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Qual vai ser?

Você que acompanha minha coluna já deve ter percebido que não sou das pessoas mais otimistas com relação ao futuro do futebol brasileiro. Quer dizer, o futebol não vai desaparecer do Brasil nem nada disso, mas do jeito que ele está, o futuro para as instituições que o compõem atualmente não é dos mais otimistas. Há esperanças, porém.
 
Escrevo esta coluna porque andam me cobrando regularmente que eu sou uma espécie de profeta do apocalipse, que só vejo desgraça para todo o lado e que ignoro as coisas boas. E, realmente, existem coisas boas no futebol brasileiro atual, e alguns movimentos indicam que as coisas podem mudar para melhor. Falemos sobre cinco desses movimentos:
 
– A crescente independência econômica do mercado em relação ao Estado pode gerar bons frutos para o futebol. Na medida em que o capital privado se fortalece, as instituições privadas no Brasil podem perceber algum possível valor no futebol local e passar a agir de forma a criar condições mais propícias para os investimentos, e com isso gerar mais receita para o futebol nacional. Não obstante, os clubes também passam a se comportar de maneira mais adequada às regras do mercado, adotando práticas mais racionais e sustentáveis.
 
– A economia do Brasil também vai se dando bem e começando a assumir certo destaque no ambiente internacional. Com isso, os consumidores passam a ser mais bem tratados, e isso obviamente possui reflexos no futebol. Na medida em que a desigualdade econômica vai lentamente sendo reduzida, mais pessoas entram na faixa de consumo do mercado, o que aumenta significativamente o público que pode pagar pelo futebol.
 
– Aos poucos, os clubes vão ficando mais transparentes, o que permite que as práticas escusas sejam reduzidas aos poucos. Adicionando a isso uma aparente maior fiscalização dos órgãos públicos, principalmente o MP e a PF, os clubes de futebol deixam de ser um antro para negociatas que acabam favorecendo poucos em detrimento aos muitos. Além do mais, a redução da corrupção dentro dos clubes permite que o dinheiro do futebol permaneça no mercado do futebol, o que é obviamente muito bom para a indústria.
 
– A Timemania dá um fôlego para os clubes poderem se movimentar financeiramente e traçar um planejamento mais desenvolvido para os próximos anos. Além disso, ela atrela o cumprimento de normas específicas ao montante de dinheiro disponibilizado, o que eventualmente cria um cenário de desenvolvimento responsável.
 
– A Copa de 2014 pode dar um ânimo para o mercado de um modo geral, principalmente no que tange ao desenvolvimento de novos estádios para os clubes do país inteiro.
 
Bacana, não? Realmente, o cenário parece bastante favorável. E, de um modo geral, as pessoas tendem a considerar esses fenômenos e acreditar que não tem como as coisas não darem certo. Entretanto, esses cenários otimistas são aparentemente superficiais e trazem consigo certas profundidades não tão favoráveis, mas que passam longe dos olhos das análises mais rasas. Ei-las:
 
– Estudos dizem que o efeito da Copa do Mundo na média de público no principal campeonato do país que a hospeda é superestimado. Em geral, uma Copa do Mundo aumenta o público nos estádios em apenas 10%, e esse efeito tem duração de apenas cinco anos. Depois desse período, as coisas voltam como eram antes. Baseando-se nisso, quem investir em estádio novo achando que a média de público do Brasileirão irá para 40 mil torcedores por jogo vai perder dinheiro. Tanto dinheiro que acabará quebrando.
 
– O processo de reestruturação financeira dos clubes não pode ser pensado apenas com base na Timemania. Ela é uma pequena gota num imenso oceano. Além disso, a tendência é que quanto mais dinheiro os clubes de futebol têm, mais eles gastam com salários de jogadores. Possivelmente, quem mais ganhará com a loteria serão os atletas.
 
– É possível que alguns clubes só consigam se manter hoje porque são corruptos e não respeitam as leis e muito menos o mercado. Na medida em que os clubes são forçados a assumirem o seu real tamanho, talvez eles percebam que são muito menores do que imaginam. Na medida em que o futebol brasileiro se torna mais racional, mais jogadores ele passará a vender. Percebendo o imenso valor existente no mercado de transferência de jogadores, os próprios clubes começam a priorizar seus fundos de investimento em detrimento à performance em campo. E não há sinais ainda de que a demanda por jogadores brasileiros irá diminuir. Em uma recente entrevista ao jornal inglês Financial Times, uma das mais respeitadas publicações mundiais – se não a mais -, o invejado presidente do Lyon, Jean-Michel Aulas, afirmou que uma das receitas para o sucesso técnico e financeiro de qualquer clube europeu é comprar jogadores brasileiros. E na medida em que o mercado de transferência ganha importância inclusive para os grandes clubes de futebol no Brasil, menos atenção receberão os torcedores.
 
– Quanto mais o país assume a condição de ter uma economia mais desenvolvida, mais as pessoas poderão consumir. Quanto mais as pessoas consumirem, mais integradas elas estarão aos processos de globalização e mais atenção elas despertarão das instituições internacionais. Isso, obviamente, reflete no futebol. O mercado europeu ainda não abriu o olho para o consumidor de futebol brasileiro, pelo menos não no nível que o faz com os mercados asiáticos e norte-americanos. Quando perceber que existem pessoas com dinheiro para gastar e que essas pessoas querem consumir futebol, as grandes marcas globais entrarão de sola no mercado nacional, vendendo todo o tipo de produto e promovendo jogos amistosos e pré-temporadas em solo nacional. E quando isso acontecer, é possível que os grandes consumidores brasileiros, integrados ao mercado global, lancem mão dos seus gostos locais e troquem pelos costumes cosmopolitas. E cosmopolita que é cosmopolita não torce pra clube local.
 
Existem diversas razões para ser otimista com relação ao futuro do futebol do Brasil. Mas quanto mais o tempo passa, existem mais razões ainda para ser pessimista. Você que escolhe.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br