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Sócrates

Cachaça, que não se perca pelo nome, é um dos tantos grandes amigos que Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira (o mais longo e mais decorado nome de craque da história do futebol brasileiro) curtiu em 57 anos de vida. E que vida.

É dele a melhor e mais completa e complexa definição de um craque indefinível.

“O Sócrates é um artista”.

A explicação socrática: “Ele é um artista porque dizem que foi craque – e só jogava de costas, de calcanhar; dizem que é médico – e nunca operou nem uma galinha. Enfim, o cara é mesmo um artista: dizem que foi craque e médico. E não foi nem uma coisa e nem outra”.

Sócrates adorava a história. Fazia questão de contá-la sempre nas tantas vezes que saímos para jogar conversa dentro, para fazer eventos onde ele contava histórias e estórias onde ele também era a própria história. Embora adorasse apenas se colocar entre tantos operários dessa obra inacabada e imperfeita do futebol que ele soube fazer como arte e ideologia como raros. Mais um operário dentro da máquina que ele adorava contestar com ideias e ideais raros. Até os utópicos. Utopia que o encharcava mais que as cervejas e os vinhos que jamais renegou.

Ou melhor, deixou de lado para se preparar para capitanear o grande Brasil de 1982. Quando emagreceu, parou de beber, ganhou o físico que nunca quis ter. E foi exemplar até o antidoping contra a Escócia, em Sevilha. Quando tomou tudo que podia para colher o material e ser recolhido no vestiário por um velho amigo.

Ainda assim, como todo o Brasil, fez um grande Mundial. Não ganhou a Copa, mas conquistou o mundo. Como, meses depois, começaria a ganhar o respeito do país comandando uma revolução que começou no Parque São Jorge e correu o Brasil. A Democraria Corintiana. Que se garantia em campo no bi paulista de 1982-83. Mas, fora dele, fez muito mais. E não só pelo clube. Pelo torcedor, pelo cidadão. Pela liberdade.

Livre. Era assim o Sócrates que brilhava no Botafogo de Ribeirão Preto até ser comprado pelo Corinthians, em 1978. Onde ficou até o Congresso dizer “não” para as Diretas Já, em abrir de 1984, e ele ir de mala e cuia para Florença. Para receber o primeiro salário na Fiorentina, esquecer de pegar o resto, e ficar só um ano por não jogar o muito que sabia, e não se dar com quem nem sempre dava tudo pelo time e pelo futebol.

Flamengo com Zico, Santos com Wladimir de outras batalhas, e o ponto final na carreira. Médico, músico, comentarista do Sportv (onde trabalhamos juntos em 1995), apresentador de TV (tínhamos um projeto conjunto de programa de TV que nunca conseguimor realizar), e mais um monte de atividades. Tantas quantas mulheres e filhos. Tantos quantos amores e paixões.

Com a bola, não era atleta como o “pivete” Raí, craque-bandeira do São Paulo. Mas era mais genial. Cerebral. Mágico. Brilhante. O artista, na definição do amigo Cachaça. O cara que aceitou do amigo Mazinho o pagamento em cerveja perpétua de diferença em venda de imóvel.

Um amigo leal. Um craque. Um gênio. Um Brasileiro.

“Só quem entende a beleza do perdão pode julgar seus semelhantes”, disse Sócrates, o que não sabia jogar bola.

Só quem viu jogar e teve o privilégio da amizade pode entender a beleza que não admite julgamentos.

Obrigado, doutor honoris causa.

O Brasil, mais que o futebol, agradece a coragem.

P.S.: Escrevi este texto no Pacaembu, 12h30 deste domingo quando perdemos Sõcrates.

Onde um dia, ainda pelo Botafogo, nos anos 70, o Doutor chegou tarde para um jogo pelo Paulistão. À tarde ele havia ficado em Ribeirão Preto para fazer prova na Faculdade de Medicina. Chegou em cima da hora ao estádio onde não havia atuado. Mal sabia por onde entrar. Sem documento algum, nem RG, foi duro convencer que ele poderia entrar no estádio. Não sabia onde era o vestiário. Mais difícil ainda foi fazer entender ao porteiro que ele era jogador com aquele jaleco e com aquela magreza toda.

Mal chegou, mal se aqueceu, e foi o maior em campo.

Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

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Doutor da Alegria

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Doutor da Alegria

O futebol brasileiro hoje derrama lágrimas e risos.

Nunca havia sido disputado um campeonato nacional tão eletrizante como em 2011 – seja na parte de cima, seja na parte de baixo da tabela.

Risos para os que foram campeões ou se classificaram para as competições internacionais.

Lágrimas para quem se foi para a Série B.

Mas a torcida corintiana – que, junto com a do Botafogo, sempre se diz predestinada aos desígnios dos mistérios da bola – teve um domingo especial.

Agridoce.

Comemorou seu quinto título brasileiro, no mesmo dia em que perdeu, talvez, seu maior ídolo. Ironia desse esporte das multidões.

Sócrates. O Doutor.

Se não fosse pela graduação universitária, assim deveria ser chamado pela nobreza técnica dentro de campo.

E pelo ativismo político-social fora dele. Enquanto jogava também, é bom ressaltar. Não apenas ao pendurar as chuteiras para vestir o jaleco.

A Democracia Corintiana, contemporânea do movimento para as Diretas Já, teve em seu DNA a participação de Sócrates, naquele movimento que se pretendia um microcosmo representativo dos anseios do povo brasileiro pela liberdade de expressão e organização política.

Levou toda sua capacidade de mobilização e pensamento crítico para fortalecer a Fundação Gol de Letra, da qual seu irmão Raí é instituidor, junto com Leonardo.

Ainda, fazia parte da ONG Atletas pela Cidadania, cuja missão era:

“Defender causas importantes para que o nosso país tenha um desenvolvimento social mais justo.

A estratégia é simples: aproveitar a popularidade e a credibilidade dos atletas para chamar a atenção e mobilizar os brasileiros, informando e agindo para todos vivermos numa sociedade melhor.

Cada atleta é admirado, respeitado e seguido como um exemplo de quem aproveitou as oportunidades que a vida ofereceu para batalhar pelas suas vitórias.”

O “Magrão”, como também era conhecido, conseguiu mobilizar e inspirar inúmeras pessoas ao longo de sua vida.

Mas, como tantos outros ícones do esporte, não venceu um dos demônios pessoais, que o levou.

Pelo menos, num domingo de futebol.

Com a faixa de campeão no peito.

A maior condecoração que o Doutor poderia receber.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br