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Licença Tática

Hoje, não no tempo certo para pedir uma licença poética, pedirei uma licença tática. Falarei de futebol, mas não da tática em si. Hoje peço licença para escrever o que primeiro me vier à cabeça.
 
Então, aí vai.
 
“Confio no meu trabalho e sei que a coisa vai funcionar”. A frase é de Wanderley Luxemburgo quando o seu Palmeiras passava por um momento de maiores dificuldades no início do Campeonato Paulista 2008. A equipe palmeirense não vinha bem, as críticas começavam a ganhar espaço, mas lá estava o treinador brasileiro, firme, forte e convicto.
 
No futebol profissional, o medidor de desempenho que “audita” o trabalho de treinadores e comissões técnicas é o resultado do jogo. As vitórias e as derrotas, que são partes do pedaço do iceberg que está exposto fora d’água (a única parte do todo que as pessoas são capazes de ver), acabam sendo os elementos de maior peso no julgamento da competência dos “profissionais da bola”.
 
Não estarei jamais a defender que vitórias e derrotas não devam ser o termômetro mais importante na avaliação do trabalho de um treinador de futebol profissional. Jamais estarei também a acreditar que vitórias e derrotas sejam obras do acaso e que elas não estão atreladas a qualidade do trabalho.
 
 É claro e óbvio que bons trabalhos levarão a grandes resultados. O fato é que no futebol existem dois problemas que estão inter-relacionados e que geram o que eu chamo de ciclo do fim da competência (que faz com que os resultados tenham dificuldade em aparecer).
 
O problema 1 é que no futebol muitas vezes não se dá o tempo necessário para que bons trabalhos possam ser feitos (ou pelo menos é esse o discurso recorrente). O problema 2 é que, como não se sabe por que se ganha e nem por que se perde, facilmente a convicção em um modelo ou caminho a ser seguido desmorona.
Quando isso acontece, busca-se rapidamente mudar de direção – e não sabendo onde se está e para onde se vai, a decisão leva a um recomeço. A cada novo recomeço, menos tempo para mostrar resultado. Como ele (o resultado) não vem, esgota-se o tempo; derrotas e desemprego à vista (e a competência é julgada).
No Palmeiras no Campeonato Paulista 2008 os bons resultados aparentemente começaram a não aparecer. Aí surgiram as críticas. Como Luxemburgo sabia onde estava e onde iria chegar, disse o que queria (foi chamado de prepotente) e apontou para onde seu “barco” iria, e quase como numa profecia disse que o Palmeiras brigaria pela classificação.
 
Profecia? Eu chamaria de planejamento.
 
Planejamento e convicção, aqui, de Luxemburgo. Mas poderia ser também de José Mourinho, Rafa Benitez, Parreira. O que cada um pensa sobre futebol, o quanto cada um conhece sobre o assunto, e qual modelo de jogo preferem certamente se difere e muito (muito mesmo!). Mas em comum está a grande confiança e convicção naquilo que fazem. Parecem inabaláveis; com uma zona de conforto gigante.
 
Zé Ramalho, o cantor brasileiro “voz de trovão” em uma de suas músicas versa: “Oh, eu não sei se eram os antigos que diziam, em seus papiros Papillon já me dizia; que nas torturas toda carne se trai; que normalmente, comumente, fatalmente, felizmente, displicentemente o nervo se contrai; com precisão (..).” (trecho da música Vila do Sossego)
 
Papillon é o nome do personagem de um filme (de mesmo nome) que é preso e condenado a prisão jurando inocência – jura que se desmantela na tortura. O “ambiente futebol” proporciona a vida dos táticos estrategistas treinadores, inúmeros e infindáveis momentos de “tortura”. A pressão pelo resultado, a administração pouco profissional e as derrotas levam a momentos de “auto-traição”, onde as convicções dão lugar as dúvidas, onde a razão tateia a loucura.
 
Óbvio, não basta confiar e ter convicções. É necessário que se tenha conhecimento (muito e cada vez mais). Mas aí está o segredo: o conhecimento pode ser uma das bases que solidificam as convicções, os nortes, os caminhos.
 
Heróis vitoriosos tornam-se em horas vilões fracassados. A linha do tempo é cruel e aqueles que se deslumbram com as vitórias e as ocorrências advindas delas acabam sofrendo de forma incomensurável nas derrotas.
 
No futebol, a vida é assim. Alguns ganham mais, alguns ganham menos e isso não é coincidência. Alguns precisam de mais tempo e outros parecem sempre estar no tempo certo.
 
Porque assim como na arte, no futebol e na vida “há pessoas que transformam o Sol numa simples mancha amarela. Mas há, também, aquelas que fazem de uma simples mancha amarela, o próprio Sol.” (Pablo Picasso)

Para interagir com o colunista: rodrigo@universidadedofutebol.com.br