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O que são “bons resultados”?

O primeiro pensamento que vem à mente da grande maioria das pessoas, principalmente dos torcedores, é associar bons resultados a vitórias. E isso é indiscutível, ainda que existam exemplos de manifestações de apoio dos torcedores mesmo após derrotas e eliminações, dificilmente se encontrará torcidas manifestando-se contrárias às vitórias de sua equipe. Eduardo Barros em sua coluna “A manifestação intuitiva da Lógica do Jogo” reflete acerca das manifestações vindas das arquibancadas de acordo com a postura da equipe em campo, mostrando que o torcedor reage de forma positiva em função de ações de sua equipe que transmitam a clara intenção de marcar gols. É a forma mais simples de obter um parâmetro de desempenho, é algo que a torcida faz de forma intuitiva, não carece de profundas análises, todos gostam de ver sua equipe jogar de forma ofensiva e, principalmente, gostam de vencer seus jogos.
Agora, trazendo o mesmo questionamento ao ambiente profissional do jogo, uma avaliação de resultados do trabalho realizado, somente a partir de vitórias, derrotas ou empates, pode trazer uma maquiagem que esconde a real qualidade daquilo que foi feito pela comissão técnica e jogadores. O jogo está longe de ser uma ciência exata, onde se terá a garantia de um resultado utilizando algum método ou proposta de jogo específica, as variantes em um jogo são inúmeras, a margem de erro na tentativa de se prever qualquer resultado é sempre muito alta. E não adianta perguntar: “Sendo assim, qual é a forma garantida para se conseguir as vitórias? ”. Caro leitor, até hoje, não se descobriu essa fórmula mágica.
Como então, dentro de um ambiente tão instável quanto um jogo de futebol, avaliar o desempenho positivo de uma equipe não somente por seus placares? A partir deste questionamento, alguns profissionais criaram um protocolo de análise de jogo que visa cruzar dados quantitativos com dados qualitativos e, a partir deles, encontrar parâmetros que sejam capazes de demonstrar a principal forma como uma equipe busca cumprir a lógica do jogo (conseguir fazer mais gols do que o seu adversário) e consequentemente sua estratégia primária naquela partida.
A partir deste protocolo, Eduardo Barros e eu, procuramos fazer uma análise sobre a final da última UEFA Champions League, cada um ficou encarregado de analisar uma das equipes e de buscar identificar o nível de intenção, ou não, de propor jogo por uma equipe. Seguem abaixo os dados coletados:
tabelaSaída de jogo = cruzar a linha de meio campo da defesa para o ataque; contra-ataque sofrido = somente os que o adversário conseguiu finalizar; Dribles e Passes = somente no campo de ataque; Chances Perdidas = situações reais de se fazer um gol; Chutão = realizar um passe longo colocando a bola em disputa com o adversário.
As análises destas equipes nos jogos que antecederam esta final nos trouxeram alguns padrões de ambas:
– Real Madrid teve maior quantidade de tempo de posse de bola e número de finalizações em todos estes jogos do que seus adversários.
– Atlético de Madrid teve maior quantidade de tempo de posse de bola e número de finalizações somente nos dois jogos das oitavas de final, nos 4 jogos seguintes (quartas e semifinal) teve índices menores que seus adversários nos dois parâmetros.
A partir disto, concebemos que na equipe do Real predomina a intenção de propor o jogo (buscar o gol adversário através de sua organização ofensiva). Enquanto que no Atlético esta intenção não é a predominante, este busca deixar o adversário propor o jogo a fim de contra-atacar após recuperar a posse da bola. Duas estratégias de jogo bem distintas que permitiam criar uma ideia do que seria a final. Sendo assim, prognósticos de um jogo em que a tendência era de um Real atacando contra o Atlético defendendo e contra-atacando, seriam a tendência do jogo que se seguiria.
Porém, o gol no início da partida final, fato que colocou o Real numa situação mais “confortável” e obrigou o Atlético a propor o jogo, estratégia que não havia adotado nos seus últimos jogos. Essa mudança de comportamento da equipe do Atlético deixou evidente algumas dificuldades de ambas as equipes:
Atlético de Madrid – Ficou nítida a dificuldade de adaptação da equipe ao fato de ter de propor o jogo, ainda com maior tempo de posse de bola, a equipe finalizou menos, teve menos a bola em seu ataque, criou menos chances de gol de que o adversário, teve dificuldades em progredir ao gol adversário, errou e forçou através de “chutões” as tentativas de saída de jogo, além de ter oferecido muitos contra-ataques que geraram finalização do Real. Após conseguir empatar o jogo e, principalmente, durante a prorrogação, a equipe voltou a sua estratégia principal, aumentando muito o índice de recuperações no campo de defesa, porém não conseguiu gerar risco através dos contra-ataques pois o Real buscava a recuperação imediata da bola.
Real Madrid – Entrou numa certa zona de conforto após conseguir o gol no início do jogo, não buscando mais ficar com a posse da bola e deixando que o adversário tentasse propor o jogo, buscou explorar os contra-ataques, porém, apresentou um alto índice de erros de saída de jogo, sendo assim não teve tanto êxito em contra-atacar. Após sofrer o empate e principalmente na prorrogação, voltou a sua estratégia principal, aumentou seu número de finalizações, posse e recuperação da posse no campo de ataque e chances de gol perdidas, ainda assim, não conseguiu marcar mais gols.
Apresentados estes dados e a breve descrição do padrão das equipes no jogo, mais o fato de que ambas (e principalmente o Real) possuem um alto orçamento para contratações, excelentes condições de treinamento e jogo, e que estavam no ápice de sua temporada, ficam algumas questões a nos atormentar:
– Como apresentam um número de erros de saída de jogo tão alto?
– Por que se utilizam tanto dos “chutões”?
– Mesmo ficando mais tempo atrás no placar e com maior posse de bola, como o Atlético conseguiu finalizar menos que o Real? Por que tanta dificuldade em propor o jogo?
– Por que o Real não conseguiu finalizar ao gol na maioria de suas tentativas de contra-ataque?
– Até que ponto uma equipe que tem por principal estratégia propor o jogo, deve abdicar dela após conseguir passar à frente no placar?
– Qual estratégia de jogo se adapta melhor à situação de sofrer ou fazer um gol logo no início da partida?
Aliado a estes dados quantitativos, há ainda a análise qualitativa do vídeo do jogo, e tudo isso deve ainda levar em conta a ideia de jogo do clube e do treinador, além das características dos jogadores que fazem parte do elenco.
Trouxe este exemplo de análise a fim de elucidar que ao se analisar o desempenho de uma equipe a partir somente de seus placares pode ser uma via perigosa e tendenciosa de avaliação, são muitas as variáveis a se considerar e aqueles que trabalham com o futebol não podem ter somente o “olhar do torcedor”. É necessário entender a fundo os motivos de vitórias e derrotas, seja nas equipes de base ou profissionais, do contrário, muitas decisões precipitadas podem ser tomadas gerando prejuízos futuros a todos.