DICA! – Para melhor compreensão e aproveitamento desse texto, retome os conceitos “Estruturação do Espaço de Jogo”; “Comunicação na Ação” e “Relação com a Bola” discutidos na 2ª parte.
A orientação das dinâmicas de uma partida de futebol a partir de uma plataforma de jogo é norteada por uma estrutura sistêmica maior; a lógica do jogo.
A boa comunicação na ação (de jogadores e equipe) é dependente da maior ou menor compreensão das dinâmicas proporcionadas pela plataforma de jogo. Então o nível de entendimento dos jogadores sobre essa variável (compreensão das dinâmicas) será fator determinante para a comunicação na ação mais eficiente. Um ponto facilitador para que isso seja alcançado é propiciar ao grupo de jogadores a serem trabalhados, dinâmicas que estejam de acordo com o nível (a zona) de desenvolvimento dos mesmos. Sendo assim, dinâmicas mais complexas e elaboradas só serão justificáveis se o nível de desenvolvimento da equipe permitir. Caso contrário, progride-se gradualmente (atingindo-se novas zonas de desenvolvimento), trabalhando com o que é adequado a cada fase dessa progressão.
Se quanto mais simples a orientação das dinâmicas a partir de uma plataforma, mais fácil o entendimento, cabe aqui uma questão de grande importância: a plataforma de jogo pode determinar o nível dessa “simplicidade”?
Muitos de nós, talvez seduzidos pelos argumentos da 1ª e 2ª partes do texto acreditemos que sim. Mas o fato é que se o jogo de futebol possui sua lógica (a lógica do jogo), e esta orienta as dinâmicas da plataforma de jogo, torna-se aceitável pensar que de acordo com essa “orientação” uma plataforma como o 4-3-3 pode ter uma dinâmica tática e estratégica densa ou não, difícil ou não, complicada ou não dependendo de como essas dinâmicas são elaboradas e concebidas.
Então o problema não é se essa ou aquela plataforma possui orientações e dinâmicas mais simples, mas sim qual delas (as plataformas) possibilita dinâmicas e orientações mais simples. Isso quer dizer que a menor complexidade organizacional não está na plataforma, mas sim nas estruturas, táticas e estratégias que são criadas a partir dela. Porém é possível que haja uma plataforma que permita, de início, o desenvolvimento de estruturas, táticas e estratégias mais simples.
Voltamos daí, a competência “estruturação do espaço de jogo”. Aparentemente a melhor estruturação do espaço, pode levar a composição de uma dinâmica menos complexa, o que poderia contribuir para melhor entendimento do jogo, que, em última instância possibilitaria melhor comunicação na ação.
Tanto a comunicação na ação quanto a estruturação do espaço de jogo podem contribuir para o melhor desenvolvimento da relação com a bola (pois serão balizadores dessa relação); tanto a comunicação na ação quanto a relação com a bola estão necessariamente atreladas ao nível de desenvolvimento para entender e jogar o jogo.
Então, parece ser a estruturação do espaço de jogo, a variável mais “manipulável” (dentro de nossa discussão) para possibilitar menor complexidade de construção de dinâmicas, sem perder de vista o bom equilíbrio e a boa performance de jogo.
Voltamos então ao 4-4-2 e ao 4-3-3 (mais comuns que os seus familiares de “linha”: 4-2-4, 2-4-4, 3-4-3, 3-3-4). Ambos, possuem boa distribuição porque minimizam o número de quadrantes vazios (vide figura).
No 4-4-2, quadrantes vazios que se agrupam horizontalmente. No 4-3-3, quadrantes vazios que se agrupam verticalmente. Para o sistema defensivo melhor se os vazios forem os horizontais (na linha de ataque).
Se levarmos em conta que na lógica da divisão das linhas, o 4-3-3 parece mais equilibrado (melhor distribuição por linhas) e que a menor complexidade da dinâmica de jogo precisa estar atrelada aos sistemas ofensivo, defensivo e de transição ao mesmo tempo; na “média” os quadrantes verticais vazios são mais satisfatórios (ao mesmo tempo) para ataque, defesa e transição do que os quadrantes horizontais vazios da linha de ataque.
Então, em tese, a melhor resposta para a pergunta que iniciou esse texto (qual plataforma de jogo parece mais simples, prática e equilibrada para se assimilar, dentro das dinâmicas da lógica do jogo?) é a de que o 4-3-3 é a plataforma mais equilibrada; não a mais simples, mas a que possibilita dinâmicas menos complexas, e portanto pode ser mais prática para assimilação.
Obviamente que estamos analisando o jogo de dentro para fora; da sua lógica para a sua construção (porque por exemplo, em um país em que culturalmente esteja enraizado o 3-5-2, certamente será mais fácil e prático (porém não menos complexo) partir dessa plataforma, e não do 4-3-3).
Então, nada melhor do que dar significado aquilo que se ensina, se treina e se desenvolve. E sobre o jogo, olhando de dentro dele; nada melhor do que compreender a sua lógica…
Para refletir:
O jogador de futebol precisa aprender a ler o jogo taticamente. Aprender! Uma das atribuições do treinador de futebol é facilitar e potencializar esse aprendizado.
Apreciemos um trecho de um texto (texto que transcende o futebol) do professor João Batista Freire sobre algumas descobertas do pesquisador russo Vygotsky.
“Para Vygotsky, a aprendizagem é fator de desenvolvimento. Nessa linha, a escola não tem que esperar pelo desenvolvimento para ensinar seus conteúdos para os alunos. Aquele pesquisador russo afirmava que a escola não existe para ensinar as crianças no nível de conhecimento em que estão, mas sim, no que ele chamou de próximo nível de desenvolvimento. Ou melhor, se a criança tem um certo nível de conhecimento, por exemplo, em pular corda, o que deve ser ensinado a ela é o próximo nível desse pular corda. Ao nível atual de conhecime
nto Vygotsky chamou de nível A; ao próximo de B. A zona entre A e B, é a zona onde deve atuar a escola. Ou seja, B é o nível superior a A, mas que inclui A. É o nível em que a atuação da criança torna-se momentaneamente insegura, indecisa, com erros eventuais, mas na direção dos êxitos”.
nto Vygotsky chamou de nível A; ao próximo de B. A zona entre A e B, é a zona onde deve atuar a escola. Ou seja, B é o nível superior a A, mas que inclui A. É o nível em que a atuação da criança torna-se momentaneamente insegura, indecisa, com erros eventuais, mas na direção dos êxitos”.
Esses conceitos não se aplicam somente as crianças; se aplicam aos seres humanos; se aplicam aos jogadores de futebol. “Se o jogador de futebol e sua equipe têm um certo nível de conhecimento sobre jogar futebol (taticamente e tecnicamente), o que deve ser ensinado-desenvolvido-trabalhado com eles é o próximo nível desse jogar futebol”. Sobre esse aspecto temos um exemplo no treinador português José Mourinho. Após conquista da Taça da UEFA, pela equipe do Porto, resolveu estruturar um “próximo nível de jogo” a sua equipe. Já tendo consolidado ao longo da temporada o 4-3-3, resolveu implementar novas lógicas dentro do jogo a partir do 4-4-2 (forma de jogar que o treinador considera “mais desequilibrada, embora igualmente eficiente, e que como tal, necessita de maior concentração”). Então, ao treinador-professor cabe estruturar seu plano de ação, encorpado em todas as questões que julga importante no seu “projeto de treinamento”.
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br