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O jogo da vida

Por: João Batista Freire

Crianças precisam brincar muito. Precisam brincar muito porque brincar, para elas, é como respirar, alimentar-se e serem acolhidas. Brincar (ou jogar) é vital para as crianças e para a sociedade (que nem sabe disso). Observar crianças torna isso tão evidente que me custa crer que a sociedade adulta não perceba tal evidência. Deixadas livres, quando não estão dormindo ou doentes, as crianças brincam. Brincam ao se alimentar, brincam ao tomar banho, brincam com todas as coisas ao seu redor, brincam com as mãos, com os pés, com os sons, com os olhares, com os cheiros, com os toques, com a imaginação, com tudo. Brincar, ou jogar, é decisivo na espécie humana. Pode salvá-la ou condená-la, porque os jogos não são para o bem ou para o mal, mas para aquilo que fizerem deles os jogadores. Brincar (ou jogar) para a criança é uma compulsão, assim como o é para gatinhos e cachorrinhos (todos os chamados animais superiores brincam). A intensidade da brincadeira na infância alimenta a motricidade e a imaginação da criança.

Nem todos os jogos são de imaginação, porque as crianças mais novas, com menos de 18 meses aproximadamente, também jogam e ainda não são capazes de imaginar com desembaraço; seus jogos são sensoriais e motores. Porém, a partir do momento em que adquirem maturidade para se servir da imaginação, esta passa a acompanhar os jogos e até a orientá-los. A partir dessa idade a imaginação orienta os jogos e se alimenta deles. O jogo faz a criança imaginar mais que qualquer outra atividade. Tanto é assim que o jogo mais típico da criança é o jogo de faz-de-conta. Com poucos anos de vida a criança será capaz, inclusive, de jogar apenas com a imaginação, sem necessidade de realizar qualquer ação motora. Porém, o mais comum é que os jogos da criança sejam uma bela sincronia entre imaginação e gestos.

As crianças, e todos nós, jogamos movidos por uma espécie de pulsão, uma necessidade vital. O jogo, no ser humano, não é um capricho, uma escolha, mas uma necessidade tão decisiva quanto a alimentação, o abrigo ou o sexo. Restringir a imaginação na criança é restringir suas oportunidades de imaginar, e a imaginação humana é tão decisiva para a espécie que restringir a imaginação no período da infância é diminuir as chances de sobrevivência da espécie humana. Há muito sabemos que os chamados animais superiores também brincam; durante a infância brincam (ou jogam) intensamente. Se observarmos suas brincadeiras, constataremos que seus gestos lembram aqueles usados pelos animais adultos em seus empenhos para manter a vida, ou seja, são jogos de agarrar, morder, perseguir, escapar, saltar, rolar etc. Brincam daquilo que lhes será decisivo para a sobrevivência. Considerando que a natureza não pode ter receitas diferentes para o que é mais fundamental para a manutenção da vida, concluímos que também o ser humano jogará (ou brincará) com aquilo que será decisivo para sua sobrevivência enquanto espécie. Observemos as crianças e veremos que elas brincam, acima de tudo, de realizar gestos e imaginar. Porém, principalmente, de imaginar. O jogo de imaginação é o grande jogo humano, em crianças e em adultos. E por um motivo bastante simples: o que nos torna humanos e nos dá a grande chance de nos mantermos como espécie humana é a imaginação. Trata-se do grande diferencial humano comparativamente às outras espécies. Cada espécie viva tem seu diferencial, que torna sua vida possível no planeta. No caso da espécie humana esse diferencial é a imaginação. Sem imaginação bem desenvolvida não há chances de sobrevivência para a espécie humana. Jogando somos livres para imaginar, mais que em qualquer outra situação. Quando jogamos não há tarefas cobradas de fora do jogo, não há pressões externas, por isso podemos imaginar livremente.  

Todas os animais precisam alimentar os instrumentos que tornam sua vida possível. No caso dos humanos, se é a imaginação que, acima de tudo, torna sua vida possível, é ela que mais precisa ser alimentada. Há várias maneiras de alimentar a imaginação, entre elas uma muito especial: jogar. Entre outros motivos, jogamos para alimentar a imaginação. Considerem que somos a espécie que tem a duração mais prolongada de juventude. Considerem que a juventude (infância e adolescência) é nosso período de vida mais flexível, mais propenso às aprendizagens. Considerem que a juventude é o período de vida em que mais nos dedicamos ao jogo. Ou seja, a espécie viva que tem, como instrumento fundamental de sobrevivência, a imaginação, tem um enorme período de vida para se dedicar a enriquecê-la (embora continuemos a alimentar, com menos intensidade, a imaginação durante a idade adulta e a velhice). Se a cultura humana favorecerá isso, ou não, é outro assunto, mas essa cultura, especialmente no que se refere à educação, deveria investir, acima de tudo, na imaginação. E de que maneira? Servindo-se do jogo como instrumento alimentador dessa imaginação. Submeter crianças a processos de adultização, tais como passou a ocorrer com enorme frequência em diversos campos da atividade humana, além de ser cruel e transgressor de seu direito de serem crianças, consiste em enorme risco para a existência humana a longo prazo.

Há vários elementos que podem nos mobilizar para o jogo. Em um jogo de pega-pega, por exemplo, o desafio de escapar ao pegador em um espaço delimitado, ou de ser capaz de pegar os fugitivos, testando nossa capacidade de correr, desviar, acelerar, parar etc., é altamente estimulante. Num jogo de construir miniaturas de casas o estímulo maior é ser capaz de criar figuras e torná-las, na imaginação, reais com as peças disponíveis. Num jogo de pular corda o obstáculo maior à nossa inteligência é suplantar, com nossa habilidade de saltar, os problemas de tempo e espaço colocados pela brincadeira. Quando se trata do jogo de futebol, o desafio maior é organizar as ações corporais para finalizar, com sucesso, ao gol adversário. Quaisquer que sejam os desafios colocados pelo jogo, a partir dos dois anos de idade, mais ou menos, desde o faz-de-conta de uma criança de quatro ou cinco anos, aos complexos jogos desportivos dos adultos, o êxito dos jogadores dependerá de suas habilidades motoras e de sua capacidade de imaginar as soluções e os caminhos para o sucesso. E por qual motivo a imaginação seria tão importante? Porque é a ela que o jogador mais recorre, uma vez que o espaço para que a imaginação se apresente e oriente as ações é mais amplo e livre no jogo que em outras circunstâncias. Na situação de jogo, ela só é jogo porque não há algo com o caminho completamente traçado; haverá sempre um espaço vazio, inusitado, imprevisível, que só pode ser preenchido pela imaginação, a única capaz de criar algo inusitado. Quando se trata de um trabalho, ele pode ser realizado por uma rotina já conhecida, embora muitos trabalhos exijam, também, a criatividade. No entanto, o espaço de criatividade do jogo é muito maior, porque ele permite ao jogador um espaço de risco enorme, ou porque, ocorrendo o erro, as consequências não são graves (sempre se pode começar de novo), ou porque o próprio risco é o grande motivador (temos vários exemplos, entre eles os esportes de aventura de alto risco, ou os esportes de desafio extremo como o automobilismo). Quando as crianças ficam sozinhas, ou em grupo, e livres, rapidamente inventam brincadeiras. E essas brincadeiras são desafios de, em parte, repetir o que já sabem fazer, em parte de criar algo, de suplantar um novo obstáculo, de arriscar uma ação inusitada. Lembram quando o Professor Manuel Sérgio dizia que o ser humano é um animal de transcendência? Pois ele queria dizer que nascemos incompletos, e isso não é um defeito de nossa natureza, mas uma boa qualidade. Sendo incompletos temos sempre que criar algo para preencher aquilo que falta. Uma vez preenchida a falta, novas faltas surgirão. Quando jogam, as crianças refletem, sem ter consciência disso, nossa natureza incompleta e nossa necessidade de sempre transcender o estado atual. Ao jogar e se colocar o desafio de criar algo a mais, as crianças seguem a orientação primordial de transcender aquilo que somos no estado atual. Do nascimento à morte nossa tarefa será preencher nossas faltas, tal como no mito grego, em que Prometeu, amarrado a um penhasco e, tendo seu fígado comido todos os dias por um abutre, precisava regenerá-lo em seguida. A Prometeu sempre lhe faltou o fígado, aos seres humanos sempre lhes faltará algo. Sem a imaginação ele não poderia preencher suas faltas. Discutir a incompletude natural do ser humano requer, no entanto, um ensaio à parte.

Os desafios colocados pelo jogo são, na verdade, os desafios colocados à imaginação humana. São os jogos aqueles que mais desafiam o ser humano a testar os limites de sua imaginação, a dimensão mais decisiva para que se mantenha como criatura viva no planeta. Na verdade, o grande teste dos humanos no planeta é o teste de verificar se sua imaginação dá conta de lidar com os grandes problemas de adaptação. Nossa imaginação, responsável pela produção de boa parte de nossa inteligência, já produziu, inclusive, a inteligência artificial. Porém, desafios como a escassez de água potável, a poluição dos oceanos e do ar, o desmatamento, a miséria e a fome, as guerras, a corrupção e os preconceitos, entre outros, nunca foram solucionados por nossa inteligência natural, muito menos pela inteligência artificial. Os desafios de bom uso da inteligência foram colocados a todas as criaturas vivas, da ameba ao ser humano. A má notícia é que a maioria das criaturas vivas que passou pelo planeta Terra falhou no uso da inteligência; não resolveu os problemas de adaptação e foi extinta. A boa notícia é que algumas delas vivem há centenas de milhões de anos.

Todas as criaturas vivas são casos típicos e únicos da natureza, apesar de suas bases comuns. Quis a natureza humana que fôssemos uma criatura frágil do ponto de vista motor, porém, dotados de imaginação suficiente para compensar tal fragilidade. Associada à imaginação nossas ações tornam-se poderosas. A imaginação foi capaz de criar a cooperação, a solidariedade, as máquinas de locomoção, as máquinas de força, os computadores, os aparelhos de comunicação e a medicina, entre outras invenções. Descobrimos, pensando, que somos frágeis individualmente, mas somos fortes socialmente. Alguns dos maiores problemas não solucionamos ainda, embora percamos boa parte de nossos esforços com guerras e outras formas de estupidez. Ainda deixamos que alguns manipulem a imaginação de bilhões e fartem-se nos lucros fazendo isso. No entanto, talvez não haja outro caminho para a educação que não seja investir para que desenvolvamos sempre mais nossa imaginação. Ainda não paramos para refletir sobre o enorme risco que corremos quando suprimimos oportunidades de desenvolver a imaginação, principalmente entre as crianças. E seria tão simples fazer isso. Bastaria que elas pudessem brincar mais tempo e com mais liberdade. Que as escolas fossem adaptadas às crianças. Que tivéssemos uma matemática criança, uma biologia criança, um português criança e assim por diante… e um esporte criança.

Quando vai ao esporte, além de aprender a praticar o esporte, a ideia da criança é a de que vai se divertir, vai jogar, vai brincar. Durante as aulas, em boa parte das vezes ela é surpreendida por rotinas de exercícios que nem de longe lembram um jogo. Recordo de uma criança, depois de fazer sua primeira aula de natação, quando o pai lhe perguntou se ela tinha gostado da aula. Ela respondeu que não queria mais ir à escola de natação. O pai quis saber o motivo, e ela disse que a professora não a deixou nadar, ficou o tempo todo batendo pernas na beirada da piscina. A criança quer brincar de jogar bola, mas tem que treinar futebol adulto em miniatura. E esse procedimento no futebol faz parte de um conjunto de aberrações praticadas na educação, quer seja no campo das artes, dos esportes ou das ciências. Essas aberrações suprimem o direito da criança ao lúdico, ao jogo, ao brinquedo, além de não ensinar o que anuncia. Deixada livre, brincando de jogar bola com os amigos, ela aprenderia mais.

O problema é maior que o futebol, maior que o esporte. Trata-se de um problema geral de educação dos seres humanos que, por não compreenderem a importância da infância, comprometem toda uma sociedade. O destino dos seres humanos está profundamente vinculado ao desenvolvimento de sua imaginação, e a imaginação nunca poderá se desenvolver tanto quanto na infância e adolescência, especialmente na primeira. É a imaginação que permite que um jogador de futebol se torne um virtuose da bola, um artista. Suprimir na criança que aprende futebol suas oportunidades de desenvolver a imaginação é torná-la um jogador comum, insosso, sem criatividade. Está ao alcance de, praticamente, todas as crianças, desenvolver boas habilidades com a bola. Ao alcance da arte de jogar futebol estão somente aquelas crianças e adolescentes que puderem brincar com a bola, aqueles que puderem sincronizar sua boa imaginação com sua boa motricidade.

Dirigentes, pais, professoras e professores de futebol, técnicos e técnicas de futebol, empresários, agentes, dão um tiro no pé quando insistem em especializar precocemente as crianças e adolescentes no futebol, obrigando-os a se submeterem a rotinas de treinamentos técnicos específicos. Se passarem por eles mil meninas e meninos, raros escaparão à sangria da criatividade. Obrigados a abrir mão da imaginação oriunda do lúdico, somente por golpe de sorte ou talento extremo (muitíssimo raro) um ou outra seguirá adiante com alguma chance de vir a ser um profissional destacado. Porém, se fossem respeitadas as características das crianças e adolescentes e todos pudessem desenvolver as habilidades para o futebol em um ambiente lúdico, saudável, sem pressões por resultados, sem dúvida o número daqueles que seguiriam adiante com chances de se tornarem adultos praticantes de um ótimo futebol seria muito maior. Porém, antes disso, o mais importante é assegurar a essas crianças e jovens o direito de praticar o esporte como uma maneira de viver com dignidade, com respeito, com felicidade. O momento de estar no esporte deve ser um momento de vida privilegiado, de vida feliz, prazerosa, e não um momento de sofrimento, de renúncia à vida típica da infância e da adolescência.

Com relação aos professores e professoras, a responsabilidade por educar crianças e adolescentes é enorme. Tal responsabilidade não condiz com pessoas que não se interessam por estudar, por se preparar intensamente para dar conta da tarefa de educar. Não basta incorporar alguns procedimentos técnicos, meia dúzia de rotinas de exercícios mecânicos e descontextualizados que serão impostos às crianças e jovens. Boas professoras e bons professores do esporte se interessam por conhecer metodologias, por estudar as pedagogias disponíveis dentro e fora do esporte, por saber os fundamentos da psicologia da criança, por se aprofundar nas teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, por saber como se organizam as sociedades, desde as pequenas sociedades lúdicas das crianças às sociedades adultas.

Impedir o lúdico, a imaginação e a criatividade nas crianças é, como se diz no vocabulário futebolístico, jogar contra o patrimônio. Nesse caso, o patrimônio da humanidade.

Crianças brincando. Foto: Aline Oliveira/reprodução

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As confirmações e reflexões da copa do mundo sub 20

Por: Nicolau Trevisani

Entre os meses de setembro e outubro, estive viajando pela América do Sul. Além de uma ida à Colômbia — muito importante para entender o contexto do futebol e a cultura do país —, tive a oportunidade de estar no Chile para acompanhar a Copa do Mundo Sub-20.

Durante o Mundial, pude assistir in loco a diversos jogos, de diferentes seleções e contextos. Também estavam presentes inúmeros profissionais de clubes, funções e países distintos, todos com objetivos próprios, mas com o mesmo interesse em observar de perto uma competição que reúne diferentes formas de jogar e de pensar o jogo.

Entre tantos aprendizados, um ponto no qual eu já acreditava se confirmou de forma ainda mais clara: futebol é contexto. E entender isso profundamente é o que permite acertar muito mais do que errar — seja qual for a função de quem trabalha no esporte.

Começando pelas equipes: coletivamente, foi possível observar várias escolas e propostas de jogo se enfrentando — times com mais posse, menos posse, jogo direto, apoiado, reativo, posicional. Qual é a melhor? Na verdade, todas podem ser boas ou ruins. Mais importante do que o gosto pessoal é entender o contexto coletivo de cada equipe e a ideia de jogo de cada treinador. Só depois, com esse “óculos”, é possível avaliar se a equipe joga bem ou não — o que, no fim das contas, significa apenas ser eficiente na execução da própria ideia.

E quando olhamos para os profissionais e os jogadores que estavam lá? O que são, afinal, “bons jogadores”? Essa resposta está intimamente ligada ao contexto em que se observa. É impossível dizer se um jogador é bom ou não sem antes responder: para onde e para quem?

Um atleta de uma seleção X, com determinada característica, pode “não ser bom” para um clube que busca outra demanda — mas pode se encaixar perfeitamente em uma equipe Y, em outro cenário. Arrisco dizer que todos os jogadores que disputaram o torneio têm qualidades suficientes para performar bem em algum bom contexto coletivo. O desafio é encontrar onde esse potencial pode se expressar melhor. É papel do clube colocar o jogador no ambiente certo, onde suas condições técnicas, táticas, cognitivas e humanas se alinhem ao modelo de jogo e ao propósito coletivo.

Por isso, a ida à Colômbia também foi tão relevante: além dos jogos, a possibilidade de entender a cultura e o contexto dos atletas locais é uma informação de altíssimo valor. Observar é também compreender o ambiente que forma o jogador — e isso inclui elementos culturais, sociais e humanos.

Outro ponto essencial, quando falamos de contexto, é a cultura em que o atleta vive e a capacidade de adaptação ao novo ambiente. Um jovem jogador da Coreia do Sul, que sempre viveu e jogou em seu país, tem hábitos completamente diferentes de um atleta da Nigéria que cresceu e atuou no futebol africano. Essas diferenças impactam diretamente na forma de treinar, competir e se relacionar. O processo de adaptação humana e cultural pode ser tão ou até mais importante do que qualquer característica técnica — e ignorá-lo pode comprometer o desempenho de um jogador em campo.

Por isso, compreender o contexto em todas as dimensões — tática, cultural, emocional e humana — é o que realmente diferencia quem apenas observa de quem entende o jogo e as pessoas que o compõem.

Para encerrar, gostaria de lembrar de   uma frase que ouvi algum tempo atrás do amigo Renato Rodrigues, hoje comentarista da TNT a quem tenho bastante respeito e admiração:

“Não existe jogador ruim, existe jogador no lugar e no contexto errado.”

Essa frase sempre fez muito sentido pra mim. E, ao observar a diversidade de profissionais e atletas presentes no Mundial, ela se mostrou novamente atual e verdadeira.

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SUPERVISÃO DE FUTEBOL: UMA PERSPECTIVA SISTÊMICA DE FORMAÇÃO HUMANA

Por: Caio Rizek

Com grande alegria e senso de responsabilidade, inicio aqui minha contribuição com a Universidade do Futebol — espaço que há anos me inspira e agora me acolhe como autor convidado.

Este é o primeiro de uma série de artigos que pretendo desenvolver com profundidade e propósito. Meu objetivo é olhar para a supervisão no futebol de base sob uma perspectiva mais ampla, que vá além da logística e da operação do jogo. Mais do que relatar rotinas operacionais ou desafios logísticos — que, claro, fazem parte da função —, o que me move é o desejo de tratar a supervisão sob uma ótica educacional, relacional e formativa, centrada na formação integral de crianças e jovens atletas. Quero propor reflexões sobre o papel do supervisor como educador, articulador de vínculos e agente de formação integral.

Supervisionar, para mim, é muito mais do que coordenar escalas, organizar viagens ou representar o clube em jogos. É cuidar de vínculos, criar segurança emocional, garantir coerência institucional e contribuir, com escuta e sensibilidade, para a formação de jovens em desenvolvimento. É entender que, antes de serem atletas, são pessoas — com histórias, sonhos e vulnerabilidades.

Minha trajetória é multifacetada: transita entre o Direito, a Educação Física e a Gestão. Sou graduado nas duas primeiras áreas, advogado, professor, e atualmente curso o MBA Executivo em Liderança e Gestão pela USP/ESALQ. Tenho especializações em Direito Constitucional, Direito Administrativo e recentemente iniciei uma pós-graduação em Advocacia Desportiva. Busquei, ao longo dos anos, complementar essa base com cursos promovidos por instituições como a Universidade do Futebol, CBF Academy, FPF Academia, FGV, CONMEBOL e o Comitê Olímpico Brasileiro, nas áreas de gestão, análise de desempenho, coordenação metodológica, pedagogia e logística esportiva.

Destaco aqui, com carinho especial, o curso Princípios para Ensinar Bem o Futebol, da Universidade do Futebol, que foi para mim uma verdadeira virada de chave — abriu caminhos para uma compreensão mais profunda do futebol como ferramenta de formação humana e transformação social.

Atuo como Supervisor de Futebol de Base no São Paulo FC, com responsabilidades que envolvem organização de treinos, jogos e viagens nacionais e internacionais, registro e credenciamento de atletas, representação institucional, análise de regulamentos, controle de minutagem e comunicação com atletas e famílias. Mais do que tarefas técnicas, enxergo nessas funções uma oportunidade de educar, mediar e fortalecer a identidade do clube.

Minha experiência como professor de Educação Física e auxiliar técnico nas categorias sub-09 a sub-14 me ensinou a lidar com as infâncias e juventudes no campo, na quadra, no vestiário e fora deles. Acredito que a supervisão deve garantir que o ambiente formativo seja ético, seguro, empático e inspirador.

Neste contexto, enxergo que a função do supervisor transcende a logística, sendo também educador, mediador e referência institucional.

Meu compromisso com esta série de artigos é justamente esse: contribuir com o debate, provocar reflexões e compartilhar práticas que têm colaborado para um futebol de base mais humano, mais pedagógico e mais coerente com sua missão social.

Convido você, leitor, a caminhar junto comigo nessa construção coletiva. Que este seja um espaço de diálogo, aprendizado e transformação.

Muito obrigado pela confiança e pela escuta. Seguimos juntos.

Caio Rizek

Supervisor de Futebol | São Paulo FC

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Psicologia positiva no futebol: uma nova visão de desempenho

Por: Maurício Rech

A Psicologia Positiva é uma área relativamente recente dentro do campo da psicologia e da saúde mental, focada no estudo científico das forças e virtudes que contribuem para o desenvolvimento humano. Enquanto a psicologia tradicional tem como objetivo principal o tratamento de transtornos mentais e a redução do sofrimento humano, a Psicologia Positiva busca compreender o que torna a vida significativa e satisfatória. Ao invés de se limitar a resolver problemas, esse campo de estudo promove o desenvolvimento de potencialidades e a construção de uma vida equilibrada e produtiva.

É importante destacar que a Psicologia Positiva não é uma ideia romântica ou ingênua de acreditar que “está sempre tudo bem”, mas sim uma área científica comprometida em encontrar maneiras funcionais de lidar com situações emocionais difíceis. É um caminho que busca focar na solução e não no problema, de compreender e enfrentar desafios em vez de fugir deles ou culpar os outros, e de olhar para as emoções internas como um caminho para lidar melhor com os desafios externos. Apresenta-se como uma área de estudo que atenta para o ser humano com uma visão sistêmica e propõe-se a otimizar sua atuação dentro de seus diversos papeis sociais, tanto profissionais quanto pessoais. A Psicologia Positiva e a psicologia tradicional são complementares, uma não substitui o trabalho clínico da outra, mas aqui falaremos daquela que tem como foco a ampliação da compreensão sobre como potencializar e promover o bem-estar em indivíduos e grupos.

No contexto esportivo, em especial no futebol, os treinadores desempenham um papel central no desenvolvimento técnico e emocional de seus atletas. Incorporar princípios da Psicologia Positiva à formação dos treinadores pode ser um diferencial significativo para alcançar maiores níveis de saúde mental e, consequentemente, melhor desempenho. Isso envolve capacitá-los a identificar e potencializar pontos fortes dos jogadores, incentivar a mentalidade de crescimento e criar um ambiente propício ao engajamento e à colaboração. Em situações de vitórias, por exemplo, o treinador pode utilizar momentos específicos para reforçar emoções agradáveis e o senso de competência e resiliência do time, destacando o trabalho em equipe e os esforços individuais que contribuíram para o sucesso. Esse tipo de abordagem não ignora as dificuldades enfrentadas, mas utiliza área emocional para fortalecer a capacidade do grupo de lidar com futuros desafios. Por outro lado, em derrotas, a Psicologia Positiva oferece elementos e técnicas fundamentadas que ajudam os atletas a enfrentar a frustração de maneira funcional, transformando erros em oportunidades de aprendizado. Nesse processo, o foco deixa de ser atribuir culpa ou negar o ocorrido, e passa a ser compreender e superar o desafio. Capacitar treinadores também envolve o desenvolvimento de habilidades de comunicação empática e liderança positiva, fundamentais para criar relações de confiança e respeito com os atletas. Um treinador e corpo técnico que compreende e aplica esses conceitos pode inspirar não apenas um melhor desempenho em campo, mas também um crescimento pessoal em seus jogadores.

Os atletas, especialmente em esportes de alto rendimento como o futebol, enfrentam diversas formas de pressão constante, não apenas por resultados em campo, mas decorrentes de adaptações contínuas em viagens durante as competições e transferências de clubes, além de questões culturais e distanciamento da família. A aplicação da Psicologia Positiva no dia a dia pode transformar a forma como eles lidam com essas demandas. Práticas como o fortalecimento do otimismo, o cultivo de gratidão e a definição de metas claras e alcançáveis podem melhorar não apenas o desempenho esportivo, mas também o bem-estar geral dos jogadores. Elas não eliminam as dificuldades existentes, mas ajudam os atletas a desenvolverem uma perspectiva mais equilibrada e funcional sobre as adversidades. O treinamento mental baseado em princípios e elementos da Psicologia Positiva pode incluir programas de psicoeducação e de capacitação focados em identificar forças pessoais, criar planos de superação para desafios específicos e fortalecer o senso de propósito dos atletas. Técnicas como a atenção plena e meditação são cientificamente comprovadas como úteis para melhorar o foco, reduzir os efeitos do estresse e favorecer a neuroplasticidade.

Ao promover a autoconfiança e a coesão de grupo, a Psicologia Positiva apresenta-se como potente caminho para influenciar diretamente os resultados no campo. Trabalhar com uma equipe que treina em um ambiente positivo e encorajador tende a apresentar maior comprometimento, menos erros associados ao estresse e maior capacidade de recuperação após derrotas. Em longo prazo, essa mentalidade e forma de desenvolvimento psicossocial contribui para a formação de atletas mais completos, resilientes e motivados. Além de resultados esportivos, o impacto positivo se estende à vida fora dos gramados, respeitando a integridade do ser humano atleta.

Nesse sentido, investir na capacitação de treinadores e na implementação de princípios da Psicologia Positiva no cotidiano dos clubes de futebol é um passo estratégico para transformar a experiência esportiva em uma oportunidade de crescimento pessoal e coletivo. Ao longo dos anos trabalhei com centenas e centenas de atletas, de base e profissionais, assim como treinadores e comissões técnicas, e, seguramente, a falta de conhecimento e de atenção aos quesitos saúde mental e inteligência emocional desviaram muitos de uma trajetória de sucesso. Se antes não havia fundamento científico para entender causas e apresentar soluções para esta área, atualmente já temos muita informação e material embasado. Portanto, hoje, mais do que buscar vitórias em campo, é essencial criar condições para que atletas e equipes se fortaleçam e floresçam de forma integral!

Artigo originalmente escrito e cedido a Universidade do Futebol pela Revista Futebol Estudado, no seguinte endereço: https://www.revistafutebolestudado.com