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Estado de choque

Já usei a expressei "choque" em outros textos publicados, aqui, na Universidade do Futebol.

Entretanto, o termo insiste em perseguir minha inspiração, amparada, fundamentalmente, na observação, ora atenta, ora lampejante, da realidade que me cerca, como pano de fundo o futebol – como fenômeno social e suas circunstâncias.

Pois bem. Nessa semana, pinço algumas inquietações que possuem a mesma matriz.

O que faz a tropa de choque da PM dentro do estádio em Belo Horizonte no jogo entre Atlético e Arsenal? Pior, o que faz uma tropa de choque, despreparada, que parece, de fato, levar ao pé da letra sua denominação, em vez de se chamar "tropa antichoque"?

Cenas de absoluta truculência que, ainda que fosse incontestável que o primeiro ato de violência tenha partido dos jogadores argentinos, não encontra amparo no bom senso o apontamento de escopetas dentro de campo.

Tampouco se espera um comportamento reiterado, de valentia inconsequente, de estrangeiros num país que lhes está recebendo para uma competição desportiva. Sejam os valentes argentinos, uruguaios, americanos ou ingleses.

Fantástico exemplo dado pra todos os que viram imagens de como não se deve agir em eventos esportivos. Crianças e mulheres, que costumam ser "excluídos" do planejamento do futebol enquanto negócio, vão ficar ainda mais distantes dos estádios.

Ou melhor, das "arenas". Realmente, devemos chamar de "arena" todo e qualquer estádio brasileiro e sul-americano, uma vez que as condições de conforto e segurança são da época dos romanos e, os protagonistas, envolvidos na luta pela sobrevivência, entre si ou contra feras bestiais.

Não bastasse isso, determinado político brasileiro, em entrevista à TV, comentou que "todos os esforços diplomáticos" estavam sendo feitos, pelo governo brasileiro, para resolver a questão dos 12 torcedores corintianos, presos na Bolívia e acusados de participação na morte do garoto Kevin.

Queriam convencer a justiça boliviana de que o jovem preso no Brasil e réu confesso já daria por resolvida a questão e isso justificaria a liberação dos demais, para retornarem ao Brasil.

Até nisso, nos atrapalhamos, com toda a pompa diplomática: querer que um caso que tramita na Bolívia seja encerrado por outro que tramita no Brasil e sequer chegou ao fim, condenando ou absolvendo o jovem, tido por muitos como "bode expiatório" ou "laranja".

E, em mais um gesto paliativo e de ocasião, a CBF envolve a seleção brasileira num amistoso contra a Bolívia, como se a renda revertida à família do jovem morto reparasse o dano causado e impulsionasse verdadeira mudança no futebol do continente, encontrando eco na Conmebol.

Para piorar, um jornalista, recém-promovido a "sr. Quem?", mas que goza da unilateral posição de emitir opiniões na tribuna – aqui, a Rede Globo – faz uso da palavra e diz, via Twitter, sobre o infeliz episódio em Minas Gerais: "Argentino derrotado, levando borrachada e ainda no final preso: mundo perfeito".

Sugiro a todas as pessoas – em particular as que atuam na indústria do esporte e que conservam algum tipo de preconceito, intolerância e arrogância – que cruzem as fronteiras, não só físicas, mas também da ignorância, e deponham suas armas.

O esporte deve ser, sim, uma grande arma de transformação positiva da sociedade.

E, se existe um mundo próximo do perfeito, no futebol, é a civilidade e organização vistas na Uefa Champions League. Onde, espera-se, que jornalistas ufanistas e insensatos não tenham a possibilidade de atuar. Sem "dar borrachada" em ninguém.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Da cordialidade idealizada à resistência realizada: desesperar jamais!

Atribuem ao Buarque de Holanda – ao pai, não ao filho – a tese da cordialidade do brasileiro. Seríamos um povo cordial, teria dito… Mas a história da construção da nossa nacionalidade está recheada de episódios que atestam o contrário. Citemos aqueles em que o povo teve papel protagônico, começando pela luta ainda inconclusa dos negros e dos índios e viajando no tempo até a luta pela liberdade presente na Conjuração dos Alfaiates, também conhecida como a Inconfidência Baiana (final do século XVIII); a luta do povo pelo poder presente na Cabanagem (meados da década de 30 do século XIX); a luta dos sem-líderes expressa no Quebra-quilos (década de 70 do século XIX); a luta pela utopia real de Canudos (anos finais do século XIX)… Todos lançam por terra o mito da passividade do povo brasileiro, que serviu aos interesses dos que buscavam desqualificar a capacidade de mobilização social e de luta de setores populares de nossa sociedade.

Isso tudo sem fazermos alusão ao século XX e nele à resistência à ditadura civil-militar que nos afligiu por 21 anos, desde o 1º de abril de 1964, ditadura essa responsável por grande parte do desconhecimento das gerações forjadas ao longo daqueles anos e nos que os seguiram das lutas travadas por nosso povo em momentos históricos distintos, banidas que foram de nossas escolas.

Embora os fatos pareçam sinalizar contra, também no esporte, futebol em particular, assistimos episódios de rebeldia aos atos abusivos praticados por parcela significativa daqueles que o dirigem.

Joel Rufino dos Santos em seu “A História Política do Futebol Brasileiro” já nos chamava atenção para as ações desencadeadas pelos setores populares nos primórdios da presença do futebol entre nós, na busca do acesso a ele fosse ao que diz respeito à sua prática, fosse a de tê-lo em seus escassos momentos de lazer como espetáculo a ser apreciado.

Mais a frente, outros fatos se tornaram conhecidos. Isolados alguns, como o do jogador de futebol Afonsinho, mais coletivos outros como a “Democracia Corinthiana”, ambos do início dos anos 1980, na maior parte das vezes encetados por agentes ligados ao meio esportivo, dando a entender que ele, Esporte, não mereceu dos movimentos sociais organizados atenção para ser por eles considerado motivo de reivindicação e luta.

A própria presença dele, Esporte, em nossa Carta Magna de 1988 — batizada de Constituição Cidadã por Ulisses Guimarães — como direito social não foi, de fato, fruto de reivindicação popular e sim esforço originado no interior da comunidade esportiva por motivos – desconfia-se – de natureza corporativa mais do que de cunho social…

Agora mesmo assistimos toda a movimentação ao redor da realização em solo brasileiro dos megaeventos esportivos, e junto com ela acompanhamos o silêncio da grande mídia — daquela que resiste a qualquer tentativa de regulamentação definidora de marcos regulatórios limitadores do poderio de algumas poucas famílias sobre ela (quem desconhece estar ela nas mãos dos Mesquitas, Frias, Marinho [isso nacionalmente] e Magalhães, Sarney e outros tantos coronéis regionais) — acerca dos movimentos sociais que denunciam, dia sim, outro também, as falcatruas entabuladas pelos detentores de poder político e econômico responsáveis pela construção de legados voltados aos de sempre (aos “de cima” diria o sociólogo Florestan Fernandes, se vivo fosse).

Em crônica publicada neste espaço em meados do ano passado (“Da Copa, da Copa, da Copa abrimos mão; Queremos mais recursos pra saúde e educação”) fizemos menção a alguns desses movimentos. Soma-se a eles a recente petição contra a presença de (José Maria) Marin à frente da CBF e a defesa de sua convocação pela Comissão Nacional da Verdade — recentemente constituída pelo Governo Brasileiro —, articulada por Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog, assassinado pelos asseclas da ditadura.

Contando com mais de 50.000 (cinquenta mil) subscrições, o motivo dela é límpido e transparente: trata-se da acusação de conluio do então governador biônico do Estado de São Paulo com os agentes do DOI-CODI, em cujas mãos se deu a morte de Herzog, à época atribuída por eles ao gesto desesperado do jornalista de… Suicídio. São dele, Marin, as palavras proferidas quando parlamentar paulista em 1976 elogiosas ao Delegado de triste memória Sérgio Paranhos Fleury:

“Conhecendo de perto seu caráter, sua vocação de servir, podemos afiançar, sem dúvida alguma, que Sergio Fleury ama sua profissão; que Sergio Fleury a ela se dedica com o maior carinho, sem medir esforços ou sacrifícios, para honrar não só a polícia de São Paulo, mas acima de tudo, seu título de delegado de polícia”.

Se desejarem saber mais dessa Petição, visitem o blog do Juca (Kfouri), não perdendo tempo buscando encontrar referência a ela nos grandes jornais, pois o silêncio da grande mídia sobre esse e outros movimentos análogos é ensurdecedor!

O que ela repercute — e como! — é a peça publicitária da Brahma conclamando o povo brasileiro a se imbuir do espírito pseudo-nacionalista da ideia de que “a Copa é nossa”, (pois “com o brasileiro não há quem possa”, podemos complementar), bem a gosto do regime militar que buscou tirar proveito do feito esportivo brasileiro de conquista do tri campeonato mundial de futebol, época dos “anos de chumbo”…

A mesma mídia que faz alarde da contratação de seu mais recente comentarista esportivo — Ronaldo, o Fenômeno —, o mesmo que tem assento no Comitê Organizador Local da Copa de 2014 e empresaria a imagem de atletas… Imaginem vocês com qual isenção ele fará a cobertura da Copa… É esse o conceito de Ética com a qual ela trabalha…

Sim, é verdade. Compete a nós, professores, a nós atores do campo esportivo, representantes do segmento progressista nele presente — ainda que em minoria dado o caráter conservador, retrógrado e reacionário que o caracteriza —, dar visibilidade a esses movimentos sociais que desejam ter no Esporte, prática social de desenvolvimento e emancipação humanos, sabedores que eles promovem, com suas lutas, aquilo que a pressupõe, vale dizer, a emancipação política.

Pois que esta Universidade do Futebol assuma, de uma vez por todas, a tarefa de dar destaque em sua página virtual, a notícias e matérias que mapeie e informe a todos sobre os movimentos sociais existentes por motivaç&atil
de;o direta ou indireta das questões ligadas ao mundo esportivo, futebol em particular.

Que a Universidade do Futebol se fortaleça como espaço privilegiado de sensibilidade e compromisso com os que têm o Esporte — e o Futebol em especial — como patrimônio cultural da humanidade e, como tal, passível de ser acessado por todos, independentemente dos vieses de classe e etnia.

Isso porque, já cantava Ivan Lins,
 

“Desesperar jamais
Aprendemos muito nesses anos
Afinal de contas não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo
Nada de correr da raia
Nada de morrer na praia
Nada! Nada! Nada de esquecer
No balanço de perdas e danos
Já tivemos muitos desenganos
Já tivemos muito que chorar
Mas agora, acho que chegou a hora
De fazer Valer o dito popular
Desesperar jamais
Cutucou por baixo, o de cima cai
Desesperar jamais
Cutucou com jeito, não levanta mais”.
 

Para interagir com o autor: lino@universidadedofutebol.com.br