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Na onda da Copa

Este ano concluí na Suíça um programa de pós-graduação promovido pela Fifa, denominado Fifa Master. Dentre diversas atividades extremamente proveitosas, desenvolvi um projeto acadêmico de pesquisa que analisou os impactos da Copa do Mundo de 2010 na liga de futebol sul-africana.
 
A grande relevância desse trabalho, em nosso dia-a-dia, é que as Copas de 2010 e de 2014, que provavelmente será realizada no Brasil, têm muito em comum. Digo que a Copa de 2014 provavelmente será aqui, uma vez que o Brasil ainda pode perdê-la, caso não cumpra tudo aquilo prometido pela CBF.
 
E, cá entre nós, é melhor não ser escolhido, do que, uma vez escolhido, ser substituído por falta de recursos.
 
Enfim, naquele trabalho realizado, identificamos uma série de impactos sobre a liga de futebol que já estão ocorrendo antes mesmo da Copa de 2010. Dentre eles, podemos citar:
 
(i)           Os direitos de televisão da liga nacional foram renegociados, com valores inéditos;
(ii)          Clubes de menor porte estão sendo adquiridos e novos patrocínios sendo assinados, por pessoas (físicas e jurídicas) que antes não investiam em futebol;
(iii)         O CEO da liga foi substituído, dando a ela um caráter muito mais profissional;
(iv)         Novos conceitos de gerenciamento e administração da liga estão sendo implementados;
(v)          O nível do futebol local aumentou (basta ver os números de gols, etc), uma vez que os seus jogadores estão querendo “mostrar serviço” ao nosso Parreira, atual técnico da seleção sul-africana, conhecida como “bafana bafana”.
 
Importante para nós brasileiros, e, em especial à CBF, ficarmos atentos a esses impactos, bem como as providências que a liga sul-africana está tomando, para que possamos adotar por aqui uma estratégia que, finalmente, coloque o nível do nosso futebol local à altura que merecemos.
 
Não podemos mais admitir casos como a tragédia da Fonte Nova. Se não formos diligentes com essas questões, a saída para problemas como esse será apenas a reforma dos principais estádios que serão utilizados para a Copa de 2014, sendo que os outros milhares de estádios que possuímos ainda estarão nas mãos de Deus para que outra tragédia não ocorra.
 
A CBF precisa aproveitar a Copa do Mundo não só para mostrar que é capaz de organizar um evento dessa magnitude ou, em outras palavras, para “inglês ver”. Ela precisa sim utilizar esse momento espetacular que a Copa traz para efetivamente fazer uma competição, em todos os seus níveis, organizada e com clubes estruturados.
 
Uma excelente medida, que já foi implementada na Europa e que está sendo estudada na África do Sul, é o estabelecimento de um regime de licenciamento de clubes. Para quem não está familiarizado com esse sistema, as ligas européias editaram regras uniformes e rigorosas para que o clube possa se habilitar a participar da competição. As regras vão desde aspectos de segurança no estádio até critérios específicos para organização interna de diretores e investidores dos clubes.
 
A CBF deveria implementar uma cartilha dessa natureza, porém realista ao cenário brasileiro, para que os clubes pudessem participar das ligas em que se encontram.
 
Os clubes de primeira divisão, por exemplo, não poderiam apresentar estádios precários para mando de seus jogos. Assim, a Fonte Nova nunca seria liberada para utilização em jogos oficiais.
 
Devemos mencionar aqui que o sistema de licenciamento ainda é bastante discutido na Europa e questionado por clubes de menor expressão, que dificilmente conseguem se adequar a todos os requisitos. Se de um lado isso traz alguns problemas para esses clubes, por outro obriga os demais clubes a atingirem excelência no trato com seus torcedores, imprensa, investidores, times adversários, etc.
 
Essa é apenas uma das ferramentas que a CBF poderia aproveitar do impacto trazido pela copa do mundo. Mas outras tantas podem ser aproveitadas caso haja vontade e seriedade de seus dirigentes.
 
A Copa do Mundo deve ser bem organizada, não resta dúvidas, a Fifa cobrará a CBF por isso. Porém, a CBF deve olhar também às possibilidades que possam levar o nosso futebol interno a uma reforma benéfica e sustentável em prol de todos os brasileiros. É para isso que vale a pena utilizar verba pública para melhoria dos estádios. Caso contrário, será mais uma oportunidade perdida.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br