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O orgulho como ferramenta de comunicação

O esporte é um segmento naturalmente passional, e entender isso é fundamental para qualquer plano relacionado à área. A comunicação, por exemplo, tem de seguir uma série de estratégias que também seriam pertinentes em outras searas. No entanto, não existe eficiência nesse caso se as ações desconsiderarem a emoção como base de qualquer processo. Poucas ferramentas são mais poderosas do que o orgulho.

Orgulho é um conceito extremamente pessoal, é claro. É possível ter orgulho de um título, de uma história, de um ídolo ou até de um atributo específico (um local ou uma característica da instituição, por exemplo). Sabe aquela coisa que todo torcedor usa no bar quando quer convencer o mundo que o time dele é o melhor que existe?

Então: nada vende mais do que orgulho. O São Paulo criou há quase uma década o conceito “Soberano”, por exemplo. Ainda que seja extremamente questionável e que tenha impingido atributos indeléveis e questionáveis à marca do clube, a ideia era uma resposta a algo que a torcida sempre tentou “vender”.

Quer outro exemplo? Quando contratou Ronaldo, que na época era o maior artilheiro da história das Copas do Mundo, o Corinthians desenvolveu uma linha de produtos com a marca dele. As vendas foram expressivas – maiores do que artefatos vinculados a outros atletas. Uma das razões para isso é justamente o orgulho que a torcida tinha de dizer que ele havia escolhido o clube.

São dois exemplos recentes e de um mesmo mercado (São Paulo, no caso), mas o orgulho tem sido força motriz do esporte desde sempre e em qualquer lugar. Na Europa, a maioria das campanhas voltadas a sócios-torcedores tem como base a ideia de que quem ajuda o clube é mais próximo e mais apaixonado do que os demais. É o orgulho até em forma individual.

No Brasil, os Estaduais são sobre orgulho. Há muito os torneios regionais têm perdido relevância e se tornado um fardo para o calendário de qualquer equipe. Essa depreciação tem relação direta com a falta de um trabalho adequado de comunicação institucional, mas não tirou (ainda) algo que faz essas competições terem algum sentido: o orgulho que gera uma vitória direta contra rivais locais.

Nenhum time brasileiro tem sido exemplo mais positivo disso em 2015 do que o Botafogo. A equipe alvinegra é líder do Estadual do Rio de Janeiro e tem aproveitamento expressivo. No domingo, bateu o Flamengo por 1 a 0 com um gol marcado por Tomas num golpe de sorte – a bola bateu na trave em um chute de longe, voltou nas costas do goleiro Paulo Victor e entrou.

Parece pouco, é verdade – é começo de ano, a liderança no início do Estadual não vale muita coisa e foi apenas um lance de sorte em uma partida –, mas é preciso colocar tudo isso em contexto. O Botafogo foi um time devastado na temporada 2014 e acabou rebaixado para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Além disso, carregava consigo um estigma negativista. Sabe aquela ideia de que “tudo acontece com o Botafogo”?

Por tudo isso, o início de ano é uma reação contundente, sim. É uma recuperação de autoestima e de orgulho. É uma reação para quem teve um ano com poucos motivos para sentir orgulho.

O Palmeiras passou um pouco por isso no início do ano. As 19 contratações que o time alviverde fez para 2015 não foram apenas uma mudança de perfil no elenco. Foram uma forma de dizer à torcida que as agruras da temporada anterior eram coisa do passado e que era possível apostar de novo no time.

Também há em São Paulo um bom exemplo de orgulho individual. Ou algum torcedor do Corinthians deixou de sentir isso quando Jadson recusou uma proposta do Jiangu Sainty (China) e decidiu ficar no clube para ganhar metade do salário que receberia na Ásia?

Os chineses aceitaram pagar a multa rescisória do contrato de Jadson (algo em torno de 5 milhões de euros), e o meia era a única pessoa que podia cancelar o negócio. Ao recusar, ele usou como principais argumentos a vontade da família e a chance de virar ídolo do Corinthians. Quer uma forma mais clara para deixar o torcedor orgulhoso?

É possível despertar orgulho até mesmo em momentos complicados. O Grêmio desfez em 2015 o elenco que havia feito uma temporada regular no ano passado. Algumas das principais referências deixaram a equipe (Zé Roberto, Barcos, Pará e Bressan, por exemplo). Até o centroavante Marcelo Moreno, que voltou ao clube após boa passagem pelo Cruzeiro, saiu. Contudo, o técnico Luiz Felipe Scolari, ídolo da torcida tricolor, ficou. E se isso não for motivo suficiente para mexer com o emocional da torcida, a debandada criou uma chance enorme de identificação. Afinal, o novo grupo de atletas tem bem mais espaço para jogadores formados na base – garotos normalmente despertam empatia natural no público.

São muitos exemplos, e quase todos têm relação com o início dos Estaduais. A questão é: quem fez uma campanha focada no orgulho de seus torcedores? Talvez o Palmeiras, mas o clube preferiu usar isso como mote para alavancar seu plano de sócios.

Orgulho não vende apenas carteirinhas de filiação. A relação passional é o maior diferencial que o esporte tem no mercado de entretenimento, e é fundamental que os clubes tentem tirar disso uma fonte relevante de receita. E para transformar orgulho em receita, é fundamental que eles saibam como comunicar isso.