a respeito da humanidade? Se assistimos a um telejornal nesses dias, podemos perceber que um apresentador ou apresentadora com semblante sério e muitas vezes sisudo, num segmento narra as últimas notícias sobre as guerras e, em outro segmento, com um semblante risonho traz reportagens sobre os resultados do mundial de futebol e as comemorações das torcidas das equipes vencedoras – duas facetas da realidade colocadas lado a lado como absolutamente equivalentes. A sensação é a de que vivemos efetivamente em dois mundos. Num em que o homem brinca ou joga (para Schiller, em seu famoso A educação estética do homem, é no jogo que o homem é verdadeiramente humano), em outro em que negamos um ideal de humanidade construído a duras penas no nosso processo civilizador. Parece que o ser humano é realmente capaz de viver essa dicotomia (esquizofrenia?) sem grandes afetações.

Mas, podemos também ser mais condescendentes conosco mesmo e perguntar, se esses momentos de suspensão do cotidiano não são necessários para conviver com a impotência que sentimos de mudar os rumos da história? Sinal de insanidade, de alienação ou, ao contrário, de manutenção da capacidade de sobreviver às agruras do mundo, de seguir vivendo, ou mesmo um sinal ou uma indicação de que um outro mundo é possível?

Pode ser isso e aquilo, mas lembro que no período da pandemia de COVID (momento em que todos nós fomos afetados), debate semelhante ocorreu: devemos ou não paralisar as atividades esportivas em favor da saúde da população? Poderíamos ou desejaríamos paralisar as atividades esportivas mundiais como protesto contra as guerras e a favor de um acordo de paz? (não lembro de nenhuma faixa a favor do fim da guerra e da política dos EUA a respeito dos migrantes nesse campeonato mundial) Tivemos opiniões divididas no caso da pandemia, mas, no caso atual, suspeito que a força do mercado mundial do futebol, com a multinacional FIFA à frente, vai fazer o show continuar; de dentro da minha bolha sinto a vida pulsar, não a morte, que é dos “outros”!

Imagem: Brennan Asplen/Getty

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Futebol e Responsabilidade social: Um campo de transformação e inclusão

Por: André Tixa Orsine

Como o futebol transcende o campo e se transforma em uma poderosa ferramenta de responsabilidade social, promovendo educação, saúde e inclusão em nossa sociedade. Abaixo um relato detalhado sobre o impacto do futebol na transformação social promovida pelo AKA (Associação dos K-iauzeiros Ausentes) e como ele pode construir um futuro mais justo e equitativo para todos e promove uma verdadeira revolução no Vale do Jequitinhonha.

O futebol, mais do que um esporte, é uma ferramenta de impacto social, capaz de transformar vidas, reunir comunidades e promover a inclusão. Através de sua universalidade e apelo, oferece uma plataforma única para abordar questões sociais, educacionais e econômicas, contribuindo para o desenvolvimento humano e comunitário. Este artigo explora a interseção entre futebol e responsabilidade social, destacando como essa relação pode ser explorada para gerar mudanças positivas e sustentáveis na sociedade.

O FUTEBOL COMO VEÍCULO DE INCLUSÃO SOCIAL

A capacidade do futebol de unir diferentes camadas sociais é inegável. Em campos improvisados, praças e estádios, pessoas de diferentes origens e status sociais se encontram para compartilhar uma paixão comum. Esta universalidade torna o futebol uma ferramenta eficaz para a inclusão social. Programas que utilizam o futebol para reintegrar jovens em situação de risco ou expostos aos malefícios das drogas, têm mostrado resultados significativos ao redor do mundo. Esses programas não apenas ensinam habilidades futebolísticas, como também valores como trabalho em equipe, respeito mútuo e disciplina, que quando complementados aos estudos e demais programas de capacitação, elevam o interesse pelo desenvolvimento promovendo a inserção no contexto social.

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EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ATRAVÉS DO FUTEBOL

Além de promover a inclusão, o futebol também é um poderoso veículo educacional. Projetos sociais baseados no futebol frequentemente incluem componentes educacionais, como tutoria e programas de alfabetização. Essas iniciativas ajudam a manter as crianças e adolescentes longe das ruas e do perigo de atividades ilícitas, oferecendo-lhes uma alternativa saudável e educativa. Ao mesmo tempo, o esporte ajuda no desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais, preparando os jovens para desafios futuros tanto dentro quanto fora do campo.

FUTEBOL E SAÚDE COMUNITÁRIA

O impacto do futebol na saúde física e mental dos indivíduos é bem explícito. A prática regular do esporte reduz o risco de doenças crônicas, como obesidade e hipertensão, e também serve como uma ferramenta eficaz na luta contra a depressão e a ansiedade. Por meio de torneios e eventos de futebol comunitário, os projetos sociais promovem um estilo de vida saudável e ativam o engajamento comunitário em questões de saúde pública.

RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS ORGANIZAÇÕES DE FUTEBOL

Os clubes de futebol e organizações esportivas têm uma responsabilidade social inerente. Muitos clubes já reconhecem essa responsabilidade e têm desenvolvido programas comunitários que vão além do esporte. Estes programas abrangem desde a oferta de bolsas de estudos para jovens atletas até iniciativas de sustentabilidade e campanhas de conscientização sobre questões críticas, como racismo e violência doméstica. Essas ações refletem não apenas um compromisso com o bem-estar da comunidade, mas também contribuem para a construção de uma marca forte e responsável.

DESAFIOS E OPORTUNIDADES

Apesar dos muitos benefícios, a implementação de projetos de futebol com foco social enfrenta vários desafios. A sustentabilidade financeira é uma das principais barreiras, especialmente para organizações não governamentais e iniciativas comunitárias que dependem de doações e patrocínios. Além disso, a falta de infraestrutura adequada pode limitar o alcance e a eficácia desses programas. No entanto, as oportunidades para expandir o impacto do futebol na sociedade são vastas. Com o apoio adequado de entidades privadas e públicas, projetos de futebol e responsabilidade social podem se tornar um modelo replicável de desenvolvimento comunitário. Além disso, a crescente conscientização sobre a importância do esporte na promoção da igualdade e inclusão social sugere um futuro promissor para essas iniciativas.

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A JORNADA DO AKA EM TRANSFORMAR VIDAS NO VALE DO JEQUITINHONHA

Ao longo dos últimos 18 anos, a Associação dos K-iauzeiros Ausentes (AKA) vem redefinindo o papel do futebol na responsabilidade social, empregando o esporte não apenas como um meio de entretenimento, mas como um catalisador poderoso para o desenvolvimento socioeconômico. Fundada em 2006, a AKA não se limita ao gramado; ela se estende às vidas dos jovens do Vale do Jequitinhonha, utilizando o futebol como ponto de partida para um amplo ecossistema social.

DESENVOLVIMENTO INTEGRADO ATRAVÉS DO ESPORTE

Desde sua concepção, o projeto “Valemos pelo que Somos” abraçou uma visão multidimensional, atuando em diversas frentes como saúde, educação, capacitação e engajamento comunitário. O futebol, embora seja o núcleo inicial, é apenas uma das muitas ferramentas utilizadas pela AKA para fomentar a mudança. Esta abordagem integrada propicia o acolhimento e desenvolvimento dos jovens, oferecendo-lhes oportunidades para crescerem como cidadãos conscientes e ativos.

TRANSPARÊNCIA E INOVAÇÃO NA GESTÃO

A transparência e o compromisso com resultados palpáveis são pedras angulares na filosofia da AKA. Ao incorporar práticas modernas de gestão como compliance e governança, a associação garante a eficácia e a sustentabilidade de suas iniciativas. Essa metodologia permite não apenas alcançar, mas também expandir seus objetivos, multiplicando o impacto de cada ação realizada.

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MUDANÇA DE PARADIGMA: ALÉM DO ASSISTENCIALISMO

Contrariamente ao assistencialismo tradicional, o AKA promove um modelo de desenvolvimento que valoriza a dignidade e a autoestima através do exemplo e do estabelecimento de referências reais e tangíveis. A ideia não é se espelhar em heróis inatingíveis, mas sim em modelos inspiradores que compartilham experiências semelhantes com os jovens do Vale, demonstrando que é possível alcançar novos horizontes.

A FILOSOFIA DE CUIDAR E APOIAR

A essência do trabalho do AKA está em proporcionar desenvolvimento e capacitação, fomentando a inclusão social de maneira efetiva. O projeto se empenha em cuidar e apoiar cada indivíduo, garantindo que a assistência oferecida seja tanto um impulso quanto uma rede de segurança que permita a todos avançar com confiança em direção aos seus objetivos.

CONSTRUINDO UM LEGADO

O desafio assumido pela AKA é monumental: construir um legado duradouro no Vale do Jequitinhonha que não apenas resgate sonhos, mas também fortaleça a capacidade mental da comunidade, aproximando os sonhos de uma realidade viável e promissora. Para construir uma sociedade mais equitativa e rica em oportunidades, a AKA estabelece canais de acesso e incentivo, sempre disponíveis para aqueles que procuram um caminho para o crescimento. Neste cenário, o trabalho da AKA e do projeto “Valemos pelo que Somos” ressoa como um exemplo vibrante de como o esporte pode ser a base para uma transformação social abrangente e significativa, marcando não só uma, mas várias gerações no Vale do Jequitinhonha.

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CONCLUSÃO

O futebol, longe de ser apenas um passatempo ou entretenimento, é um elemento transformador na sociedade. Quando alinhado com objetivos sociais claros e estratégias sustentáveis, pode ajudar a moldar comunidades mais fortes, mais saudáveis e mais inclusivas. A responsabilidade social no futebol não é apenas sobre organizar torneios ou patrocinar equipamentos; trata-se de reconhecer o potencial do esporte como um catalisador para o bem social e agir de forma a maximizar esse potencial. Ao fazer isso, o futebol não apenas eleva o espírito humano, mas também reafirma seu lugar como uma força vital para o bem na sociedade global.

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Artigo originalmente escrito e cedido a Universidade do Futebol pela Revista Futebol Estudado, no seguinte endereço: https://www.revistafutebolestudado.com/

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Gol: o acontecimento quase impossível do jogo de futebol

Por: João Batista Freire

O futebol é um esporte inventado para que o gol seja quase impossível. Entre uma trave e outra apenas 7,32m de largura. Altura? Somente 2,44m. O campo tem mais de 100m de comprimento e aproximadamente 65m de largura. Os jogadores, quando atacam, só fazem o gol se a bola for dirigida a esse pequeno espaço de 7,32m, com 6, 7, 8 defensores na frente dela, mais o goleiro, que, ainda por cima, pode usar as mãos. Quanto aos defensores, podem chutar a bola para qualquer direção, exceto aos 7,32m entre as traves. A vantagem dos defensores é ampla. Além disso, existe a tal regra do impedimento, uma desgraça que anula boa parte dos gols obtidos a duras penas. Quem nunca jogou futebol não faz ideia do cansaço produzido em cada jogada. Aos que estão em más condições físicas, depois de um lance muito disputado, parece que terminou o oxigênio do mundo. À medida que o cansaço aumenta, as coordenações motoras e de pensamento diminuem, a visão se estreita, e passar ou finalizar torna-se um drama, quanto mais endereçar a bola para os diminutos 7,32m. Tudo favorece a defesa. Todas as vezes que uma equipe de futebol recupera a bola, a intenção é atacar o gol adversário, e todos os jogadores se mobilizam para isso. Vamos dizer que esse estar com a bola para atacar o adversário ocorra umas 95 vezes por jogo. Considerando que, de maneira geral, uma equipe faz um, dois ou três gols por partida, concluímos que ela fracassará em seu intento mais ou menos em 97 a 98 por cento das tentativas. Ou seja, o futebol é um jogo em que tudo favorece a defesa. Não foi feito para que aconteça gols, pelo contrário, foi concebido para impedir, quase a qualquer custo, a realização do gol.

É tão quase impossível fazer gols no futebol que, quando ele ocorre, assistimos a um verdadeiro orgasmo coletivo. Jogadores e público torcedor vão ao delírio. Em uma Copa do Mundo, esse orgasmo coletivo pode atingir mais de dois bilhões de pessoas. Por ser tão difícil fazer o gol, pela tensão que precede cada ataque, pela frustração da equipe e torcida ante cada sucesso da defesa, cria-se uma energia brutal, dificilmente contida. E quando essa energia não pode ser extravasada em comemoração do gol, explode em choros, gritos, agressões, palavrões. Foi diante do gol que assisti, pela primeira vez, anos e anos atrás, homens se abraçando, se beijando e chorando. Nunca vi tantos homens, que jamais admitiriam certos contatos com outros homens em outras situações, se tocando. Assisti a alguns dos mais bárbaros encontros entre homens no estádio e fora deles, mas também assisti aos mais esperançosos sinais de humanidade durante os jogos. E tudo porque o gol, no jogo de futebol, é quase impossível. E é isso, acredito, que o torna mais apaixonante que qualquer outro esporte.

Foto: Toru Yamanaka – 16.dez.12/AFP