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O treino psicológico no contexto tático: fragmento ou fractal?

Em belo texto escrito pelo professor Lucas Leonardo, intitulado “O fim da Preparação Física“, ele, o autor, faz uma reflexão interessante sobre a fragmentação do jogo de futebol.

“(…) Para agüentar o jogo, treina-se o físico. Para executar o jogo, treina-se o técnico. Para movimentar-se no jogo, treina-se o tático.”

E questiona: “(…) Para agüentar, executar e movimentar-se no jogo basta treinar o jogo, afinal se é jogo que tenho que agüentar fisicamente, executar tecnicamente e movimentar taticamente, qual seria a melhor ferramenta para isso do que usar do jogo para preparar para o jogo?

E se através do jogo eu serei capaz de agüentar, executar e movimentar uma partida de futebol, os treinos físicos, técnicos e táticos isolados acabam. Treina-se o JOGO.”

Apropriando-me da idéia do autor, adicionaria mais um ingrediente nessa apimentada discussão. O jogo de futebol é jogo, é tático, é técnico, é físico e também mental. E é daí (do “mental”) que podem surgir algumas novas (velhas!) polêmicas.

A psicologia no e do esporte é, de certa forma, bem recente no futebol. Muitas barreiras já foram superadas e diversas discussões já foram realizadas sobre o tema. Avaliações de traço-estado, perfil “a”, “b” ou “c”, abordagem “x” ou “y”, presença ou não do psicólogo em treino, treinador-psicólogo, psicólogo-treinador, “stress-training”, “tracking”, etc e tal.

Interessante que, se sob a perspectiva da preparação física (que já não é tão nova no futebol) a fragmentação e a dificuldade de se compreender a complexidade do todo são enormes, no caso da psicologia (e/ou preparação psicológica) os equívocos têm tomado a mesma direção.

Fractalmente falando, em toda sessão de treinamento a cada dia de trabalho, toda e qualquer atividade elaborada e proposta pelo treinador tem que trazer à carga exigências táticas-técnicas-físicas-mentais, de tal forma que o tático esteja contido no físico, o mental no tático, o técnico no mental e assim sucessivamente a todo o tempo, o tempo todo.

Se a moderna e atual perspectiva das teorias do treinamento desportivo no futebol vêm nos preconizar que “deve-se treinar conforme se deseja jogar” (de tal forma que jogo seja treino e treino seja jogo), não faria (e não faz!) sentido algum desenvolver e treinar em separado (treinamento mental, ou tático, ou físico, ou técnico) aquilo que será exigido em conjunto em jogo formal.

Aí virão os “apegados de Decartes” que dirão “mas estão aí os papers científicos, mostrando que exercícios de mentalização, visualização e etc e tal; que o POMS isso e aquilo podem e são úteis na melhora do desempenho atlético do futebolista”.

Mas não darei espaço. Poderia recorrer a Damásio, Morin, Stewart, Piaget, Prigogine, João Freire, Manuel Sérgio, Medina, Scaglia. Não faltariam conteúdos e argumentos convincentes.

Vou porém sugerir uma reflexão proposta pelo texto “O fim da Preparação Física”, quando o autor aponta que os moldes da preparação física atual surgiram pela ineficiência que os treinos técnico-táticos da década de 50 apresentavam sob a perspectiva de intensidade, densidade e volume de exigências “físicas”.

Como os estímulos dos treinos que eram propostos, sob a perspectiva da dominante “física” (chamada assim por mim, apenas com objetivo didático), não proporcionavam grandes exigências (sobrecarga), também não preparavam o atleta de futebol em sua totalidade.

Desta problemática, duas soluções possíveis:

1)    Redimensionar o treino técnico-tático, para que ele pudesse proporcionar as exigências físicas-técnicas-táticas do jogo; ou
2)    Dar um “treino adicional” que “completasse” as lacunas deixadas pelo treino técnico-tático (decisão errada!).
Como a solução encontrada fora a segunda, estamos aí somando anos e anos caminhado em direção contrária a complexidade do jogo.

Com a psicologia, a mesma coisa.

Como os treinos hoje, em sua maioria, não contêm exigências mentais-táticas-técnicas-físicas ao mesmo tempo (fragmenta-se o treino e o indivíduo), abre-se uma lacuna e com ela a necessidade de se complementar os treinos com “abordagens psicológicas”.

Mais uma vez, problema certo, decisão errada.

Se não compreendermos a complexidade do jogo de futebol, correremos o risco de mais uma vez voltarmos atrás com a história.

Já percebemos que falta algo, que existe um problema a ser solucionado; isso é fato. Mas mais uma vez estamos a atacar os sintomas e não a causa do problema…

Então peço licença para terminar com um trecho de um texto lido pela cantora Ana Carolina (poema “Só de Sacanagem“) em um show com Seu Jorge (e se minhas fontes estiverem corretas, fora escrito por Elisa Lucinda):

” (…) Meu coração tá no escuro. A luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e todos os justos que os precederam. ‘Não roubarás!’, ‘Devolva o lápis do coleguinha’, ‘Esse apontador não é seu, minha filha’. Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar! Até habeas corpus preventiva, coisa da qual nunca tinha visto falar, sobre o qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará! Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear! Mais honesta ainda eu vou ficar! Só de sacanagem!
Dirão: ‘Deixe de ser boba! Desde Cabral que aqui todo mundo rouba!
E eu vou dizer: ‘Não importa! Será esse o meu carnaval! Vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos.’
Vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo, a gente consegue ser livre, ético e o escambal.
Dirão: ‘É inútil! Todo mundo aqui é corrupto desde o primeiro homem que veio de Portugal!’
E eu direi: ‘Não admito! Minha esperança é imortal, ouviram? Imortal!’
Sei que não dá pra mudar o começo, mas, se a gente quizer, vai dar pra mudar o final!”

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br