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Aos mestres, com carinho

Acontecimentos recentes têm me levado a lembrar com maior assiduidade de duas pessoas que me influenciaram fortemente em meu processo de formação humana e profissional… Estou falando de Manuel Sérgio e Paulo Freire, pessoas que não deveriam requerer apresentações, mas que por conta do processo de biomecanização da lógica de produção de conhecimento cada vez mais presente na área acadêmica denominada Educação Física – na qual me situo e lugar de onde falo – vem exigindo que o façamos como forma de resgatar a importância de se ter em mente para que e para quem estudamos, pesquisamos e publicamos nossos achados…

Nos anos 1980 eu me reportava à biologização da Educação Física brasileira, reducionismo biológico que em última instância dificultava – quando não impedia – o olhar as práticas corporais (o futebol, por exemplo) a partir das lentes próprias às ciências humanas e sociais… E, notadamente a partir daquela década do século passado e (não só) por influência de filósofos e educadores do calibre do que busco homenagear neste momento, temos em nosso país a possibilidade de compreendermos as práticas corporais como elementos constitutivos da cultura corporal dos homens e mulheres, dimensão da cultura de todos os brasileiros… Pois essa possibilidade tende a diminuir se prevalecer em nosso meio acadêmico a miopia própria aos reducionismos acima mencionados.

Tive a honra e a satisfação de ser aluno de Paulo Freire, por ocasião de meu mestrado, na PUC/SP, no programa de pós-graduação em Filosofia e História da Educação, naqueles anos 80…

Recordo-me de uma passagem em aula, quando perguntei a ele sobre como entendia o esporte, isso porque em uma passagem de seu livro (salvo engano, A importância do ato de ler), menciona seu cachorro que, nos tempos de morada na capital pernambucana, esportivamente, caçava e matava os gatos das redondezas… Soa até hoje em meus ouvidos o barulho ensurdecedor de seu silêncio, seguido da resposta… Não tenho a menor ideia do que estava pensando sobre esporte quando escrevi aquelas linhas… Que lição aprendi naquele dia!

Mas foi em outro de seus escritos (Educação e Mudança, editado pela Paz e Terra), no capítulo em que desenvolve a tese do compromisso do profissional com a sociedade, que fiquei com a impressão de que ele, quando o escreveu, estava pensando no quadro então atual – e hoje, mais uma vez presente – da educação física brasileira… Por isso, ao tomar a liberdade de transcrever trechos daquele capítulo, lembro aos leitores que qualquer semelhança com fatos e/ou pessoas não é mera coincidência…

Aí vai: “… O compromisso próprio da existência humana, só existe no engajamento com a realidade, de cujas águas os Homens verdadeiramente comprometidos ficam ‘molhados’, ‘ensopados’. Somente assim o compromisso é verdadeiro. Ao experiençá-lo, num ato que necessariamente é corajoso, decidido e consciente, os homens já não se dizem neutros. A neutralidade frente ao mundo, frente ao histórico, frente aos valores, reflete apenas o medo que se tem de revelar o compromisso. Este medo quase sempre resulta de um ‘compromisso’ contra os Homens, contra a humanização, por parte dos que se dizem neutros. Estão ‘comprometidos’ consigo mesmos, com seus interesses ou com os interesses dos grupos aos quais pertencem. E como este não é um compromisso verdadeiro, assume a neutralidade impossível…”.

E vejam o que ele nos diz sobre esses compromissos inautênticos:

“… Não há técnicas neutras que possam ser transplantadas de um contexto a outro. A alienação do profissional não lhe permite perceber esta obviedade. Seu compromisso se desfaz na medida em que o instrumento para sua ação é um instrumento estranho, às vezes antagônico à sua cultura”.

E diz ele ainda mais, a esse respeito, em nota de rodapé:

“Esta é a razão pela qual defendemos – para os bolsistas nacionais que vão estudar em centros estrangeiros de outro nível econômico e tecnológico – um curso prévio e profundo sobre seu país, sobre sua realidade histórica, econômica, social e cultural, sobre as condições concretas de seu atuar, etc. Muitos dos jovens latinoamericanos, ao voltarem a seus países, sentem-se como estrangeiros frustrados ou reforçam o número dos transplantes de experiências de outro espaço e de outro tempo histórico. São mais compromissos inautênticos.”

E aí conclui – nesse particular – seu raciocínio:

“… Todas estas manifestações da alienação e outras mais, cuja análise detalhada não nos cabe aqui fazer, explicam a inibição da criatividade no período da alienação. Esta, geralmente, produz uma timidez, uma insegurança, um medo de correr o risco da aventura de criar, sem o qual não há criação. No lugar deste risco que deve ser corrido – a existência humana é risco – e que também caracterizam a coragem do compromisso, a alienação estimula o formalismo, que funciona como uma espécie de cinto de segurança…”.

E complementa:

“… Daí o Homem alienado, inseguro e frustrado ficar mais na forma que no conteúdo; ver as coisas mais na superfície que em seu interior…”.

Revelador, não é mesmo?

Paulo Freire faleceu em 02 de maio de 1997, há 14 anos, portanto… Nunca esteve tão vivo entre nós!

Já Manuel Sergio completa 78 anos de vida neste mês de abril, no dia 20. A indisfarçável honra de tê-lo como amigo e parceiro deste espaço de colunista especial nesta Universidade do Futebol ninguém tira de mim!

Em 2007, Manuel Sergio recebeu homenagens das comunidades acadêmica e política de Portugal, seu país de nascimento que divide com o Brasil espaço especial em seu coração. Também por aqui recebeu, no ano seguinte, homenagem da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, pelo reconhecimento dos serviços prestados à Educação/Educação Física brasileira.

Tive a oportunidade de participar de livro (Motrisofia: Homenagem a Manuel Sérgio) organizado em Portugal por José Antunes de Sousa e editado na Coleção Epistemologia e Sociedade da Editora Piaget, Lisboa. O que por ele nutro está sintetizado no texto que escrevi naquela ocasião e que transcrevo abaixo, não sem antes externar ao meu amigo mestre, mestre amigo, meus votos de muitas felicidades e anos de vida!

MANUEL SERGIO: Uma lembrança que não esquece

“Eu vim de longe, de muito longe,
Quanto eu andei para aqui chegar…”

Silvia, Laércio e eu estávamos no saguão do Aeroporto de Congonhas já há algum tempo à espera da saída dos passageiros do vôo da Varig que trazia Manuel Sérgio de Lisboa, de onde embarcara com destino ao nosso país para participar, a nosso convite, do III Congresso Brasileiro promovido pelo CBCE, Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Nas mãos da Sílvia o livro A Prática e a Educação Física, que trazia na contracapa uma foto sua, a qual ostentávamos como forma de nos fazermos visíveis aos seus olhos…

Vivíamos o ano de 1983. Era setembro. O Brasil traduzia nas ruas a ebulição de um país em ritmo de redemocratização, timidamente anunciada no final dos anos 70 pelo presidente Geisel, principal mentor da transição lenta, gradual e irrestrita a partir da qual os militares articularam a devolução dos destinos do país à sociedade civil brasileira, propondo se afastarem do protagonismo político exercido desde 1º de abril de 1964. Certamente não por bondade ou algo parecido, mas sim pela percepção do esgotamento do modelo econômico e político que lhes deu sustentação ao golpe e aos governos que se estenderam até 1984.

Os esforços para trazer Manuel Sérgio ao Brasil foram muitos. A Direção do CBCE tinha sido clara: abriria um espaço no Congresso para a participação do professor e arcaria com as despesas de sua estada entre nós durante o período do evento. Já a passagem aérea Lisboa/São Pau
lo/Lisboa deveria ser providenciada por nós. Não tivemos dúvidas. Reunimos um grupo de pessoas e assumimos coletivamente o custo da passagem. O crediário saiu em meu nome. Dez prestações…

Naquele III Conbrace (Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte), realizado em Guarulhos, SP, ao lado de uma programação forjada majoritariamente por debates circunscritos a abordagens biomédicas do esporte e das práticas corporais, constituiu-se uma Mesa Redonda intitulada Desporto e Desenvolvimento Humano. Medina (João Paulo Subirá) e Laércio (Elias Pereira) a compuseram com ele, cabendo a mim a sua coordenação.

O nome da Mesa fora desavergonhadamente extraído de um livro editado em Portugal pela Seara Nova. Fazia parte de uma lavra de publicações que começara a chegar às nossas mãos a partir do final dos anos 70, início dos 80. Mãos ávidas por textos que nos ajudassem a construir bases teóricas sólidas às reflexões que começávamos a arriscar fazer sobre a problemática da educação física e do esporte à luz de uma realidade brasileira vista por nós, marcados pelos anos passados no nordeste brasileiro – mais precisamente em São Luiz do Maranhão -, como sinônima do que por aqui foi batizado de Belíndia, expressão da divisão do país em dois Brasis, um rico como a Bélgica, outro pobre como a Índia…

Manuel Sérgio foi agraciado naquela ocasião com o título de sócio benemérito daquela sociedade científica – único ofertado por ela até hoje -, que nunca mais foi a mesma depois daquele Congresso. Às portas de seus trinta anos (foi fundada em 1978) é hoje referência obrigatória para os que se inscrevem na área acadêmica denominada Educação Física, notadamente para aqueles que assumiram ao longo desses anos uma postura comprometida com uma prática profissional e acadêmica sintonizadas com a construção de um Brasil mais justo e democrático. Manuel Sérgio foi partícipe dessa construção…

Pois foi um gesto de arrojo do já então garimpeiro da informação, Laércio, de escrever ao Manuel Sérgio, mais ao final da segunda metade dos anos 70, que nos colocou em contato com ele. Foi através dele e de duas distribuidoras brasileiras de livros, a Ebradil e a Século XXI, que passamos a saciar nossa ânsia por estudos sobre a educação física e o esporte a partir dos referenciais epistêmicos próprios às ciências humanas e sociais, às artes e à filosofia.

Dele, àquela altura lemos sofregamente Desporto e Democracia, Desporto como Prática Filosófica, o já mencionado A Prática e a Educação Física e Filosofia das Atividades Corporais. De Noronha Feio devoramos o Desporto e política: Ensaios para a sua compreensão e o Desporto para a Liberdade; de José Esteves O Desporto e as Estruturas Sociais; de Melo de Carvalho Cultura Física e Desenvolvimento e Desporto e Revolução; de Teotônio Lima Alta Competição: Desporto de dimensões humanas? De A.Paula Brito, Ensaios no Tempo. Isso para ficarmos com os portugueses, autores e editoras (Compendium, Seara Nova, Livros Horizonte, Diabril, Prelo [através de quem conhecemos P.C. Mac Intosch e o seu O Desporto na Sociedade e Os Comunistas e o Desporto de P. Laurent, R. Barran e J.J. Faure]).

Que coisa! Há aproximadamente 27 anos, quando criamos coragem para escrever ao autor de uns livros que começavam a chegar até nós por conta da abertura política da qual ainda mal nos dávamos conta, não havia como suspeitar que passadas essas quase três décadas estaríamos diante da possibilidade concreta de refletirmos a educação física a partir de paradigmas histórico-sociais, deixando para trás a necessidade de fazê-lo por conta da exclusiva relação paradigmática da educação física com a famigerada aptidão física!

Manuel Sérgio esteve marcantemente presente no processo de reestruturação da educação física brasileira e, através dela, no próprio processo de redemocratização de nosso país. Leitor atento da realidade brasileira constituiu-se interlocutor qualificado de nossas buscas, de nossas convicções, de nossas dúvidas… Sua principal característica, mesmo quando contrariado em seus argumentos, todos eles geradores de criativas polêmicas, diferentemente de outros portugueses que por aqui aportaram – e continuam aportando – foi a de jamais se colocar como neo-colonizador, em nenhum momento colocando-se como dono da verdade, como alguém que sabia falando para os que nada ou pouco sabiam das coisas… Ao conosco falar jamais o fez nos olhando de cima para baixo como contumazmente acontece com os detentores de posturas eurocêntricas de mundo…

Nesses aproximadamente 23 anos de sua presença em solo brasileiro, aqui esteve em missões passíveis de serem assim explicitadas: De 1983 a 1986, extremamente atento aos problemas do Brasil e aos da educação física brasileira, apreendidos a partir do lugar que ocupávamos na correlação de forças estabelecida pelas relações de poder existentes em seu interior.

De 1987 para cá – incluindo os dois anos que passou conosco na qualidade de professor visitante da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp -, mais voltado à busca de um lugar ao sol para seu filho pródigo, a teoria da motricidade humana, ainda que sem perder de vista aquilo que privilegiou no momento anterior. Pertencem a esse período: Para uma Epistemologia da Motricidade Humana (Compendium, 1986 e 1994[2ªedição]); Epistemologia da Motricidade Humana (Edições FMH, 1996); Um Corte Epistemológico: Da Educação Física à Motricidade Humana (Instituto Piaget, 1ª edição, 1999; 2ª edição 2003); Para uma nova dimensão do Desporto (Instituto Piaget, 2003); e Alguns olhares sobre o Corpo (Instituto Piaget, 2003).

“Amigo mestre, Mestre amigo”… Assim iniciei tantas e tantas cartas escritas a Manuel Sérgio. “Meu querido amigo…” Assim ele iniciava as dele, da forma que continua fazendo até hoje, agora também via internet, o que, se por um lado agiliza o contato (ah, o tempo!) por outro deixa um vazio enorme de prazer em buscar identificar o significado de seus “garranchos”.

Durante esses anos trocamos vasta correspondência, compartilhando momentos importantes de nossas vidas. Revê-las, no esforço de escrever estas linhas, foi para mim um exercício de inestimável valor, pelo que representou de possibilidade de me reencontrar com antigas – e tão atuais! – reflexões como também pelo que me trouxe de vontade de jamais abrir mão dessa amizade que, de tão grande, vem nos permitindo um grau de franqueza e sinceridade somente encontrada entre amigos de verdade.

Franqueza e sinceridade que me permitiram dizer a ele, em uma delas, em 1986, que “em sua ânsia de conseguir espaço para veicular sua tese (cometera) o equívoco de respaldar-se em setores e em pessoas comprometidas, em meu país, com o ‘velho’, o arcaico disfarçado, maquiado de ‘novo'”.

E que permitiu a ele admitir ter permitido – ainda que inadvertidamente – a utilização de sua imagem e escritos por setores governamentais (e não só) ligados ao meio esportivo ansiosos pela legitimação não obtida no processo eleitoral definidor da chegada ao Poder… “De qualquer forma, peço desculpa pelo meu artigo escrito em Portugal e facilmente aproveitado pela propaganda oficial. Ele visava uma crítica interna e transformou-se em incenso a um dos mitos da hora; o mito de democracia, no Brasil, do modo como hoje se processa!”.

A citação acima é parte integrante da carta que me enviou em 19 de novembro daquele mesmo ano de 1986, em resposta àquela acima aludida, emblemática de sua relação com o Brasil. Desde 1985 vivíamos o que se convencionou chamar de Nova República. O movimento popular das Diretas-já! entabulado em 1984, havia desembocado numa famigerada eleição indireta…

“A última carta que o meu amigo fez o favor de enviar-me foi, para mim, um ensaio de reflexão e prospecçã
o. De reflexão, não de repetição mais ou menos mecânica; de prospecção daquilo que pode ou deve ser, sem pretensões de futurização de uma sociedade e de um mundo que escapam a outros muito mais sacazes e melhor equipados do que eu”.

“Ao longo dos últimos dois anos, as instituições no Brasil melhoraram, mas é extremamente duvidoso que a realidade de vida tenha melhorado, para todos os brasileiros, na mesma proporção. Muitas mudanças se operaram na sociedade brasileira, porém a mudança da sociedade brasileira ou foi escassa ou nem sempre o foi para melhor. Estou consciente disso. Como e por que acontece assim? Eis aí perguntas que requerem como resposta adequada, duas condições aqui e agora irrealizáveis: o distanciamento no tempo e um conhecimento documental de tal ordem que eliminasse o domínio do simples palpite, a procura fácil do bode expiatório. Ora, se tudo isso é difícil para um brasileiro, muito mais o é para um ‘lisboeta’ a milhares de quilômetros distante do que se passa no Brasil. Daí que eu tenha muito medo de proferir ‘sentenças definitivas’ sobre os vários aspectos da vida brasileira”.

“Admito perfeitamente que predominem hoje no Brasil novos (velhos) príncipes e novos (velhos) princípios; que não se procure partir dos anseios populares para a construção de um Brasil diferente. Atrevo-me a dizer provocativamente: O Brasil de hoje tem necessidade não de saciados, mas de famintos; não de repetidores de gestos próprios ou alheios, mas de pesquisadores; não de reformados da vida, mas de comprometidos até o fundo com a mesma vida; não de ideólogos facciosos, mas de homens com ciência e consciência”.

“Estou desejoso de ir para a Unicamp o mais rapidamente possível, para constituirmos uma equipa de bom nível, na Faculdade de Educação Física. Estou certo que faremos algo de novo e inovador, com solidariedade e competência…”.

Para cá veio e conosco aqui ficou por dois anos (1987/88)! Desde aquela primeira vez, em 1983, antes de sua estada no Brasil como professor visitante da Unicamp, aqui regressou outras vezes sempre atento aos movimentos da e na educação física brasileira e, por conseguinte, por brasileira que era, ao Brasil que a gerava. Ao regressar a Portugal, deixou as portas abertas para aqui regressar de tempos em tempos, o que vem fazendo religiosamente.

Da minha trajetória profissional nunca deixou de participar! Em 1983, dando atenção a um jovem – e não só a ele – em busca de respostas às inúmeras perguntas que a realidade brasileira o fazia formular. Em 1988, fazendo parte da banca examinadora de meu mestrado, cujo fruto ainda hoje, em sua 12ª edição, frequenta as salas de aula dos cursos de educação física. Em 1998 felicitando-me pelo trabalho desenvolvido na presidência da Adunicamp, entidade representativa dos docentes da universidade que o recebera em nosso país. A mesma alegria manifesta quando da conclusão de meu doutorado e a cada novo livro e novos textos meus que via publicado. “… Li o seu livro ‘Política Educacional e Educação Física’; escutei-o na ‘Revista Adunicamp’ – e o Lino continua inteiriço por fora e por dentro: tenaz ideologicamente, mas de uma serenidade verdadeiramente intelectual (…) Quero felicitá-lo também pelo seu trabalho à frente da Adunicamp. Ao que me dizem, o meu amigo fez história…” Como não ficar envaidecido diante dessas palavras!

Também quando, de 1999 a 2003, na condição de presidente, assumi a direção do CBCE, sua presença se fez sentida em muitas ocasiões, desde aquelas em que reforçava a importância de nossa presença na direção da entidade até as que nos chamava a atenção para a necessidade de não descurarmos da especificidade acadêmico-científica do CBCE, dela fazendo a referência central do nosso agir político.

De janeiro de 2003 até abril deste ano de 2006 foi fiel acompanhante de meu trabalho no governo Lula, à frente da Secretaria Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer do Ministério do Esporte, tendo sido convidado pelo governo brasileiro a proferir palestra a respeito do esporte moderno, a qual foi acompanhada por muitos, mas não por aqueles que mais precisavam ouvi-lo…

Nesse particular prevaleceu seu entendimento, para mim manifestado em carta de 03 de novembro de 1989, a respeito das eleições presidenciais brasileiras, a primeira das que pudemos participar depois de 20 anos de governos militares e de uma eleição indireta em 1984: “Acompanho, com o maior interesse, as vossas eleições. A ‘direita’ não deixa de ser quem é embora os erros da ‘esquerda’. Por isso, o meu amigo no Brasil e eu em Portugal não deixaremos de votar à ‘ esquerda’…”. Como suas palavras nos soam atuais neste nosso momento político!

Também eu pude acompanhar de perto seus movimentos em Portugal, apreendendo a dinâmica das relações de poder por lá existentes e aprendendo a identificar – e a separar – a versão portuguesa do velho travestido de novo do, de fato, novo.

Seja por conta de sua rápida passagem pelo campo da política formal – de onde tirou lições importantes, conforme conta -, seja na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, como no Instituto Piaget, em Almada, onde buscou fincar raízes da sua tese, dentre outras formas, através da Sociedade Internacional de Motricidade Humana – que aqui, no Brasil, acabou ficando em mãos que não a ajudaram a fortalecer-se -, sua capacidade de trabalho era notoriamente marcada por um vigor juvenil que se ampliava a cada ano que passava.

Também reconhecido por aquela energia é que se fez presente lá na Universidade Fernando Pessoa, em Ponte de Lima, norte de seu país, região na qual, em Viana do Castelo tive a oportunidade de ir, em sua companhia – quando estive por Portugal participando do I Congresso Internacional de Motricidade Humana, ocasião em que me apresentou ao professor Trovão do Rosário, sócio-fundador da Sociedade Portuguesa de Motricidade Humana -, ao encontro da casa de meu avô materno, o “vô tino”, meu companheiro de campos de futebol na minha infância e juventude e exemplo de vida para mim e até para meus filhos que não o conheceram em vida…

Sobre meus filhos, recebeu o mais novo de braços abertos em 2000, conduzindo-o aos campos de futebol portugueses, obviamente começando pelo do Belenense, seu clube de coração. Agradeci-o pessoalmente quando retornei à Portugal em 2004, ocasião em que me apresentou ao professor Gustavo Pires, referência obrigatória nos estudos das questões referentes à gestão esportiva e então Presidente da Associação Portuguesa de Gestão do Desporto.

Hoje, de cima de seus 73 anos, continua a nos dizer, das formas as mais variadas, que Vida não pode ser aquilo que acontece enquanto ficamos planejando o futuro…

Ainda há pouco, sua presença entre nós chamou a atenção de um respeitável jornalista esportivo brasileiro que confessou ter ficado chateado por tê-lo conhecido somente agora. Certamente ao conhecê-lo melhor será levado a saber que nunca é tarde para se conhecer Manuel Sérgio…

Orgulho-me de ter tido a honra de compartilhar com ele todos esses anos de vida. Mais do que isso, desejo continuar tendo o prazer de, por muitos e muitos anos ainda, chegar em casa ávido por encontrar uma sua carta com o fraterno “Meu querido amigo…” .

Pois se não bastasse a lembrança que trago em minha vida de Manuel Sergio e Paulo Freire, carrego ainda comigo uma foto ímpar tirada com eles dois em setembro de 1985, na Avenida São Luis, São Paulo, SP. Faço questão de compartilhá-la com vocês!


 

Para interagir com o autor: lino@universidadedofutebol.com.br

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Levando na esportiva

A gritaria é geral. De um lado, a tradição de um jornalismo sério, comprometido com a informação precisa. Do outro, adeptos de algo mais próximo da diversão do que da informação estritamente rígida. Hoje, o jornalismo no esporte chega a um embate entre duas escolas, mais ou menos representadas em duas frentes distintas de estilo de jornalismo praticado na TV.

Tudo se resume meio que a um duelo entre a ESPN e o Globo Esporte. Num, informação é o nosso esporte. No outro, diversão é o melhor do esporte.

No final das contas, a irritação a qual os dois lados são submetidos por conta de tentar apregoar o seu estilo de enxergar o esporte é tão inútil quanto tentar encontrar um jeito “certo” de fazer a cobertura do esporte no cotidiano.

Informação é a essência de qualquer veículo de mídia. É com base nela que se formam legiões de seguidores, cativa-se audiência, ganha-se dinheiro com anunciante, etc. Mas o esporte tem uma característica única no que diz respeito à cobertura jornalística.

No rádio, na televisão e, aos poucos, na internet, o esporte representa cada vez mais um negócio. Muito mais do que um produto jornalístico, um evento esportivo se transforma num produto comercial para um veículo de mídia que atue nesse segmento.

As maiores audiências e os maiores acordos comerciais são provenientes da transmissão esportiva em muitos veículos de rádio e TV e, ainda engatinhando, também de internet. E aí reside todo o dilema de qual o tipo de cobertura jornalística deve abordar um veículo que tem no esporte um produto comercial extremamente importante.

Aula gratuita – Ética no jornalismo esportivo

 

O dilema não é tão grande nas outras áreas do cotidiano. Sim, é imprescindível fazermos um jornalismo sério, comprometido tão somente com a informação, seja ele no cotidiano político, econômico ou social. Mas e o esporte? Onde ele se enquadra nisso?

Aí temos de voltar para a definição do que é esporte e de sua função dentro de uma sociedade minimamente civilizada, como suponhamos que seja a nossa.

O surgimento do esporte veio com o desenvolvimento das cidades. Ele era uma forma de dar entretenimento aos povos, ser uma distração. Sim, era a política do “Pão e Circo” da Roma Antiga, que infelizmente foi usada para manipular as massas. Mas era também um jeito de permitir aos povos ter um pouco de divertimento durante o seu tempo livre.

Depois, com os tempos, o esporte se aprimorou. Passou a ser uma versão não-combativa da guerra, uma espécie de manifestação civilizada da dominação de um grupo sobre o outro. Mesmo assim, não perdeu a sua característica de proporcionar distração aos povos.

É por isso mesmo que cunhamos a expressão “levar na esportiva”. O intuito é aprendermos a não levar tão a sério as coisas, a relaxar um pouco, a saber que podemos ganhar ou perder.

O problema é que, na profissionalização do jornalismo de esporte, passamos a tratar a vitória como única finalidade. O erro não é permitido, assim como a seriedade é fundamental para que o esporte possa ser sério, ético, profissional.

É possível ser tudo isso “levando na esportiva”, não resta dúvidas. Só que também não se pode cair no erro de aceitar tudo passivamente e, em nome do esporte, nos vermos manipulados. Esse erro, porém, é cada vez mais difícil de acontecer. Hoje, a quantidade de informações a nosso dispor é enorme. Temos totais condições de descobrir a verdade, basta querermos ir mais além do que aquilo que nos é (ou foi) oferecido.

Da mesma forma, é fundamental dentro dos veículos de imprensa aprendermos que há totais condições de existir os dois tipos de jornalismo. Aquele que leva tudo a sério, não aceitando os erros e a falta de responsabilidade dos outros, assim como aquele que apregoa mais diversão e menos seriedade dentro do esporte.

Nos dois casos, porém, é preciso levar mais na esportiva. Não dá para ser tão aguerrido às duas convicções. Jornalismo, mais do que nunca, é uma questão de se manter o bom senso. Essa qualidade, infelizmente, é cada vez mais rara. E não apenas nessa profissão.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br