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Sobre futebol, ídolos e sociedade

O destaque dado pela mídia aos episódios relativos tanto ao mais recente caso amoroso do “Ronaldo Fenômeno” quanto das cenas de guerra civil proporcionada por parte da torcida palmeirense e policiais nas ruas paulistanas logo após o encerramento do jogo da final do campeonato paulista, entrecortadas pela notícia, vinda da Espanha, denunciadora de possível doping do “Ronaldinho Gaúcho”, nos fez retomar texto do contemporâneo professor e filósofo do fenômeno esportivo, o português Manuel Sergio, que por aqui permaneceu bons dois anos, ao final da década de 1980, compartilhando suas reflexões com seus colegas brasileiros, o que continua fazendo até hoje.

 

Àquele seu breve escrito, deu o título, bem ao estilo português, de “Sobre o Futebol: Pensamentos novos, na moda e no modo”. Por maior que seja a tentação de reproduzi-lo na íntegra, nos contentamos em fazer referência a algumas de suas passagens. Vamos a elas:

 

“Raros são os esportistas profissionais que se apercebem do significado do esporte. A profissão, demasiado absorvente e altamente competitiva, não lhes consente a reflexão que descobre o sentido e a significação da sua atividade imediatamente corporal”. 

 

“A grande questão para o futebolista, reside aqui: Por que sou eu um ídolo? Para reproduzir um mundo em agonia ou para ajudar o surgimento de um mundo novo? Tenho eu uma mensagem, sem ambigüidades, para os que me aplaudem e contemplam?”.

 

“Fazer progredir o futebol não tem sentido, se os Homens do Futebol continuam reificados, simplificados, reduzidos a linhas, esquemas, tempos e medidas. Será assim exagerado pretender que um dos problemas maiores, hoje postos à sua reflexão, é justamente o problema da aliança do amor e da técnica, da relação fraterna e da relação funcional, da eficiência e da vivência, da interioridade e da exterioridade, do particular e do universal? Mas não implicará a aliança do amor e da técnica uma real perda de produtividade? Talvez. Mas aquilo que se perde, neste setor, se ganha no sentimento de participação e desalienação, de comunicação e de comunhão, de conhecimento do Homem pelo Homem; Se ganha na qualidade da prática esportiva, na limitação da violência, na libertação daquilo que o Poder massificou, que a tecnocracia manipulou, que o Ter dividiu”.

 

“O futebolista-ator constitui um elemento de verdade e fascinação, desde que reflita servilmente a época em que vivemos, mas sirva, sobretudo, para desmontá-la, desfibra-la e propor a transformação do que nela possa estar errado. Quando será possível a ligação profunda entre a prática do futebol profissional e a libertação do Homem?”

 

“A visão pessimista do nosso futebol não deve fundar-se (…) nos prêmios monetários dos jogos, mas sim na carência de ciência e consciência, em todo o sistema onde o futebol se desenrola. Uma luta egoísta, sem vida sindical constante e lúcida, indiferente ao sofrimento dos antigos ou atuais colegas de profissão, que jazem na miséria, nunca sai vitoriosa, porque é uma forma de autopreservação da injustiça e do erro”…

 

“Profissionais com ordenados exorbitantes e regalias principescas, asseverarem que sofrem penosamente no exercício da sua profissão, é de bom tom. Aristocratiza a dor. O Ter e o Poder revêem-se nela. ‘Os grandes desgraçados são mudos: choram às ocultas'”.

 

Sábias palavras, Manuel Sergio! Tanto pela mensagem que expressa quanto por ter provocado e renovado em nós, brasileiros estudiosos do Esporte, disposição para enfrentarmos o desafio de olharmos para essa prática social de modo a nela podermos identificar traços significativos da história social e política de nosso país.

        

Este é um dos motivos da razão de ser de nosso Observatório do Esporte!

Para interagir com o autor: lino@universidadedofutebol.com.br

*Lino Castellani Filho é Doutor em Educação, docente da Faculdade de Educação Física/Unicamp, pesquisador-líder do “Observatório do Esporte” – Observatório de Políticas de Educação Física, Esporte e Lazer – CNPq/Unicamp, e foi Presidente do CBCE (1999/2003) e Secretário Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer/Ministério do Esporte (2003/06).



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Defender à Zona ou Jogar à Zona?

Toda vez que se discute o tema “Zona” no futebol, na grande maioria (e quase unanimidade) das vezes explora-se o sistema defensivo (ou o “defender-se à zona”).

Zona orientada por linhas horizontais, zona orientada por linhas verticais, zona orientada pelas duas ao mesmo tempo (bi dimensional). De regras de ação mais, ou menos elaboradas, fato mesmo é que o sistema defensivo é o grande polarizador dos debates sobre o assunto.

No Brasil alguns “manuais táticos”, ou pelo raso conteúdo ou pela falha “tradução”, acabam por provocar equívocos associando muitas vezes o marcar por zona à plataforma 1-4-4-2 em linha (duas linhas de quatro jogadores). Em outras palavras é como se marcar à zona significasse sempre organizar a equipe na dita plataforma (e tão somente nela), como se em outras variações do 1-4-4-2 ou em qualquer outra plataforma isso (o marcar à zona) não fosse possível – ou ainda como se, ao optar-se pelo 1-4-4-2 em linha só fosse possível marcar à zona.


Isso obviamente não faz sentido.

A opção pela plataforma de jogo a ser utilizada está fractalmente ligada a todas as variáveis e dimensões do modelo de jogo escolhido. Isso é fato. Porém a escolha desta ou daquela plataforma não está necessariamente condicionada a esta ou aquela orientação defensiva (e vice-versa).

É necessário que se compreenda a interação entre plataforma escolhida e orientação defensiva determinada.

Marcar a zona (linha vertical, horizontal, duas dimensões, etc), individualmente, homem a homem, de forma mista ou de forma híbrida é uma das variáveis do sistema defensivo; não é a única.

O tema “zona” chama a atenção porque apesar de “antigo”, é recente nos fóruns de discussão sobre tática no futebol (especialmente porque vem se destacando a defesa à zona em grandes equipes de alguns países da Europa e já algum tempo em outros jogos desportivos coletivos).

O fato é que por mais que se discuta ainda estamos longe de esgotar o tema.

Existem vários espaços a serem preenchidos.

Um exemplo disso é que ainda falamos do defender à zona, quando deveríamos falar do jogar à zona (ou a “zona” estaria restrita ao sistema defensivo?).

Ainda que a dissociação de defesa, ataque, transição defensiva e transição ofensiva seja mais didática do que concreta, podemos ter orientações e estratégias distintas para as regras de ação de cada um desses quatro momentos do jogo e uma delas possível (das estratégias), é por exemplo, que a organização ofensiva também seja zonal.

Atacar à zona é tão possível quanto o defender à zona e muitos bons treinadores europeus há muito tempo têm se valido disso na organização ofensiva de suas equipes.

Espero que não demore muito tempo para que o tema seja explorado nos fóruns futebolísticos de discussão.

Retomarei e me aprofundarei no tema em outra oportunidade. Por enquanto, que nossas/vossas mentes inquietas digiram o assunto, e que a defesa à zona avance ao ataque em zona e por fim ao “jogar à zona”.

Para interagir com o colunista: rodrigo@universidadedofutebol.com.br