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A viabilidade econômica do nosso esporte

Caros amigos da Universidade do Futebol,

mesmo quando falamos de futebol, o esporte mais popular do nosso planeta e recordista em números de patrocínio e direitos de imagem, o assunto da viabilidade financeira do esporte sempre deverá ser levado em consideração.

Sabemos que o poderio dos clubes obedece uma ordem piramidal, sendo que pouquíssimos deles detêm um grande poder financeiro, e a grande maioria sofre diariamente para pagar suas contas ao fim do mês.

Sabemos que o futebol (e o esporte em geral) é um negócio em que os grandes clubes, para manterem o seu status e a sua força, necessitam da existência dos demais clubes. A competição é a alma desse negócio. Aqui o monopólio é um verdadeiro desastre.

Assim, a distribuição de renda entre os clubes em uma mesma liga, competição, copa ou campeonato é um tema estratégico. Os mais poderosos devem receber mais (isso dificilmente será algum dia alterado), mas os menores devem receber uma quantia justa, para ajudá-los a sobreviver e a manter o equilíbrio competitivo (competitive balance).

Na coluna desta semana, gostaria de chamar a atenção dos nossos leitors para um estudo que acaba de ser publicado pela EPFL – Associação das Ligas de Futebol Profisional da Europa. Esse estudo, denominado Financial Solidarity at Leagues and European Level, mostra em cada país europeu afiliado à EPFL como se dá a distribuição da renda das ligas pelos clubes participantes.

Interessante notar que há uma grande variedade de formatos, que envolvem parcelas fixas aos clubes, e parcelas variáveis que são atreladas ao critério técnico (mérito desportivo) e potencial comercial dos clubes.

Assim, cada liga procura estabelecer uma distribuição justa, de modo que favoreça quem mais contribui para a arrecadação, mas, com uma garantia da parcela fixa a todos os clubes, também consegue ajudar as agremiações de menor expressão.

O estudo também indica a forma de distribuição de campeonatos europeus, como a Liga dos Campeões, em que os variáveis são bastante relevantes, podendo um grande clube que fora desclassificado no início da competição, receber um valor maior do que o clube campeão, caso este último seja um  pequeno.

Dentre as diversas distinções entre as ligas, um critério é quase uma unanimidade, conforme refletido no estudo: quase que a totalidade das ligas nos dias de hoje vendem coletivamente os seus direitos televisivos.

Enfim, vale a pena analisar o estudo com atenção, para eventualmente servir de lição para os nossos campeonatos nacionais. Em prol da viabilidade econômica do nosso esporte.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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Divagações sobre heróis e povo

Não teve jeito… Parecia que todos estavam perplexos, hipnotizados pelo assunto do momento… Não me restou alternativa se não a de colocar o texto que vinha construindo para descansar na gaveta e voltar atenção para o que estampava as primeiras páginas dos jornais – impressos ou eletrônicos – em boa parte do mundo… Ronaldo, o “Fenômeno”, tinha anunciado sua aposentadoria!

E ai me pus a divagar… De imediato me vi pensando na expressão aposentadoria… Aposentar significando retirar-se da vida pública, recolher-se aos aposentos, passar a ser reconhecido como inativo em uma sociedade onde ser ativo é tudo… Ativo = produtivo; Inativo = improdutivo…

Certamente não era o caso do “Fenômeno”, fato esse comprovado passado um pouco mais de 24 horas do inacreditável – para muitos – anúncio, com ele sendo apresentado como referência do governo paulista (como são rápidos esses políticos!) para as questões afetas à Copa 2014…

Em seu caso a expressão jubilar, com seu sentido de se afastar com honra, mérito ou em outras palavras, com júbilo, se encaixa melhor…

Não tive como não pensar nos aposentados brasileiros, a maioria fadada a passar a viver com um salário menor do que aquele que recebia quando ativo… E só me reportava em pensamento aos trabalhadores formais, porque os do mercado informal… Bem, esses…

E, como uma coisa leva a outra, não pude deixar de ver, ao lado da foto/matéria sobre sua aposentadoria, notícia que alardeava o valor do salário mínimo aprovado no Congresso Nacional pelos mesmos deputados e senadores que dias atrás, se encarregaram de aumentar seus próprios salários a alturas inimagináveis e inalcançáveis aos trabalhadores brasileiros…

Também me vi pensando nos colegas de profissão – até então – do Ronaldo: os atletas de futebol, também conhecidos como escravos – ao invés de trabalhadores – da bola por não deterem o controle da sua própria força de trabalho, então sob a propriedade dos clubes e hoje fatiada entre esses, os empresários e eles próprios (um pedacinho menor, é claro), mais do que antes tidos como commodities valiosíssimas no mercado da bola…

Duvido que a realidade hoje seja diferente daquela que constatei em 1993 (18 anos atrás, portanto) quando em artigo intitulado “Os Trabalhadores da Bola”, me valendo de dados da CBF, constatei que 19,25% dos atletas de futebol profissional em nosso país ficavam na faixa dos que recebiam valores correspondentes a um salário mínimo; 51,38% na faixa de um a dois; 19,60% na de dois a cinco; 6,77% na de cinco a dez. Apenas 3% do total de jogadores recebiam acima de 10 salários mínimos. Resumindo: 90,23% dos trabalhadores da bola obtinham uma remuneração mensal da ordem de um a cinco salários; 70,63% deles recebiam, por mês, de um a dois salários…

Diante desses dados e desses pensamentos me vi perguntando quem são, de fato, heróis dentre nós brasileiros…

Herói, conforme o dicionário Aurélio, é “Homem extraordinário por seus feitos guerreiros, seu valor ou sua magnitude”. Não que Ronaldo não tenha valor, mas não será o brasileiro comum que – como nos disse Milton Nascimento cantando “Maria Maria”, não vive, apenas aquenta -, aquele que deve inspirar nossa idéia de ser humano e de sociedade que não esteja pautada na exploração do Homem pelo Homem?

Será que a necessidade de termos heróis, reconhecendo-os como semi-deuses, não estaria reforçando a falsa consciência de não sermos nós os responsáveis pela nossa história, do nosso processo civilizatório? A quem interessa atribuir aos escolhidos – sabemos lá por quem – a tarefa de definir nossos destinos? Não serão os mesmos que – na expressão da coreógrafa alemã falecida ano passado Pina Bausch – insistem em nos fazer crer na importância de saber como as pessoas se movem, ao invés do que as movem?

E ao me reportar à Pina Bausch acabei me lembrando de outro alemão, me dando conta de que ele caberia como uma luva para fechar essas divagações sobre Heróis e Povo. Fiquem então com Bertolt Brecht e seu Poema “Perguntas de um Trabalhador que lê”


Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia, várias vezes destruída,
Quem a reconstruiu tantas vezes?
Em que casas da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros na noite em que
a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A decantada Bizâncio tinha somente palácios para seus habitantes?
Mesmo na legendária Atlântida os que se afogavam gritaram por seus escravos na noite em que o mar a tragou.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete anos.
Quem venceu além dele?

Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.

Tantas questões.

Para interagir com o autor: lino@universidadedofutebol.com.br