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A descoberta guiada emocional: Do individuo ao coletivo e o perfil do atleta

Por: Nicolau Trevisani

Já faz alguns anos que, em meio aos meus estudos sobre o futebol, me deparei lendo um dos livros de José Mourinho sobre o conceito de Descoberta Guiada, quando buscava conteúdos sobre diferentes periodizações e metodologias de treino. A ideia, de forma resumida, consiste em tentar, dentro do treino, criar um ambiente onde o treinador não “entrega todas as respostas prontas ao jogador”, mas sim um ambiente que estimule, através da manipulação do contexto (regras, tempo, espaço, comunicação…), o atleta a descobrir por si próprio as respostas adequadas para chegar aos comportamentos desejados pelo treinador no modelo de jogo. Essa abordagem, originalmente descrita por Mosston e Ashworth (2002) no ensino-aprendizagem, foi provavelmente adaptada e contextualizada por Mourinho ao contexto do futebol de alto nível, conferindo ao atleta maior protagonismo e engajamento no processo de treino.

Por exemplo: se quero que minha equipe tenha, como comportamento em organização ofensiva, cruzamentos de canal no terço final, crio no meu treino uma regra onde, se a equipe conseguir realizar um gol desta forma, ganha um ponto extra. Peço licença para aqui fazer um apontamento: existem alguns autores ou até mesmo treinadores que costumam colocar o gol com este comportamento como o único gol válido. Eu, particularmente, por entender o gol como o principal elemento do jogo, (aquele que de fato é capaz de alterar o placar) prefiro pensar em não limitar o gol e permitir que ele saia de qualquer maneira, para que o atleta não restrinja suas ações em busca do gol. Mas, se ele for pelo caminho que “gostaríamos mais e, portanto, incentivamos/guiamos”, a equipe ganha um ponto extra além do gol. Podemos até mesmo ser mais radicais e colocar o gol como a maior pontuação da atividade, e o ponto extra como uma pontuação menor, reforçando ainda mais que o gol deve ser a busca principal.

Entendendo agora de forma clara a ideia da descoberta guiada clássica como uma boa ferramenta para a construção de comportamentos táticos que podem ser trabalhados dentro de uma periodização, gostaria de avançar a reflexão. Como psicólogo e amante da psicologia, sabemos que o jogo também vai expor o jogador e a equipe a diferentes situações que irão demandar alta capacidade de lidar com diversas emoções para jogar (resiliência, ansiedade, frustração). Sabemos também que, com um processo de terapia e/ou acompanhamento individual bem feito, podemos ajudar cada atleta a se autorregular da melhor maneira possível como indivíduo para lidar com esses momentos dentro do jogo.

Mas, coletivamente, será que não é possível gerar no ambiente, junto com os comportamentos táticos desejados, uma propensão emocional que ajude o indivíduo no contexto coletivo — e até mesmo a equipe em si — a lidar melhor com aquela emoção fruto daquela condição que o jogo ou até mesmo comportamento tático desejado geram com mais frequência para gerar uma maior eficácia? Por exemplo: para determinada forma de sair jogando que uma equipe utiliza, algumas emoções vão aparecer ou ser mais demandadas que em outra forma de jogar. Sendo assim, precisaremos de uma autorregulação de determinada situação bem estabelecida para que o comportamento tático aconteça da melhor forma possível. Isso também se estende a diferentes contextos de jogo, como adversários ou adversidades do placar, que podem ser trabalhadas dentro de cada contexto, mesmo que naturalmente já tenhamos os comportamentos mais recorrentes de determinado modelo de jogo.

Ainda que, quando trabalhamos a autorregulação do indivíduo, consigamos também ajudar o coletivo, acredito que, se assim como um comportamento tático, o “comportamento e regulação emocional” forem estimulados e treinados dentro do treino, respeitando princípios metodológicos comuns como especificidade, alternância horizontal, propensões, progressão de complexidade e, principalmente, a descoberta guiada, pode-se criar dentro do ambiente de treino situações que estimulem — em menor ou maior carga (a depender do dia da periodização, pois naturalmente conteúdos emocionais também podem ser mais ou menos complexos, ou mais ou menos estressantes ou desgastantes) — emoções que os comportamentos táticos do modelo de jogo e de determinada partida irão exigir com mais ou menos frequência. Assim, dentro do treino, com estratégias estabelecidas, os indivíduos e o coletivo poderão ir apreendendo a reconhecer, processar e lidar com diferentes emoções trazidas pelo jogo.

Claro, quanto mais atletas estiverem individualmente melhor preparados para lidar com as emoções, a transferência para o coletivo é facilitada. Mas é importante dizer que nenhum dos dois trabalhos emocionais propostos (coletivo ou individual) se substituem. Ambos podem ser de grande valia e se complementam.

E, como scout — função a qual hoje exerço — como esse processo ajuda? Entender, dentro do modelo de jogo da equipe, quais emoções serão mais demandadas (até mesmo para determinadas funções) de acordo com os comportamentos desejados pelo modelo de jogo pode ser uma valiosa informação no momento de observar um jogador. Será que, para o modelo de jogo que pretendemos ter como norteador do nosso jogo e no nosso contexto, aquele jogador já tem as habilidades emocionais necessárias para se adaptar mais rapidamente às demandas? Se a resposta for sim, pode indicar que aquele jogador tem um perfil mais pronto para transformar o seu potencial em performance rapidamente. Se a resposta for não, ao menos vamos saber melhor quais comportamentos — e eventualmente quais emoções — devemos ajudá-lo a desenvolver com diversas ferramentas no nosso ambiente para que ele possa, de forma assertiva, se adaptar melhor ao contexto em geral, inclusive podendo desenvolver as habilidades necessárias para se autorregular melhor.

Desta forma, poderemos ter uma leitura mais completa do perfil do jogador e entender os atributos dele, para que o clube possa gerar um ambiente o mais favorável possível para que o atleta possa transformar o potencial observado em performance o mais rápido possível.

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A tática e a criatividade: aceitar o caos, desdramatizar o erro

Por: Sérgio Raimundo

No treino do futebol profissional temos que escolher, se queremos organização extrema nos exercícios, muitas vezes dando feedback a cada bola jogada, para nos sentirmos no controle dos exercícios, ou se preferimos caos, um caos organizado, que permita aos jogadores tentar, errar, acertar, voltar a tentar, testar diversas soluções. 

Experimentar o erro e o acerto nos exercícios, jogar de forma espontânea e tomando constantes decisões dentro do modelo de jogo proposto (forma de jogar da equipe), enfrentando adversários chegando de diversos ângulos e com diversas velocidades, sem uma sequência única e definida, permite aos jogadores realizar decisões continuamente em jogo, em condições aleatórias, variáveis e imprevisíveis, que promovem uma auto-organização da equipe que deve funcionar como um todo, no qual o movimento de um jogador, a posição da bola e dos adversários fazem variar o posicionamento de todos os jogadores da própria equipe em campo. A equipe funciona como um sistema que se adapta constantemente e aprende coletivamente com os ajustes e experiências de treino que se tornam aprendizagem, quando se tornam rotinas. A equipe aprende em conjunto, não sabe o resultado do exercício antes de o iniciar, quando realiza jogos em espaços reduzidos ou em grandes.

Quando juntamos tática e criatividade na mesma linha, muitas vezes, podemos encontrar o conflito e discussão entre deixar os jogadores tomar as decisões, ou limitar as decisões que os mesmos podem tomar. Pensamos em jogadores que apenas seguem regras, ou jogadores que pensam em como decidir em jogo, de forma total ou dentro do modelo de jogo proposto. Se por um lado, creio que a maioria dos treinadores concorda, que os jogadores deverão ter alguma autonomia para decidir, pois é o que acontece em jogo, por outro, se cada um reagir por si durante todo o jogo, a equipe corre o risco de não estar organizada, pois ninguém sabe muito bem o que cada um vai fazer. 

O termo “modelo de jogo” foi introduzido há vários anos, por forma a servir como uma linguagem coletiva comum a todos os jogadores da mesma equipe, uma inteligência coletiva que permite que todos os jogadores antecipem as decisões dos próprios companheiros de equipe, em situações de grande estresse, nas quais as respostas devem ser dadas de forma automática. Em situações de estresse o cérebro vai sempre optar pela forma mais rápida de reação e decidir em aplicar as rotinas para as quais foi condicionado durante os dias de treino. No fundo, o modelo de jogo, a estratégia de jogo e as decisões sob estresse, geram os princípios de ação da equipe sob a forma de inteligência coletiva, e isso torna-se na cultura de jogo da equipe. 

O “caos organizado” nos exercícios de treino, isto é, as decisões abertas [uma possível decisão ou várias, sem imposição de uma resposta única por parte do treinador ao jogador], poderão ter um impacto positivo na criatividade dos jogadores, quando aumentarem a organização coletiva, tornando-se numa ideia comum e adaptável, quando ajudarem a antecipar e solucionar problemas e reduzir e aumentar a confiança dos jogadores. Mas poderá, também, ter um impacto negativo, podendo bloquear a criatividade, criando dependência de soluções, tornando-se numa ideia comum fixa, gerando ansiedade e diminuindo a confiança nos mesmos.

Segundo o professor Duarte Araújo, da Faculdade de Motricidade Humana, é importante que o caos, potencializando a variabilidade nos exercícios, promova a intencionalidade coletiva, compartilhando objetivos claros durante o exercício para que a equipe encontre a solução comportamental que vai variar constantemente em função do que está a acontecer em tempo real. É também importante que os mesmos contenham informação funcional, isto é, possuam elementos-chave do contexto de jogo (bola, adversários, gol), para oferecer possibilidades relevantes de ação para os jogadores encontrarem as soluções para os mesmos. Por fim, os exercícios deverão, também, permitir um movimento adaptativo, isto é, permitir variações na maneira como os jogadores adaptam seus movimentos para concretizar as affordances, isto é, as possibilidades que o envolvimento, constituído pelo campo e pelas regras, permitem, tendo em conta os elementos chave bola, adversários, gol [direção do jogo]. 

Dentro do movimento e ações nos exercícios, a aprendizagem e ambiente de incentivo aos alunos a se adaptarem e encontrarem suas próprias soluções, vão acontecer erros. Se tratarmos cada um desses erros como um drama e pararmos a prática para dar feedback a cada ação, então, o efeito de aprendizado, automatização coletiva e experimento de soluções, desaparece. Aí entra a importância do feedback pedagógico.

Se iniciarmos um exercício e todos os praticantes cometem o mesmo erro, então sim, devemos parar o mesmo e voltar a explicar, demonstrar, ou realizar as ações necessárias para o bom decorrer do mesmo. Se o erro fôr apenas praticado por um ou alguns jogadores de forma intermitente, então podemos dar feedback à ação enquanto o exercício estiver decorrendo. É como num jogo. Quando o jogador realiza um jogo, o treinador não pode parar o mesmo a cada erro que o jogador realiza. Até se torna importante o jogador desenvolver formas de lidar com os erros que comete e reagir aos mesmos, que não será possível desenvolver se o treinador pára o jogo, cada vez que algo errado acontece, na sua visão.

O feedback tem várias dimensões e ainda mais subcategorias, e é altamente dependente do estilo de liderança dos treinadores, mas há formas de estruturar o mesmo, para evitar constantes paragens nos exercícios. Para isso, é chave conhecer, também, o jogador como pessoa. Cada jogador tem a sua vida e o seu tipo de personalidade e enquanto alguns necessitam de saber o porquê de tudo o que fazem, outros necessitam de motivação, outros regras, outros de serem envolvidos no processo de liderança, outros espaço para experimentar sem qualquer feedback, etc.

Algumas das técnicas para fazer desaparecer a necessidade constante de feedback por parte dos participantes e deixar os mesmos tomar suas decisões em jogo, passam por realizar, por exemplo, um feedback sumário. Desta forma, os treinadores apenas dariam feedback após uma série de tentativas, ou no intervalo das séries ou blocos de cada exercício. Outra técnica, passaria por apenas dar feedback se certos erros fossem cometidos, que não seriam admissíveis no contexto de equipe e do modelo de jogo. O estilo de pergunta e resposta, também chamado de descoberta guiada, pode, também, influenciar nas decisões do jogador sem lhe impôr a solução. Por exemplo, se perguntarmos “onde está o homem livre”, essa simples questão pode fazer o mesmo levantar a cabeça mais cedo ou seguir “ligado” de onde está o homem livre ao longo do jogo. Por fim, se dermos mais feedback descritivo, em vez de ordens prescritivas, o jogador poderá sentir-se encorajado a encontrar as suas respostas. Um mero exemplo poderia ser dizer “ o centroavante vem pressionando diretamente fechando passe para o meia” em vez de dizer “passa para o outro zagueiro”, de forma prescritiva.

Outros fatores essenciais para a qualidade e gestão da sessão de treino seria a adequação dos conteúdos à cultura e realidade dos jogadores do time, diminuir o tempo de transição efetiva entre exercícios, aumentar ao máximo possível o tempo dedicado ativamente em aprendizagem, o clima da sessão que deverá permitir aos jogadores serem criativos sem temer consequências negativas por cometer “erros honestos” que advêm da tentativa honesta de tomar decisões em prol do time, a adequação a diferentes necessidades individuais e o conhecimento pessoal do atleta e envolvimento do mesmo no processo de desenvolvimento como jogador.

Foto: Marc-Graupera (FC-Barcelona)

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Desafios do scouting de futebol em países não desenvolvidos: adaptar à realidade local

Por: Ricardo André Encarnação

Introdução

Explorar e identificar jogadores talentosos em países não desenvolvidos representa uma oportunidade única, quer para clubes, quer para as academias/comunidades locais. Este processo, amplamente conhecido como scouting, envolve a observação cuidadosa, a avaliação detalhada e a seleção rigorosa de jovens atletas promissores para serem integrados em contextos competitivo, profissionais e/ou semiprofissionais em diferentes países. Contudo, realizar ações de scouting em regiões que se encontram não desenvolvidas torna-se particularmente complexo devido aos múltiplos desafios económicos, sociais e culturais que prevalecem. A instabilidade política, a pobreza generalizada e as desigualdades sociais muitas vezes comprometem as condições fundamentais para o desenvolvimento desportivo e a valorização justa dos talentos locais.

Neste cenário, os scouts enfrentam uma série de obstáculos que ultrapassam em larga escala a simples observação técnica e física dos atletas. Problemas relacionados com infraestruturas inadequadas ou simplesmente inexistentes, deficiências nutricionais graves, condições higiénicas precárias e formação técnica insuficiente, tornam muito difícil uma avaliação objetiva e precisa dos jogadores. Com intuito de colmatar as distintas realidades entre países desenvolvidos e não desenvolvidos, torna-se fundamental que os profissionais responsáveis pela observação compreendam profundamente as dificuldades que os jovens atletas e respectivas famílias enfrentam diariamente e adotem estratégias eficazes para ultrapassá-las, evitando que talentos puros e genuínos sejam desperdiçados devido a circunstâncias adversas.

Este artigo pretende analisar detalhadamente esses desafios, identificando abordagens práticas e eficazes que permitam aos scouts adaptar-se adequadamente à realidade local. Procura destacar o papel transformador do scouting enquanto motor de desenvolvimento social e económico sustentável nas comunidades mais carenciadas nomeadamente em países não desenvolvidos, demonstrando como uma abordagem bem estruturada pode gerar benefícios duradouros, tanto para os clubes envolvidos como para os atletas e suas famílias.

Scouting em países não desenvolvidos

Um dos obstáculos mais evidentes para o scouting em países não desenvolvidos é a precariedade ou inexistência das infraestruturas desportivas. Muitos campos de futebol carecem de condições básicas adequadas, apresentando superfícies irregulares, sejam em terra batida, relva – muitas vezes um misto de ervas e terra – frequentemente com pedras e buracos, que não só aumentam o risco de lesões como prejudicam significativamente a avaliação técnica dos jogadores. Esta situação obriga os scouts a interpretar cuidadosamente o desempenho dos atletas, tendo em conta fatores que possam indicar potencial desportivo apesar das dificuldades ambientais, estruturais, educacionais e naturalmente avaliar a capacidade de adaptação dos jovens atletas.

Os principais problemas a par do terreno em si, das infraestruturas inexistentes, nomeadamente balneários e/ou sítios para observação, incidem naturalmente nas linhas/marcas no campo, na ausência frequente de iluminação adequada, que limita drasticamente os horários disponíveis para observação e treino, condicionando a capacidade dos scouts de realizarem avaliações completas e precisas, em distintos contextos. A falta de equipamentos básicos essenciais como bolas de qualidade, luvas para os guarda-redes, coletes e redes adequadas para as balizas, contribui ainda mais para dificultar o processo, exigindo métodos criativos e adaptativos de avaliação por parte dos scouts. Para enfrentar estes desafios, é indispensável que se desenvolvam critérios de avaliação mais abrangentes e projetivos, utilizando as grelhas pessoais, no entanto têm de considerar especialmente qualidades como resistência, capacidade de adaptação e inteligência futebolística, e  por fim avaliar o potencial de desenvolvimento futuro dos atletas em ambientes e condições bem mais favoráveis, nos países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, mas com complexos em condições para a prática desportiva.

No âmbito de saúde e higiene, considero que um desafio significativo é a precariedade das condições nutricionais e sanitárias dos atletas. Muitos dos jovens promissores vivem em contextos de insegurança alimentar, o que afeta diretamente o seu desempenho físico, diminuindo a resistência e comprometendo as avaliações técnico-táticas. Estes problemas nutricionais frequentes resultam em fadiga precoce, dificuldade de concentração e incapacidade de demonstrar plenamente o potencial físico e intelectual do jogador em campo. As condições de higiene inadequadas aumentam a vulnerabilidade dos atletas a doenças infecciosas, prejudicando a continuidade dos treinos e jogos e dificultando ainda mais uma avaliação precisa e consistente.

A título de exemplo, aquando de uma das minhas deslocações à Nigéria, muitos dos atletas além de se encontrarem desnutridos no momento dos jogos, pois apenas alimentavam-se de amendoins, chegavam aos campos com níveis de ansiedade elevadíssimos e completamente desgastados, por realizarem viagens de até 24 horas através de péssimas estradas, jogavam em campos com condições altamente precárias, num tal misto de terra com erva, cheio de buracos. Por breves momentos, principalmente nas primeiras experiências em países não desenvolvidos, no primeiro contacto com os jogadores e antes dos jogos, o scouting acaba por sentir sobressair mais o ser humano do que o profissional de futebol.

Para abordar de forma eficaz estas dificuldades, os scouts devem ser formados para realizar avaliações abrangentes que incluam fatores de saúde e nutrição, garantindo que atletas com potencial genuíno não sejam descartados injustamente devido às circunstâncias atuais da realidade local. Quando ocorre a visita de um scout europeu, é frequente que os jovens jogadores desenvolvam expectativas muito elevadas em relação à possibilidade de alcançar rapidamente uma carreira profissional bem-sucedida e de topo mundial. Torna-se assim fundamental que os scouts saibam gerir estas expectativas, esclarecendo os atletas sobre os desafios e a alta competitividade existentes no futebol profissional europeu. Preferencialmente falar de atletas com as mesmas origens e demonstrar todo o sacrifício necessário para alcançar um primeiro contrato profissional, a necessidade de rápida adaptação ao futebol no destino, ao estilo de vida, ao clima, incentivando igualmente à necessidade de formação/educação continua para salvaguardar o futuro do jovem atleta.

Trabalhar a resiliência emocional e psicológica dos jovens atletas é fundamental, de forma a prepará-los para enfrentar adversidades, críticas e o eventual fracasso em testes ou avaliações. Os scouts têm a responsabilidade de explicar claramente que o percurso para o sucesso no futebol profissional é longo e incerto, requerendo persistência e dedicação constantes. É igualmente importante assegurar um acompanhamento emocional adequado aos jogadores que não são selecionados, para que estes possam gerir o fracasso de forma construtiva. Apoiar e incentivar estes atletas na definição de objetivos realistas e sustentáveis permitirá que mantenham a motivação e continuem a desenvolver-se a nível pessoal, a nível familiar, académico e por fim desportivo.

Conclusão

Para realizar sessões de scouting via torneios ou jogos-treino em países não desenvolvidos envolve enfrentar desafios complexos que ultrapassam as questões técnicas, táticas e físicas dos jogadores, tornando-se essencial que os profissionais envolvidos estejam preparados para lidar com as dificuldades estruturais, sociais e emocionais, académicas e desportivas adotando uma abordagem compreensiva e adaptada à realidade local.

Investir em formação especializada e contínua para os scouts de todos os clubes é fundamental para garantir uma avaliação justa e precisa de jovens atletas, que sejam observados em quaisquer condições, principalmente nas mais precárias. Estabelecer parcerias sólidas entre clubes, escolas, instituições locais e academias, pode criar condições favoráveis ao desenvolvimento sustentável do futebol e à melhoria das condições de vida nas comunidades.

A gestão adequada das expectativas dos jogadores e o suporte emocional perante o sucesso ou fracasso são essenciais para garantir que a experiência dos jovens jogadores observados por um ou mais scoutings, seja um processo positivo e enriquecedor para todos os envolvidos. Para concluir, reforço que a de adaptação à realidade local, em países não desenvolvidos, não só facilita o processo de identificação de jovens talentos, como também permite transformar desafios em oportunidades valiosas de desenvolvimento social e económico nas regiões menos favorecidas.