Uma das minhas primeiras contribuições aqui para a Universidade do Futebol foi sobre o caso Charleroi e o seu possível impacto no mundo do futebol. No caso, o Royal Charleroi, um clube belga, levou a Fifa à justiça por conta da contusão de um dos seus principais jogadores, Abdelmajid Oulmers, em um amistoso da seleção marroquina contra Burkina Faso. Devido à contusão, o Charleroi não conseguiu se classificar para a Champions League e acabou deixando de ganhar uma soma considerável de dinheiro. Como alguém tinha que pagar a conta, o Charleroi foi pra justiça.
Sabendo do caso, o G-14 não perdeu tempo e correu pra apoiar o Charleroi, afinal o julgamento seria no mesmo país que revolucionou o mundo do futebol com o Caso Bosman. E se no Caso Bosman o caso se resumia a jogadores querendo mais poder dentro do sistema do futebol, o caso Charleroi fazia o mesmo para os clubes. A idéia por trás do intenso apoio do G-14 ao caso era tirar mais poder da Fifa e outras federações e fazer com que elas passassem a levar os clubes mais em conta. A Fifa estava começando a ganhar muito dinheiro, e os clubes, como legais detentores dos contratos dos jogadores, queriam a sua parte. Queriam dinheiro e poder.
Com as armas em punho, clubes e federações foram à luta. Uma longa e complicada luta. Oulmers se machucou em novembro de 2004. Três anos e dois meses depois, soou o gongo final. E ninguém sabe direito quem ganhou.
Anteontem, Fifa, Uefa e os principais clubes da Europa por fim chegaram a um acordo, ainda a ser consolidado, que basicamente acarreta na dissolução do G-14 e na fundação de um novo órgão de governança, chamado de Associação Européia de Clubes (European Club Association), que será constituído por mais de 100 clubes de todas as 53 associações reconhecidas pela Uefa. A organização será reconhecida tanto pela Fifa quanto pela Uefa, mas funcionará de forma independente.
Teoricamente, é um claro sinal do aumento do poder dos clubes de futebol em relação às federações nacionais e internacionais, o que na verdade pode ser entendido como a racionalização do sistema mercantil dentro do ambiente do futebol. Faz todo o sentido clubes terem o direito de poder se sentar à mesa junto com os órgãos governamentais e demandar que parte do bolo seja repartido também com eles.
Entretanto, uma das grandes ameaças do G-14 ao sistema atual era a criação de uma liga européia de clubes independentes, o que certamente alteraria todo o cenário atual e possivelmente enfraqueceria os órgãos reguladores. Com o acordo a ser selado, essa possibilidade praticamente deixa de existir, uma vez que o novo órgão dificilmente manterá a coesão e solidez do G-14, além de aparentemente se tratar de uma ação amigável entre todas as partes.
A independência dos maiores clubes europeus era a maior ameaça que existia para o império global da Fifa, e consequentemente da Uefa. Talvez por isso que Blatter e Platini tenham saído com um sorriso tão grande da reunião e anunciado que “uma coisa muito especial aconteceu”. Alguns analistas dizem que a formação da Associação Européia de Clubes é o acontecimento político mais importante desde a formação da própria Uefa.
Difícil acreditar que o G-14 deixe de exercer o seu poder dentro da nova associação e que clubes menores consigam impedir que clubes maiores acabem tomando decisões que os favoreçam. Além disso, não dá pra ser preciso em afirmar que os clubes vão ganhar ou perder poder com a criação da Associação e com a dissolução do G-14, uma organização cuja capacidade de coesão interna dificilmente poderá ser nivelada pelo novo órgão criado. Pode ser uma jogada da Fifa e pode também ser uma jogada dos clubes. Como os objetivos dos dois lados continuarão conflitantes, é ingenuidade acreditar que as medidas pacificarão os conflitos existentes. O tempo vai dizer quem ganhará a queda de braço.
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