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Questão de ética

Faz muito tempo que a palavra ética deixou de figurar em nosso cotidiano. Assolado pela crise política de mensalões, conchavos e desvios de verbas, o Brasil assiste hoje a uma enxurrada de condutas moralmente questionáveis que não chegam a ser sequer discutidas como algo fora da normalidade.
 
A saída de Christian do Corinthians é um desses casos. O jogador foi contratado no início do ano, era o artilheiro do time, sensação de um início pífio do Campeonato Paulista. Havia encontrado finalmente seu espaço na equipe de Emerson Leão e caminhava para finalmente se afirmar no futebol de São Paulo.
 
De uma hora para outra, Christian rasgou a camisa corintiana e voltou a vestir o vermelho do Internacional, clube onde despontou para o futebol brasileiro. Tal qual nossos políticos trocam de partido conforme a nota cintila mais alta, o atacante corintiano virou colorado da noite para o dia.
 
E o compromisso assumido no início do ano com o Corinthians? E a lisura no tratamento entre os clubes? E o respeito aos torcedores do clube?
 
Ninguém chegou a questionar nada disso. O Inter pagou ao Corinthians, então Christian está livre para fazer o que quiser. Esse foi o resumo da ópera. Para o alvinegro, foram R$ 500 mil entrando no clube de uma hora para outra. Para o Inter, um esforço necessário após a lesão de Fernandão e a saída de Rentería.
 
E o torcedor continua com cara de tacho. Vendo o seu novo ídolo tornar-se uma espécie de amor de verão, sem qualquer compromisso com a vida do dia-a-dia.
 
Em casos como esse que voltamos a perceber na necessidade de se criar um código de ética para o futebol brasileiro. Nele, temos de discutir o papel de clubes, jogadores e imprensa no exercício de suas profissões. Mas, se nem quem tem de dar o exemplo se presta a isso, fica difícil achar que casos como o de Christian possam afetar alguma ética de nosso futebol.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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A eleição de Platini e as conseqüências para o futebol brasileiro

Enquanto a Conmebol discute se deve ou não permitir que dois times de um mesmo país se enfrentem nas finais da Copa Libertadores, a Uefa se preocupa em adequar a nova política de democratização do poder do recém-eleito presidente Michael Platini às demandas do mercado, que eventualmente acabarão afetando todo o mundo do futebol.
 
A diferença entre essas duas preocupações dá mais ou menos o tamanho da distância evolutiva entre as duas confederações em questão.
 
Há tempos, a governança do futebol europeu vem sendo colocada em cheque devido ao constante crescimento do poder comercial dos principais clubes e ligas do continente. Um dos sinais mais claros do confronto entre a governança interna (Fifa, Uefa e demais federações) e a governança externa (clubes, ligas, investidores e Estados) do futebol europeu foi o surgimento da atual Champions League, uma remodelagem da antiga European Cup. O atual formato da principal competição interclubes da Europa favorece claramente os clubes e ligas com maior poderio econômico, e surgiu depois da ameaça de rompimento protagonizada pelos maiores clubes europeus, que planejavam migrar para uma liga fechada organizada pelo grupo Mediaset, do famoso e tão falado Silvio Berlusconi.
 
A partir do momento em que esse rompimento foi manifestado, a Uefa percebeu que já não dava mais pra governar o futebol do mesmo jeito de sempre. Era preciso dar mais espaço a quem possuía mais dinheiro, ainda que esse espaço fosse bem, bem pequeno. Dessa forma, mudou a competição e passou a adotar uma visão mais capitalista de governar.
 
Essa foi a fórmula achada por Lennart Johansson para agradar tanto os donos do dinheiro (os clubes) quanto os donos dos votos (as federações). Presidente da entidade desde 1990, Johansson assumiu a rédea do futebol europeu justamente no período em que o esporte começou a passar por sua maior transformação comercial, deixando de ser apenas um ambiente em que se envolviam interesses primordialmente esportivos para se tornar um ambiente em que se envolvem interesses primordialmente comerciais.
 
Durante os 17 anos da Era Johansson, o futebol europeu cresceu – e muito. Cresceu tanto que a própria União Européia começou a achar que estava na hora de começar a regulamentar o clima de faroeste que predomina dentro do ambiente futebolístico. O mercado, de um modo geral, ficou feliz, porque é muito melhor investir num lugar estável do que num instável. Óbvio. O Brasil que o diga. A Fifa, entretanto, nunca gostou da intromissão de outros poderes naquilo que ela considera seu feudo. E começou a prestar bastante atenção no caminhar da Uefa, até a hora em que achou que as coisas estavam começando a fugir do controle e decidiu bancar o seu próprio candidato. E ganhou.
 
Platini assume a Uefa nas mesmas condições que Havelange e Blatter assumiram a Fifa, com a retórica da justiça e da sustentabilidade do futebol. Discurso rejeitado pelos donos do capital, mas fácil de ser assumido por federações menores, que – dentro do sistema democrático de eleição da Fifa e da Uefa – são quem realmente possuem o poder decisório. Só por isso que você ouve tanto falar de Jack Warner, presidente da Concacaf, que comercialmente representa pouco no mundo do futebol, mas que na verdade controla quase trinta por cento dos votos no colegiado da Fifa.
 
Mantendo a política de atender ao voto da maioria, o ex-jogador francês declarou que pretende tornar o futebol europeu mais justo para todos. Um dos carros chefes da sua campanha é justamente mexer na estrutura da Champions League, aumentando e redistribuindo o número de vagas para a competição, tornando-a mais acessível para países com menor poder aquisitivo, justamente aqueles que o elegeram. Além disso, Platini pretende implementar o sistema 6+5 sugerido pelo próprio Blatter, em que todos os times precisarão contar com, no mínimo, seis dos onze jogadores em campo formados em casa.
 
Se isso vai dar certo ou não, não sou eu quem vai dizer. Mas o que dá pra tentar prever são os efeitos disso para a indústria do futebol brasileiro.
 
Não existe mais como dizer que o futebol brasileiro não depende do futebol europeu. Depende, e muito. E a dependência é baseada essencialmente na exportação de jogadores. Isso é fato consolidado e não há muito que ser feito, pelo menos por enquanto.
 
A democratização platiniana implica na abertura de novos mercados para os jogadores. Países com pouca tradição precisarão construir times minimamente competitivos para a disputa continental. Obviamente que eles não conseguirão formar em casa um time inteiro de jogadores em um curto período de tempo. Nem um time, nem seis jogadores, como quer a nova política. Dessa forma, faz sentido que eles passem a importar mão de obra que seja boa e barata. E isso pode ser entendido como jogadores africanos ou sul-americanos. Como a África não ganhou nenhuma Copa ainda, a preferência tenderá a ser para brasileiros e argentinos. E como a regra dos jogadores formados em casa se baseia essencialmente na idade, e não no local de nascimento dos atletas, é possível que as novas regras da Uefa acentuem a exportação de jogadores brasileiros mais jovens, destinados a mercados menos explorados. Mercados mais batidos, como o espanhol e o italiano, podem eventualmente fechar algumas das portas, mas nada que não possa ser compensado na outra ponta.
 
É difícil prever exatamente os efeitos concretos dessa nova política democrática da Uefa. Aliás, é difícil prever até se a retórica de Platini vai surtir de fato algum efeito. É bem provável que ele esteja subestimando o poder da governança externa do futebol europeu ao protestar tão efusivamente contra a crescente comercialização do jogo bretão. Mas, de qualquer maneira, é certo que algumas coisas serão alteradas.
 
E tudo isso mexe, e muito, com o atual formato da indústria do futebol brasileiro. Mais do que, inclusive, qualquer discussão a respeito do formato das semifinais da Copa Libertadores.
 
As decisões da Uefa, enfim, influenciam o futebol brasileiro muito mais do que qualquer idéia leviana e política da Conmebol. Platini influencia mais do que Leóz.
Mas também, o que esperar de qualquer organização que tenha um presidente vitalício?
 
Perguntarei ao Chávez.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br