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A vida dele é você

Me chamo Vitória.

Nasci em 6 de junho de 2000. Terça-feira à noite. Se fosse menino, seria Marcos. Segundo meu bisavô, que escolheu Vitória, ele queria um nome de santo. Especialmente naquela noite. Não sei porquê. Só sei que minha bisavó, que torce pelo maior rival do time do meu bisa, queria Marcelinho se eu fosse menino. De raiva, ela falou que eu me chamaria Darinta se fosse menina e ela pudesse ter a chance de escolher. Também não sei o que significa esse nome. Mas sei que meu bisavô não quis nem saber.

Ele é beeeem velhinho. Tem mais de 90 anos. Moramos juntos em Perdizes. Ele diz que não tem lugar melhor. Cheio de altos e baixos. Parece a vida dele e da maior paixão dele. Mais que eu, os filhos e a minha bisavó. Amor que ele vive de
perto. Sempre.

Em 18 de novembro de 2012 ele caiu. Quebrou um monte de osso. Foi no final de uma tarde de domingo. Só sei que ele estava vendo TV, deu um monte de grito durante horas, mas só se machucou feio quase de noite. Quando daí eu não entendi nada. Ele não gritou e nem xingou. Nem chorou. Ficou quieto. E quebrado.

Foram meses este ano de 2013 em que ele ficou de cama. Mas sempre gritando. Principalmente de terça e de sábado. Quando ninguém podia entrar no quarto dele. Ninguém. Muitas vezes ele me chamava depois e contava muitas histórias de muitos amigos que ele diz ter. Mas acho que algumas são mentiras. Coisas incríveis. De super heróis.

Alguns nomes ele fala sempre. Outros ele não quer nem falar. Mas sempre ele fala deles. Como velhos conhecidos.

Nas últimas semanas ele começou a sair de casa. Passeou pelas ruas de cadeira de rodas. Toda hora passava alguém dIzendo que ele estava bem, voltando, retornando ao lugar dele. Ele abria o sorriso e dizia que isso era normal. Anormal era a queda que ele teve no ano
passado. Quando ele se quebrou todo.

E muita gente achou que ele já era. Que não iria mais se levantar. Era muito chato tudo isso.

Mas, neste sábado, exatamente 16h20, ele pediu para sair comigo. Estava um sol lindo em Perdizes. Eu fui empurrando a cadeira de rodas dele. Ele me falou de muitas coisas que viveu. Disse que vira na televisão um monte de amigos que ele gosta. Valdir, Edu, Rosemiro, Alfredo, Dudu, Ademir, Leivinha, César, Evair, Amaral, Edmundo, Marcos. Falou um monte de coisas deles. Tudo deve ser invenção. Mas eu quase acreditava nele. O brilho nos olhos do meu bisavô me fazia achar que tudo aquilo era possível.

Eu reparei que quando ia caindo o sol ele ficava mais inquieto. Não parava. Toda hora perguntava que horas eram. Eu respondia. Ele parava fazendo contas com os dedos. E toda hora que ouvia um rádio ligado ele pedia para eu ficar quieta.

Eu ficava. Mas ele não.

Quando era 18h11, meu bisavô pediu a hora. No mesmo momento a gente ouviu gritos, aplausos, palavrões. E logo aquela música que meu bisavô sempre canta todo dia. E ele sempre me disse que teve alguns anos quando ele cantou mais ainda. Eu até lembro quando foram. Em 1951. Em 1959. Um monte de vezes nos anos 60 e 70. Depois ele disse que durante uns anos essa música ele cantava sempre. Mas só ele.

Ele sempre me fala que ficou semanas seguidas em 1993 cantando e ouvindo. Só que, desde que eu nasci, em 2000, ele ouviu pouco.

Mas não importava. Porque essa era uma canção que sempre estava com ele. E ele disse que queria muito estar comigo nesta tarde.

Acho que entendi o porquê quando ouvi alguns carros buzinando. Não muitos. Um velho amigo dele o veio abraçá-lo na padaria.

– Parabéns, meu grande amigo!

Meu avô não disse nada. Apenas sorriu.

– Ufa! Agora vai! Estamos de volta!

Meu avô mal olhou para ele. Apenas ficou olhando pra frente. Segurou firme na cadeira de rodas. Levantou a cabeça. Se apoiou no braço da cadeira. E se levantou sozinho pela primeira vez desde que ele tinha caído e se quebrado todo em 2012.

Eu e o amigo dele não acreditamos. Ninguém imaginava que com mais de 90 anos ele ainda pudesse se levantar. Sozinho. Com a força das próprias pernas e braços.

Eu corri para ajudar. Como acho que todo mais jovem precisa ajudar quem nos ajudou a vida toda. Mas meu bisavô disse que não precisava.

– Eu caí sozinho. Eu me ergo sozinho.

E ele se levantou. Quem estava por perto ficou meio sem graça de aplaudir. Mas todos se emocionaram com ele. Até os que achavam que nada mais aconteceria com ele.

Meu bisavô foi até o balcão da padaria e pediu a mesma coisa que toda vez ele pede:

– Um cafezinho e um pouco de água pro meu São Marcos.

Eu não aguentei e falei:

– Bivovô, você estava fingindo, estava com preguiça, ou estava sem vontade de andar?

– Vitória. Nunca duvide das minhas histórias. Nem das minhas vontades. Eu posso já não ser o mesmo de antes. Mas eu ainda sou a nossa família. Eu acredito. Eu me supero.

Eu chorei. Tenho amiga que não tem bisavós, nem avós. Algumas nem pai. Eu sei que um dia eles não vão estar aqui. Morro de medo disso. E disse chorando pra ele:

– Bivovô, eu morro de medo de te perder!

– Vitória. Eu só morro se não lutar. Nunca perco amando. Só deixo de ganhar algumas vezes. Eu não sou eterno. Mas o meu amor é pra sempre.

E meu bisavô abriu um sorriso, gritou alguma coisa em italiano que parecia algo como cópia, escópia, sei lá. Berrou Palestra e só então sentou.

Chorando. Mas, desta vez, não de dor.

Acho que é isso que meus pais chamam de amor incondicional.


*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

 

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Futebol: criar mais oportunidades ou aproveitar melhor as chances criadas? – reflexões a partir da Lógica do Jogo

O futebol é um jogo de oportunidades criadas ou de chances convertidas em gols?

Não sei se a pergunta acima foi suficientemente esclarecedora para ilustrar o cerne da questão que a envolve.

Então, para não correr riscos, vejamos de outra forma.

Na Champions League 2011/2012, o confronto entre FC Barcelona e Chelsea, já pela fase eliminatória (semifinais) nos mostrou dois jogos muito parecidos, em que uma das equipes manteve a bola quase que a todo o tempo em seu campo de ataque, “sondando” a todo instante a meta adversária – gerando um número razoável de finalizações e chances de gol (inclusive um pênalti).

A outra, a equipe que saiu vitoriosa dos confrontos, defendendo-se a todo custo com todos ou quase todos seus jogadores, esperando um momento para ser implacável, um momento para ter uma chance, uma real chance que fosse, para fazer gols – (jogo 1: Chelsea 1 x 0 FC Barcelona / jogo 2: FC Barcelona 2 x 2 Chelsea / placar agregado: FC Barcelona 2 x 3 Chelsea).

Vejamos abaixo a figura com o número de finalizações de cada equipe nos dois jogos (dados retirados de www.uefa.com):

Podemos observar que nos dois jogos a equipe do Barcelona finalizou mais do que o Chelsea (totalizando 36 a 11). Diferença grande, que diminui quando olhamos apenas para aquelas que foram em direção ao gol (11 a 4).

Finalizações!

Mas quando observamos aquilo que realmente pode contar pontos na tabela – os gols –, o placar, no quesito arremates, favorável ao FC Barcelona, se inverte: 2 a 3 gols à favor da equipe inglesa.

No primeiro jogo entre as duas equipes, mais interessante ainda: o Chelsea teve apenas uma finalização correta (a do gol), e o FC Barcelona, com suas 19 oportunidades, nada.

Em um levantamento rápido que realizei na Champions League 2011-2012, na 2012-2013, e no Campeonato Brasileiro 2013 (esse último com o auxílio do notável do Café dos Notáveis “Panis Baguetes”) fica evidente que aquelas equipes que mais finalizam a gol ou fora dele nos jogos, tendem a fazer mais gols e a assumir um lugar melhor na classificação dos Campeonatos. Existe uma relação direta entre número de finalizações, gols e vitórias – direta, mas não de 100%.

E ela (a relação) fica melhor ainda, quando consideramos apenas as finalizações que foram em direção ao gol.

Pode parecer óbvio, mas não é.

Sob o ponto de vista da Lógica do Jogo (em maiúsculo, por se tratar da lógica inexorável do jogo de futebol), cumpre melhor com ela em uma partida, aquela equipe que vence – ou por dominá-la (circunstancialmente ou cronicamente) ou por compreender e utilizar melhor a imprevisibilidade ao seu favor.

De qualquer forma, e em outras palavras, isso quer dizer que o futebol é mais do que um jogo de oportunidades criadas. Ele é um jogo de chances concretizadas (convertidas em gol)!

Claro, analisando as competições que já mencionei, e outras de nível técnico-competitivo menor, fica muito evidente que quanto menos uma equipe finaliza à gol em uma partida, mais eficiente ela precisa ser nas suas finalizações, se ela almeja vencer.

Mais evidente ainda é que quanto maior o nível competitivo, menor é o desperdício no que diz respeito ao número de finalizações criadas e aos gols feitos (e aí, nesse caso, finalizar mais representa fazer mais gols).

E se o aproveitamento de chances construídas em um jogo é o que conta, não quero dizer, evidentemente, que uma equipe vencerá mais se finalizar menos (e nem necessariamente se finalizar mais). Ela vencerá mais se aproveitar melhor as oportunidades de gol criadas – desde que ela aproveite um número maior do que sua adversária!

Então, nos treinamentos, qual parece ser o melhor caminho para que jogadores e equipes cumpram melhor a Lógica do Jogo, e com isso vençam mais? Investir em criar mais oportunidades, e então melhorar seu aproveitamento? Investir em chances?

Analisando desta forma pode até parecer que estou fragmentando a análise das sequências ofensivas e das finalizações em um jogo. Mas, garanto, não estou!

A complexidade sistêmica das minhas indagações moram justamente na ideia de que de certa forma, não está à mercê do acaso o fato de equipes, como por exemplo a do Chelsea no exemplo acima, vencerem jogos mesmo finalizando em média 5,5 vezes por partida.

Não! Não é o acaso; são as circunstâncias…

Mas essa é uma outra e longa discussão que prometo retomar mais para frente…

Por hoje é isso!