Categorias
Sem categoria

Os festejos de uma nova era

O Internacional completou, no último sábado, 100 anos de fundação. E, pela primeira vez no país, um clube de futebol mostrou que é possível ser feliz e criar muito barulho no ano em que se comemora o seu centenário. Porque, no sábado, o Colorado promoveu a maior celebração “marqueteira” já registrada no futebol nacional, com direito a passeata na avenida em frente ao estádio do Beira-Rio, lançamento de diversos produtos, desfile de moda, etc.

Não há nada de errado em fazer marketing sobre uma data comemorativa. Pelo contrário, é apenas mais um motivo para vender mais, que o digam os dias das Mães, dos Pais, das Crianças, dos Namorados… E foi exatamente isso que o Inter fez. Usou o centenário como motivo para arrecadar mais dinheiro.

Campeão da América e do Mundo em 2006, da Sul-Americana em 2008, o Internacional recebe cerca de cinco vezes menos do seu patrocinador em relação a Palmeiras, e seis vezes menos que São Paulo e Corinthians, para ficar apenas nos times de São Paulo (não por acaso os que mais recebem grana dos seus patrocinadores de camisa).

Do Banrisul, marca estampada em sua camisa há quase dez anos, o Colorado ganha R$ 3 milhões ao ano. Mas como pode o time atual ter craques como Nilmar e D’Alessandro? É nessa hora que a festa do centenário se justifica.

O Inter campeão em 2006 marcou uma quebra de paradigma na relação clube-torcedor. Amparado em seus sócios, o Colorado encheu o Beira-Rio e começou um plano para ter cada vez mais torcedores dispostos a contribuir mensalmente com o clube tendo em troca algumas regalias na compra de ingressos para os jogos.

Regalias porque o plano teve de ser revisado depois que não havia mais espaço no Beira-Rio para garantir a entrada de novos sócios, que então passaram a ter apenas facilidades para a aquisição de bilhetes, quando antes havia a certeza de que o ingresso estaria lá.

Hoje, por mês, os mais de 80 mil associados do Inter contribuem com cerca de R$ 2,5 milhões aos cofres do clube. Ou seja, o torcedor paga, por mês, quase o mesmo que o patrocinador por ano.

Por necessidade, o Inter foi buscar em seu torcedor a principal fonte de receita para o clube. Para convencer esse torcedor a consumir, precisou fazer uso do marketing. E é por isso que vimos, na última semana, o Colorado anunciar desde relógio até coleção de camisas em celebração ao seu centenário. Com tanta novidade, sem dúvida aumentará o desejo de consumo do torcedor. E o consumo irá diretamente para o caixa do Inter.

Só que a festa só foi completa mesmo porque, no domingo, ainda na ressaca das comemorações, o Colorado ganhou do Grêmio pelo Gauchão. Agora, se tivesse perdido…

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

O universitário José Mourinho

No dia 23 de março de 2009, na clara luminosidade do meio da manhã, dirigi-me à Faculdade de Motricidade Humana (Lisboa, Portugal), para assistir à cerimonia de atribuição do grau de Doutor “honoris causa” ao Dr. José Mourinho, meu aluno, há 28 anos, no primeiro ano da Universidade.
 
Já dentro das instalações da Faculdade, perguntei onde poderia encontrá-lo. Apontaram-me o lugar certo, mas acrescentaram que se encontrava incomunicável. Mesmo assim, caminhei vagarosamente, na companhia do Mestre Luís Lourenço (amigo, quase irmão do the special one)e perguntei se estava, naquela sala, o José Mourinho. Um rapagão de cabelo loiro confirmou a presença, num convicto aceno de cabeça. Parecia um segurança e a sua imperturbabilidade era um modelo de controle profissional das emoções. Mas desembaraçou-me de hesitações e questionou-me: “E qual o seu nome?”. Não perdi tempo e respondi, imediatamente: o Dr. José Mourinho conhece-me por Manuel Sérgio. Mal ouviu o meu nome, exclamou: “Professor Manuel Sérgio? O mister fala-nos tanto de si! É evidente que pode entrar! Mas antes deixe-me abraçá-lo! O mister nutre por si grande admiração”.
 
Passei eu a inquiridor: E quem é você? E ele ainda surpreso pela minha inopinada presença: “Chamo-me Luigi Crippa. Sou o press office do Internazionale de Milão. Afinal, não era segurança, mas um jornalista ao serviço do Inter. E, abrindo a porta, anunciou: “Mister, o professor Manuel Sérgio!“. E o José Mourinho, com uma amabilidade que nunca abriu fissuras de azedume e desconfiança, em relação ao seu velho professor, saudou-me de braços abertos: “Professor, venha daí um abraço“. A seu lado, de olhos fixos no Luís Lourenço e em mim, o empresário Jorge Mendes, o pai e o sogro de José Mourinho…
 
Poderá perguntar-se (e alguns já o têm feito) por que me distingue ele, de entre todos os seus professores a mim que nada sei de treino desportivo e nunca fui treinador de futebol? Demais, no que ao futebol diz respeito, sou eu o discípulo e ele o Mestre! A resposta só pode ser esta: foi de mim que ele escutou, pela vez primeira, que o esporte não era uma atividade física, mas uma atividade humana; que a metodologia a empregar no esporte (e portanto no futebol) era a específica das ciências humanas; que o treino deveria ser simultaneamente físico-técnico-táctico-psicológico; que, para saber de futebol, era preciso saber mais do que futebol, ou seja, que só, com verdadeira cultura desportiva, o futebol se compreende; que é preciso ter em conta a pluralidade dos modos de conhecimento, procurando encontrar o porquê das vitórias de alguns treinadores, sem grandes habilitações acadêmicas.
 
Está aqui o segredo de José Mourinho: ele sabe que é especialista numa nova ciência humana e leva até o fim esta sua convicção. A esmagadora maioria dos treinadores não o sabe. E daí a diferença entre eles e o Doutor José Mourinho! Depois, é um homem de coragem e perspicácia invulgares, o que completa admiravelmente o estudo e a reflexão. O doutoramento “honoris causa“, outorgado pela Universidade Técnica de Lisboa, diz-nos que, desta forma: o José Mourinho é um verdadeiro homem de ciência e um universitário exemplar.
 
 
*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.
 
Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.
 
Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal
 
Para interagir com o autor: manuelsergio@universidadedofutebol.com.br
 
Clique aqui para ler outras colunas de Manuel Sérgio.

Leia mais:
Quem é José Mourinho
A ‘descoberta guiada’ de José Mourinho