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O medo de perder tira a vontade de ganhar?

O que aconteceu na última quarta-feira pela Liga dos Campeões da UEFA, segundo pesquisas sismológicas, gerou até uma espécie de mini-terremoto na região próxima ao estádio quando o Barcelona fez seu sexto gol. A emoção foi delirante quarta passada. E realmente, por tudo que aconteceu, deve ter gerado mesmo pequenos tremores, algo que é habitual em alguns shows de Rock. Olha, se acontecer um jogo em cada continente, no mesmo dia e no mesmo horário, com esse perfil, existe o risco de um terremoto de verdade acontecer. Coisas invisíveis do futebol.

Extraindo a brincadeira um pouco sem graça, virar uma eliminatória de Champions League, após ter perdido por quatros gols na primeira partida, não é tarefa tão simples assim. Novamente, méritos da Escola Barcelona, seus êxitos e suas reformulações adaptativas no decorrer dos anos. E foi uma noite de emoções a flor da pele para todos no Camp Nou, especialmente para a comissão e os jogadores que canalizaram toda cobrança do jogo anterior e transformaram em resiliência para o jogo seguinte. Algo impressionante mesmo.

Bem, ambas as equipes foram do céu ao inferno nessa eliminatória. Ninguém esperava o que aconteceu nem no primeiro e nem no segundo jogo. O futebol proporciona fatos realmente que poucos esperam. E analisar esses fatos antes ou depois de certa forma soa como fácil ou simplista.

Essa situação demonstra que o futebol vai muito além do que se pensa, enxerga, comenta e escreve sobre ele. Antes de qualquer aspecto, ele é dos jogadores, de suas capacidades e complementaridades, desconsiderando um pouco os estereótipos e jargões populares, conceituais e científicos que cercam esse fenômeno e o tornam engessado. E nesse último jogo, o brasileiro Neymar deu algumas provas disso.

https://www.youtube.com/watch?v=dFbY_oVpGOc

Mas o que aconteceu nesse jogo? Dia inspirado do Barcelona, fator mental positivo ou negativo do jogo passado, falhas individuais do PSG, erros do trio de arbitragem, magia imprevisível do jogo, entre outros. Tudo isso pode ter acontecido e aconteceu. Mas mais que isso, a equipe do Barcelona teve desde o jogo contra o Celta pelo Campeonato Espanhol uma mudança posicional-estrutural-funcional de alguns jogadores gerando novas interações, automaticamente nova estrutura e uma nova postura mental. Já a equipe do PSG, ao contrário, pareceu mais receosa que confiante após a brilhante vitória de 4 x 0, modificando algumas interações macro e meso-micro, enfraquecendo algumas relações vitais de seu jogo.

Modificações estruturais-funcionais do primeiro para o segundo jogo|Fonte: site alemão spielverlagerung.de
Modificações estruturais-funcionais do primeiro para o segundo jogo|Fonte: site alemão spielverlagerung.de

 
 
Claro, não é fácil e nunca será fácil jogar contra o Barcelona no Camp Nou. E os jogadores do PSG sabiam disso. Antes do jogo, num jantar recreativo, alguns jogadores bateram um papo informal sobre as expectativas do jogo. Falaram sobre os 20 primeiros minutos, sobre Naymar e seu 1 x 1, e que acreditavam que dessa vez passariam de fase pelo placar construído. Mas não conseguiram.

(Crédito: vídeo retirado da página pessoal de Vitor Sergio Rodrigues|Reprodução: Facebook)

Depois do fato consumado, fora do campo, fica muito mais fácil criar conspirações. E de tudo isso, uma grande reflexão pode ser levantada e idealizada por vários ângulos. Pegando apenas um ângulo, não criticando o treinador Unay Emery que faz um grande trabalho há anos no futebol e sabendo da dificuldade que é jogar contra o Barcelona, usando apenas o exemplo desse confronto, num geral como treinadores, temos que perceber que muitas vezes inibimos ou afloramos a capacidade dos jogadores com nossas escolhas.

Evidente que no futebol, especialmente profissional, os jogadores devem estar preparados para vários cenários. O grande problema persiste no conservadorismo habitual de algumas decisões em competições eliminatórias. Uma mudança de postura pelo resultado conseguido é algo que realmente garante o resultado posterior? O que realmente é ser estratégico?

Por mais que na maioria das vezes as mudanças são mais locais, feitas em linhas, zonas, jogadores e posturas, essas reestruturações de certa forma induzem a afobações cognitivas e especialmente mentais dependendo da sua constituição. E é aí que entra os fatores da barreira mental. E o futebol com medo, o medo de perder mais nítido. E isso corrompe um pouco as ideias e a capacidade de quem pratica.

E quem realmente deveria ter ficado assustado, com medo, era o Barcelona que estava numa situação adversa. Mas pareceu que o medo de perder o controle do resultado fez o PSG perder o controle dos jogadores e suas relações que foram fluidas no primeiro jogo. E isso paralisa, atrofia o jogar, a criatividade, o real valor dos jogadores e exclui todo um cenário que foi construído previamente com fulgentes boas conjunturas.

Para a torcida do PSG, que ficou do êxtase ao calvário em poucos dias, mais do que cair fora dessa forma, o que mais deve ter doído não foi perder, foi ver a equipe não jogar como viu no primeiro jogo e como os jogadores deixaram de expressar suas capacidades.

E esse jogo foi único no mundo inteiro com esse perfil? Aspectos como esse acontecem semanalmente no mundo inteiro, seja em partidas eliminatórias, em partidas únicas, dentro da história individual de um jogo, em jogos dos campeonatos de base e aconteceram bastante no passado.

Está nítido que o medo é como um iceberg, visível para todos, mas internamente, no âmago, nas entranhas, ele é realmente muito grande. A dignidade de jogar bem, de não ter medo, está cada vez mais extinta no futebol. É claro: e se o PGS do primeiro jogo fosse o mesmo no segundo, o que aconteceria? Não existe essa possibilidade, será? E o jogo já estava 4 x 0. Foi salto alto? O lado imprevisível do jogo? A qualidade supersônica do Barcelona? Ou simplesmente o medo? O que é realmente ter medo? O medo de perder tira a vontade de ganhar? O Barcelona eclipsou o medo e novamente vai buscar seu lugar ao sol.

Abraços e até a próxima quarta!

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A fantástica fábrica de jogadores

Dizer que o Sporting Clube de Portugal hoje é a terceira força do futebol português, atrás de Benfica e Porto, não é mentira. Os resultados dentro de campo realmente estão abaixo dos seus rivais. Das dezoito vezes que sagrou-se campeão do Campeonato Português, somente um título ocorreu nesse século.

O clube já dominou o cenário do futebol português, com o seu auge ocorrendo entre as décadas de 1930 a 1950, quando conquistou incríveis treze títulos do campeonato nacional. Nessa época, era o Sporting quem olhava para os seus rivais pelo retrovisor.

A força do clube é predominantemente nacional, sem grandes conquistas fora de seu território. Apesar disso, ostenta um vice-campeonato da Liga Europa na temporada 2004/05 e um título do que foi a antiga Recopa Europeia na temporada 1963/64.

O que realmente chama a atenção do Sporting para os olhos da Europa e do mundo é a competência em formar grandes jogadores. O clube orgulha-se de ser, ao lado do Ajax da Holanda, um dos únicos clubes a formar dois jogadores vencedores da Bola de Ouro, premiação de melhor jogador realizada anualmente. Foi de lá que saíram Luís Figo e a superestrela Cristiano Ronaldo.

Escola Academia Sporting| Fonte: supersporting.net
Escola Academia Sporting| Fonte: supersporting.net

O sucesso da Academia Sporting não é fruto do acaso. Anualmente, são investidos cerca de € 5 milhões na formação de jovens atletas, com uma metodologia de treinamento e desenvolvimento criada de forma bastante técnica e planejada. O Barcelona, por exemplo, investe cerca de € 20 milhões ao ano para La Masia, a sua base de formação.

Em uma década, colocou mais de 30 jogadores na equipe profissional e fornece, em média, 7 jogadores para cada uma das seleções nacionais de base. Números que representam um pouco da magnitude de seu projeto.

Essa formação não rende frutos somente ao Sporting, mas para o futebol mundial. Não é possível afirmar que jogadores do calibre de Luís Figo, Paulo Futre, Nani, e, especialmente, Cristiano Ronaldo, tenham construído carreiras de sucesso somente por causa da Academia Sporting, mas podemos sim dar a certeza que a contribuição foi fundamental.

Se olharmos para a seleção portuguesa, podemos entender claramente a representatividade do Sporting. É o clube que mais cedeu jogadores à seleção nacional em fases finais da Copa do Mundo FIFA, totalizando 26 jogadores. Na seleção que conquistou o inédito título da Europa no passado, 10 dos 23 jogadores foram formados no Sporting. Número impressionante!

Se, por um lado, o clube ainda não alcançou o topo do futebol europeu com conquistas de campeonatos de grande expressão na Europa, por outro construiu uma sólida marca vencedora ao criar grandes atletas que são protagonistas no futebol mundial.

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Se conselho fosse bom…

Acreditamos que podemos viver nossos objetivos e sonhos, bem como todo e qualquer atleta que sonha em ser profissional. Mas será que sabemos realizar nossas escolhas de maneira genuína ou esperamos por facilidades que possam nos colocar em situação de vantagem na busca pela melhor performance esportiva?

Sabem, estive lendo recentemente um livro escrito por Mario Sérgio Cortella, chamado Não Espere pelo Epitáfio, e refleti sobre como podemos estar, eventualmente, privando os atletas de fazerem as suas próprias escolhas de vida e carreira profissional. É isso mesmo, por mais estranho que pareça, muitas vezes acreditamos que os conselhos dos demais envolvidos na vida do atleta, são por si só, os insumos mais importantes quando falamos das escolhas de carreira e orientação profissional.

Penso que, apesar de ser um ponto que pode gerar divergências de interpretações, ampliar a capacidade do atleta em realizar boas escolhas conforme seus próprios objetivos de vida e carreira, deve ser o principal foco daqueles que militam na gestão das carreiras esportivas. Agora, sabemos porque isso poderia ser desta forma e como isso funciona na mente do atleta?

Sendo bem objetivo nesta reflexão, podemos nos basear no conhecimento que temos sobre as respostas aos nossos desafios ou questionamentos, serem mais genuínas quando vem de cada um de nós, ou seja, do próprio atleta.

Toda vez que somos postos a prova ou nos percebemos frente a um desafio, ter uma opinião externa a respeito deste contexto não garante sucesso na execução do seu movimento. Saber sobre os perigos ou eventuais riscos é saudável e muito importante, mas se basear apenas nessa informação é dispensar uma série de outras variáveis que o atleta só conhecerá vivenciando as situações de desafio e tomando suas decisões conforme sua maturidade do momento. Penso que privarmos os atletas do aprendizado que só a vivência irá proporcionar, é reduzir a capacidade de aprendizado, o desenvolvimento emocional e consequentemente o seu desempenho profissional.

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Reforço que o ato de direcionar, orientar, alertar e outras ações do tipo, são importantes, mas de forma alguma devemos negligenciar nosso papel de formadores de cidadãos, para os quais acreditamos que a capacidade de fazer escolhas e de colecionar aprendizados deve ser o grande alvo de nossas ações de desenvolvimento. Construir um atleta maduro, que responda emocionalmente aos grandes desafios da carreira se faz com toda coleção de ações positivas, inclusive os conselhos e orientações, mas é importante não deixarmos com que apenas estas influências sejam as mais importantes para os atletas.

Acredito que eles podem evoluir para um nível elevado de maturidade de aprendizado e decisão, para que possam ser independentes emocionalmente das suas principais referências de sua formação quanto atleta de futebol profissional.

E você amigo leitor, acredita que podemos colaborar para que nossos atletas sejam cada vez mais maduros e promissores?

Até a próxima.

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A opinião de treinadores sobre a formação de jogadores

O tema formação de jogadores vem nos últimos anos despertando reflexões constantes a todos profissionais. Formar é uma palavra que carrega fortes significados. Também, ao mesmo tempo, abre um leque para diversas interpretações. O que é realmente formar? Há um modelo único e mirabolante para formar jogadores? Os jogadores podem ser formados em séries feito indústrias? Se ensina ou se aprende na formação? Se forma ou se deforma?

A diferença cultural de cada região, a forma como se olha para a vitória, a forma de jogar do clube, a forma de jogar que o treinador quer, o perfil de captação, os critérios de dispensa, o uso de um padrão ou não metodológico uniformizado para todas as categorias, o perfil dos jogadores, períodos de desenvolvimento, indicadores evolutivos; vários são os fatores que influenciam na construção do jogador, todos importantes. Mas o que é mais importante realmente?

Esses aspectos, até certo ponto, criam várias escolas formativas distintas. E há dilemas em cima disso: formar por formar? Formar para o clube? Formar para o mundo do negócio? Ou formar para o jogo?

Será que entender o jogo de maneira rica e variável não abarcaria todas essas possibilidades acima abrindo o leque?

É aí que entra o treinador, que é simplesmente um facilitador. A liberdade para os jogadores interagirem, o poder intrínseco camuflado de sua atuação, suas competências evolutivas, seus desafios diários, a forma de transmitir a paixão pelo jogo em cada exercício, a exigência diária e a sensibilidade formativa, marcam os jogadores, mais que muitos traços culturais, metodológicos ou filosofias sagradas tidas como manuais formativos.

Por isso, nada melhor que ouvir a opinião de 4 treinadores que trabalham com futebol formativo para ajudar entender a complexidade desse conceito:

“Quando se fala em futebol de base ou de qualquer outro processo específico de formação desportiva é falar de um conjunto de fatores, complexos, que podem assumir diferentes ângulos de visão e entendimento por parte de diferentes agentes. O treinador Português Carlos Queiroz fala que o futebol de base é fundamentalmente falar do futebol de amanhã. Se formos partir desse princípio no qual também acredito, se queremos para “amanhã” um futebol evoluído,  em constante aperfeiçoamento, com melhores jogadores, melhores equipes e melhores resultados, precisamos começar um trabalho “hoje”, porém sempre pensando à longo prazo”. (Fernando Gil, treinador da equipe Sub 20 e Auxiliar do Profissional do Tubarão)

“A base deve desenvolver o atleta de forma que, o mesmo tenha autonomia dentro do contexto do jogo, através das melhores escolhas e respostas, que aquele instante/momento exija. Potencializar a técnica, tática individual e coletiva, como um todo (sistêmica) e não em partes, esses são pontos essenciais ao meu ver no processo de formação de jovens atletas”. (Fabio Matias, treinador da equipe Sub 17 do Internacional)

“Penso que na formação devemos, usando diversos recursos didáticos diferentes, buscar que o atleta conheça o jogo de futebol em profundidade, as suas possibilidades, vantagens, a lógica e que desenvolva confiança e criatividade para experimentar e buscar soluções para os problemas. É fundamental desenvolver os recursos técnicos e motores, que são as ferramentas do jogo, mas contextualizadas de forma a dar independência para o atleta. A velocidade nas ações e nas decisões são tão importantes quanto à qualidade delas. A educação e o caráter também são indispensáveis, pois antes do jogador lidamos com a pessoa”. (Gustavo Nabinger, treinador da equipe Sub 15 da Ponte Preta)

“O mais importante na formação de jovens jogadores não é o ensino intelectual, relacionado com a lógica e a razão, mas sim o ensino emocional, o que afeta as nossas emoções. A lógica e a razão vêm depois para explicar ou justificar o que as emoções expressam livremente. Dizia Johan Huizinga que “o jogo é anterior a cultura”. Em minha opinião, o importante na formação de jovens jogadores é a liberdade, entendida desde o amor que surge quando não há limites, quando se aceita una convivência igual entre todos no processo”. (Kevin Vidaña, treinador Espanhol)

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As diferenças de conceito são nítidas, e isso é bom. A unanimidade sempre obscurece a natureza desse mundo diverso e singular. Cada contexto e cada momento exigem possibilidades distintas ao longo de um processo.

A formação, num contexto geral, está muito condicionada a ideias artificiais e mecanizada, negligenciando o fato que todos os jogadores possuem capacidades diferentes. Todos são diferentes, e o jogo demonstra diferenças, simplesmente. Então não adianta ser especialista ou generalista se não se perceber “a natureza natural do processo”.

Será que a formação formal e feita por conceitos sofisticados com abuso de recursos não tira a natureza interativa dos jogadores com o jogo e seus companheiros?

Frade fala que “a formação deve estar balizada por uma determinada qualidade que é o jogar futebol e, se o futebol for rico, tiver uma visão rica, tem invariância e tem diversidade”.

É claro, cada processo tem a sua riqueza potencial, mas muitas vezes a maior riqueza está na aparente pobreza que é jogar o jogo sem adornos, se reconhecer dentro dele e interagir dentro dele.

É, os treinadores não jogam mas podem fazer jogar para um melhor formar.

Afinal, o que é realmente formação de treinadores?

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FC Porto – tão bom quanto o vinho

Na semana passada, escrevi sobre a força da marca Benfica, que extrapolou as fronteiras de Portugal com as suas conquistas, em homenagem ao aniversário do clube. O texto da coluna de hoje e da próxima semana serão sobre os outros dois principais clubes do país, o Futebol Clube do Porto e o Sporting Clube de Portugal. Juntos, os Três Grandes, como são chamados, dominam o futebol português e construíram a imagem do país mundo afora.

O FC Porto é o principal clube do Norte de Portugal e pertence a uma das cidades mais bonitas da Europa, eleita por alguns anos como o melhor destino do continente e conhecida mundialmente pelo vinho que leva o seu nome produzido às margens do Rio Douro.

Dentro das quatro linhas, o FC Porto dominou o futebol português nas últimas três décadas. Durante os últimos 30 campeonatos portugueses, terminou como campeão em 18 temporadas, o dobro do seu grande rival Benfica. Além disso, conquistou as suas maiores glórias nesse período, ao ser duas vezes campeão da UEFA Champions League e duas vezes da Liga Europa da UEFA, além das duas Taças Intercontinentais conquistadas no Japão. São feitos enormes para o momento atual do futebol mundial, onde rivalizar com os bilionários ingleses, alemães, espanhóis, franceses e italianos torna-se cada vez mais difícil.

Apesar de ter uma população relativamente pequena para uma grande cidade, com 1,7 milhões de habitantes em sua área metropolitana, o FC Porto possui cerca de 3 milhões de torcedores, pois extrapola a sua região e conquista corações por todo o país e também em outros territórios.

Mesmo com uma torcida menor em comparação ao Benfica, o FC Porto é o clube português com maior número de seguidores nas redes sociais, com mais de 5,5 milhões na soma do Facebook + Twitter + Instagram. Somente no Facebook, são 4 milhões de seguidores, contra 3,5 milhões do Benfica e 2,5 milhões do Sporting. É interessante entender que esse predomínio de seguidores do clube ocorre fora de Portugal, liderando em regiões como Europa, Ásia, África, América do Norte e América do Sul, inclusive aqui no Brasil. O Porto é, portanto, a grande referência das navegações virtuais portuguesas nos dias atuais.

Um outro fator relevante sobre o potencial de marca do FC Porto está no sucesso obtido com a transferência de jogadores. A política de comprar jogadores por valores baixos prioritariamente em mercados sul-americanos e depois vender por cifras astronômicas para gigantes europeus tem sido uma prática recorrente desde o início do século. Nesse período, calcula-se que o clube já tenha negociado mais de €600 milhões em jogadores, sendo que metade desse valor envolve jogadores brasileiros.

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A rivalidade entre Lisboa e Porto pode ser comparada, com as devidas ressalvas, ao que ocorre na Espanha entre Madrid e Barcelona. É só conversar com algum nativo dessas cidades para ver as “vantagens” e “desvantagens” contadas por cada lado. E, obviamente, o futebol acirra e alimenta essa disputa. Ano após ano, um busca ser melhor do que o outro e o reflexo disso está no respeito que os clubes portugueses conquistaram por toda a Europa.

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Como começar a construir um time

A discussão é recorrente, mas o início da temporada 2017 colocou o tema novamente no centro dos holofotes. Existe uma dicotomia extremamente marcada entre Fabio Carille, inexperiente treinador que assumiu o Corinthians, e Rogério Ceni, comandante neófito do São Paulo. Os dois mostram que o trabalho de construção de uma equipe de futebol pode começar de diferentes maneiras. Mas quais são as consequências disso, afinal?

Carille optou por um caminho mais conservador. Alicerçou o Corinthians na segurança defensiva e fez isso a partir de uma formação tática que já havia funcionado com Tite, atual comandante da seleção brasileira e treinador mais vitorioso da história recente no time alvinegro. Moldou um time que se movimenta de forma mais previsível e que anota poucos gols, mas tem a melhor campanha do Estadual e já venceu dois clássicos (contra Palmeiras e Santos).

A proposta de Ceni é radicalmente oposta. O ex-goleiro tem construído o São Paulo a partir de movimentações mais fluídas. Jogadores como Rodrigo Caio, Cícero e Buffarini alternam posições durante as partidas, e a equipe muitas vezes tem dinâmicas diferentes de acordo com a necessidade mais urgente. Isso influencia a saída de bola, a construção e o encaixe de marcação, por exemplo. Resultado: o time marca muitos gols, mas também tem uma defesa instável.

O São Paulo de Ceni está longe de ser problemático. É líder do Campeonato Paulista, avançou na Copa do Brasil e tem conseguido estabilidade de resultados a despeito de usar um elenco recheado de garotos. No entanto, e nesse ponto a comparação com o Corinthians é cruel demais, o desempenho é menos regular do que o registrado pelo rival alvinegro.

O Corinthians de Carille é seguro e parece estar sempre distante de uma derrota, mas também dá impressão de estar constantemente longe de vencer. No São Paulo de Ceni acontece o inverso: o time está sempre perto de triunfar, mas vive em constante flerte com os resultados negativos.

A primeira questão advinda dessa oposição é sobre caminhos: Carille e Ceni demonstram que há diferentes abordagens possíveis para a construção de um time e que ambas podem ter percalços e/ou sucesso. É fundamental não cobrar que ambos se balizem por um senso comum e que se mantenham fiéis ao que escolheram, mas isso também depende da convicção de suas diretorias.

Aí entra outro aspecto relacionado à dicotomia entre os treinadores: Corinthians e São Paulo sabem o que querem para esta temporada? Sabem aonde pretendem chegar e estabeleceram parâmetros de desempenho que sejam mais palatáveis do que “conquistar títulos”? Os técnicos receberam essas projeções e participaram de um desenho de planejamento anual?

Nos dois casos, a escolha do treinador tem relação aberta com o contexto político. Rogério Ceni é um ídolo, talvez o maior da história do São Paulo, e a contratação dele é uma espécie de escudo para Carlos Augusto Barros e Silva, o Leco, atual presidente e candidato à reeleição – o pleito está agendado para abril. No Corinthians, o mandatário Roberto de Andrade tinha um risco considerável de sofrer um processo de impeachment quando escolheu Carille. Era uma solução menos arriscada, com menos rejeição e substituição mais tranquila – se fosse necessária, é claro.

As posturas dos dois treinadores também têm relação com o contexto, é claro. Carille sabe que goza de menos estabilidade no Corinthians e que precisa acumular bons resultados para se segurar no cargo. Ceni entende o quanto é ídolo e o quanto a candidatura de Leco depende dele. Por isso, tem mais espaço para ousar.

Entender o contexto político e como os treinadores se relacionam com isso é fundamental para qualquer avaliação sobre Carille e Ceni. Saber o que os times estipularam como meta também é fundamental nesse processo.

Entretanto, há muita pressa para colar rótulos nos dois treinadores. Carille não é necessariamente um profissional com postura defensivista, e nem Ceni é obrigatoriamente um inovador defensor do futebol ofensivo. Ambos estão trabalhando, buscando estabilidade, mas escolheram caminhos diferentes para começar isso.

E os dois times? Em que Corinthians e São Paulo têm contribuído para construir ambientes favoráveis a seus treinadores? Como os dois têm trabalhado para que o caminho iniciado por seus novos comandantes os levem ao objetivo determinado?

A pergunta pode abarcar diferentes áreas das duas equipes, mas é impossível dissociar a comunicação do processo. Corinthians e São Paulo começaram 2017 com rotas diferentes, mas até aqui fizeram pouco para explicar isso a seus torcedores. Corinthians e São Paulo escolheram essas rotas por motivos diferentes, mas tampouco têm posicionado o público sobre o contexto.

Se essa passividade persistir, os dois times paulistas seguirão dependendo de bons resultados para que os caminhos escolhidos por seus treinadores continuem. É uma linha muito tênue e denota pouca convicção. Mesmo para quem começou bem.

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Desvendando a comunicação além das palavras

Hoje em dia, se faz muito valioso que os treinadores consigam aprender sobre o elenco que possuem em mãos, de maneira cada vez mais rápida. Isso pode ser fundamental para que ele tenha a consciência sobre quais são os perfis de atletas que possui e com isso poder liderar o time na direção de seus propósitos. Mas como ser mais assertivo nessa leitura inicial, dos primeiros períodos de trabalho?! Isso é um baita desafio…

Uma sugestão é que o treinador possa desenvolver a sua capacidade de compreender a linguagem corporal de seus atletas!

Ser um bom leitor corporal pode tornar um treinador mais consciente e atento para as tentativas de persuasão, dissimulação e em alguns casos dominação, por parte de outras pessoas. Além disso traz uma grande oportunidade de autoconhecimento para o treinador, tornando-o mais sensível com as emoções e os sentimentos alheios.

Mas como um treinador pode progredir nesse sentido? Uma boa dica é reservar pelo menos cinco minutos diários para apreciar e estudar a linguagem corporal de outras pessoas e com isso adquirir consciência de seus próprios gestos. Isso pode ser feito em diversos locais, preferencialmente onde as pessoas se encontram e interagem, como aeroportos, onde demonstram ansiedade, raiva, tristeza, alegria, impaciência e assim por diante.

Ok, o treinador pode observar as pessoas e com isso adquirir a capacidade de ler os seus atletas. Mas só isso basta? Não! Ele pode compreender algumas maneiras adicionais para identificar olhares, posturas, apertos de mãos e até sorrisos para ampliar significativamente sua capacidade de leitura do outro.

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Falando nisso, vou compartilhar uma boa dica para situações em que o treinador chega a um novo ambiente de trabalho: a capacidade de sorrir e fazer sorrir!

É valioso sabermos que um sorriso é inegavelmente contagiante. Uma pesquisa realizada pelo professor Ufl Dimberg, da Universidade de Upsala, Suécia, revela que o inconsciente exerce controle direto sobre os nossos músculos faciais. Isso endossa a importância de sorrir como parte da sua linguagem corporal, uma vez que isso causa resposta positiva do outro. O cuidado é saber que existem diversos tipos de sorrisos e o treinador deve ter a consciência de que um sorriso falso, proporciona a mesma expressão no outro. Isso posto, não se deve esperar a construção de ambientes de confiança com utilização deste tipo de sorriso como técnica de linguagem corporal.

Complementando, o riso pode sim ser levado mais a sério, pois quando sorrimos ou rimos genuinamente, isso causa um surto de atividade elétrica em uma parte do cérebro chamada “zona feliz” no hemisfério esquerdo do nosso cérebro. A produção deliberada de sorrisos e risadas aproxima a atividade cerebral da felicidade espontânea.

Com isso podemos considerar que realmente o humor cura! É isso mesmo, cura, pois o riso estimula a produção de endorfinas que ajudam a aliviar o estresse e em alguns casos a curar doenças.

Assim, amigo leitor, podemos concluir, que existem inúmeros benefícios de conhecermos a linguagem corporal, pois cada vez mais estamos num universo controlado pela tecnologia em substituição ao contato pessoal. Nesse cenário, cada momento de contato pessoal deve ser aproveitado ao máximo, para uma melhor compreensão das emoções e sentimentos das pessoas com as quais nos relacionamos. E imagina se isso não seria valioso para um treinador de futebol profissional?! Eu acredito que sim… e você?

Até a próxima.

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Brasil: o país do futebol arte?

Olá, caro leitor! Após um período de férias, de maior dedicação do tempo à família e também de capacitação (curso da Licença B da CBF), retorno a este espaço para que sigamos trocando ideias e evoluindo, sempre no intuito de ampliar e contribuir com a “transformação pelo conhecimento”.

Neste período ausente dos treinos, pude ficar um pouco mais atento às notícias do mundo da bola nos diversos formatos de mídia, tive um pouco mais de tempo para assistir jogos, conversar com outros profissionais e, em especial, no curso da CBF, discutir métodos de treino… E nesse tempo, a partir destas vivências, um questionamento ganhou mais força em mim: o Brasil continua mesmo sendo o país do futebol arte?

O futebol tupiniquim é mundialmente reconhecido pela sua forma alegre, bonita, agradável e ofensiva de se jogar. Didi, Garrincha, Pelé, Zico, Romário, Ronaldo, Ronaldinho, Robinho, Neymar, entre tantos outros jogadores brasileiros são idolatrados por seus belos dribles e gols. Seleções como as de 70 e 82, as duplas Romário e Bebeto e “Ro-Ro”, o “quadrado mágico”, equipes como o Flamengo de 81, o São Paulo de Telê, o Santos de tantos anos e jogadores… As lembranças que essas equipes e atletas remontam são de um futebol vistoso, ofensivo, de muitos dribles e gols. Características marcantes de nossa forma de jogar e que também sempre encantaram o torcedor brasileiro.

Dentro destas experiências que tive em minhas férias, pude notar um forte pensamento que desassocia o “jogar bonito” do resultado, o que percebi é que muitos entendem que estas coisas são antagônicas e, se não declaram isso, a expressão de suas ideias de jogo/treino traduz isso. Será mesmo que para vencer é necessário abdicar de jogar? De buscar um jogo ofensivo, bonito, que condiz com a história de nosso país no futebol?

Infelizmente, em contraponto a nossa cultura e história de um futebol arte, existe também, a cultura do resultado, parece que só é bom aquele que vence. As análises são pautadas principalmente nos placares dos jogos, se fulano venceu faz um bom trabalho, se perdeu, não faz. A análise é muito rasa, com parâmetros que pouco traduzem a qualidade do futebol apresentado (falei um pouco disso na coluna: O que são “bons resultados”?) e que, muitas vezes, não vão de encontro à cultura do futebol brasileiro.

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Recentemente, pude acompanhar duras críticas à equipe do Audax (equipe da primeira divisão paulista), que ganhou notoriedade por sua característica de priorizar um futebol ofensivo, buscando envolver o adversário através das constantes trocas de passes e movimentações de seus jogadores. Após a boa campanha na série A1 do Paulista de 2016, a equipe não obteve os mesmos resultados representando o Oeste de Itápolis na série B do Brasileiro (em parceria com o Oeste de Itápolis, comissão e jogadores do Audax disputaram a competição), além disso, está tendo dificuldades no início do Paulista deste ano e foram eliminados da Copa do Brasil. Porém acompanhando alguns jogos da equipe, tanto na série B do ano passado, como no Paulista deste ano, percebe-se que a ideia de jogo ofensivo permanece. Nesta semana, acompanhei a partida entre Brusque e Corinthians pela Copa do Brasil, tive a feliz surpresa de ver a modesta equipe catarinense com uma proposta de jogo ofensiva, buscando construir as jogadas por meio de um jogo apoiado e criando muitas situações de risco para a equipe do Corinthians.

Duas equipes com orçamentos modestos, de pouca expressão no cenário nacional, mas que não se acomodam em um jogo de “fechadinho e contra”, que buscam agredir o adversário, que buscam o objetivo máximo do jogo (o gol!) de forma prioritária. Os mais ávidos por analisar placares, rapidamente irão dizer: “fizeram isso e perderam”. Concordo, porém, inúmeras equipes que optam em se defender prioritariamente, também perdem! Futebol não é uma conta exata: “faça isso e vença”, “não faça e perca”; os fatores que determinam o placar do jogo são muitos e também extrapolam as quatro linhas, não é tão simples de se mensurar.

 Sendo assim, por que se escolhe um jogo menos condizente com nossa cultura, pobre ofensivamente, ao invés de um jogo que tenha a busca pelo gol como prioridade, que possua maior harmonia com a nossa cultura de futebol?

“É mais fácil destruir que construir.”

Esse provérbio português diz uma grande verdade. Um prédio pode levar meses, até anos para ser construído, são necessárias pessoas altamente capacitadas para levantá-lo, mas em questão de segundos, e por alguém simplesmente mal intencionado, pode ser colocado abaixo. Construir uma equipe que pratique o nosso futebol arte, que priorize um jogo ofensivo, um jogo que encha os olhos do torcedor brasileiro, requer conhecimento, tempo e muito trabalho, e claro, bons jogadores também (mas diferente do que muitos pensam, não só eles, são inúmeras as experiências de times que possuíam excelentes jogadores em seus elencos e mesmo assim nada conquistaram), mas será que essa cultura de se analisar somente os placares dos jogos está contribuindo ou indo contra a história do futebol brasileiro?

Não estou aqui buscando uma utopia! É claro que vencer se faz necessário! As vitórias são muito importantes! Também é o que os torcedores, dirigentes, jogadores e comunidade do futebol busca. Mas por que buscam desassociar a ideia de jogar um futebol bonito da ideia de jogar um futebol competitivo e vencedor? Por que querem colocar estas ideias em lados opostos?

Será que na ânsia por placares positivos, na errônea e simplista associação de placar com qualidade, não se começou a dar muito mais ênfase em destruir do que construir? Vejo equipes bem estruturadas, compactas, linhas de marcação bem definidas, engajamento defensivo de todos, e tudo isso é muito bom! Porém, quando precisam propor o jogo, não possuem uma ideia definida, não há a participação efetiva de todos, e ficam à mercê de lampejos individuais de seus jogadores. Por que não pode haver um equilíbrio maior nisso?

Por que, sendo brasileiros e conhecendo nosso histórico, não ousar mais em atacar? Será que essa cultura de se analisar somente placares não vem minando nosso histórico de grandes jogadores, equipes memoráveis, dos artistas da bola? Todos os anos a FIFA realiza um evento onde premia os melhores do mundo do futebol (não necessariamente os que venceram mais) e uma das premiações vai para a seleção dos 11 melhores jogadores em cada posição, estes são eleitos por treinadores, jogadores e jornalistas. Nos últimos dez anos tivemos somente 3 jogadores de ataque eleitos, Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Neymar, e passamos um período de 6 anos sem nenhum jogador de ataque sendo eleito. Será que não estamos deixando um pouco de lado a nossa cultura de futebol arte? E já aqui refutei o argumento de que não tenhamos mais tão bons jogadores como antes (falei sobre isso na coluna “Crise técnica do futebol brasileiro”).

Caro leitor, não estou aqui dizendo que devamos ser todos irresponsáveis, esquecer de se defender e somente atacar, não é isso. Mas meu questionamento é: quanto nossas equipes têm evoluído ofensivamente? É notória nossa evolução defensiva, mas será que não temos perdido o protagonismo ofensivo que historicamente sempre foi nosso?

Aguardo sua opinião. Até a próxima!

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Micale, Ranieri e o resultadismo

É visível que o famigerado mundo moderno exige cada vez mais conquistas, êxitos e vitórias. Ganhar passou a ser sintoma de sobrevivência. E há diversas formas de ganhar, todas com suas particularidades que devem ser respeitadas. Mas nessa época, o que mais se tem aceitado é apenas ganhar, quase sempre sem saber o percurso construído para a vitória.

E no futebol isso fica escancarado. Há um choque entre os que querem construir um percurso para ganhar versus os que querem ganhar de qualquer forma e se viciam pela vitória mesmo sem ter nunca ganhado algo realmente. Para esses, ganhar basta para amenizar a tensão, não importa como, e se a vitória não acontecer, o mundo acaba, desaba e um terremoto com perspectiva de tsunami acontece até o próximo embate.

Nós como treinadores temos que nos acostumar com esse cenário, pois estamos no futebol para vencer, correto? Não podemos ser hipócritas ao ponto de desconsiderar a importância da vitória e do sustento anímico geral que ela proporciona. A questão fulcral é perceber que além da vitória visível a todos, existem outros níveis de vitórias quando um verdadeiro processo é construído, e o resultado final fica mais nítido, mais robusto. Mais que isso, apenas uma equipe pode ser campeã, mas várias podem atingir objetivos traçados que vão além do resultadismo momentâneo. Também se o processo for sustentado por uma lógica coletiva, nos momentos de dificuldade, a ideia tem a tendência de fortalecer.

Já virou praxe ver noticiários toda semana, e às vezes todos os dias, sobre treinadores destituídos de suas equipes sem eles mesmos saberem o motivo. E no meio desse enredo, semana passada dois treinadores saíram de suas equipes. Não sei se seria de forma injusta, mas desprezando um pouco o passado recente de êxitos expressivos; e foi de grandes êxitos, sim. No futebol existe lembrança? Micale e Ranieri levaram suas equipes a conquistas inéditas com duas formas de jogar distintas, com ideias e identidade, e olha o que aconteceu!

Menos de um ano depois ambos saíram de suas equipes. Micale com outros jogadores, outra categoria, necessitando criar uma identidade em pouco tempo. Ranieri com a mesma equipe, com alguns novos jogadores, carecendo reforçar e ajustar a identidade de jogo numa selva feroz que é a Premier League. Algo normal para o mundo do futebol e suas saídas. Mas a questão é que os dois vinham construindo processos interessantes, e como todos sabem, quando os resultados visíveis demoram um pouco, o caminho da rua é a melhor alternativa.

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Menotti, ex treinador e um sábio do futebol, numa entrevista sobre a equipe do Barcelona, disse algumas palavras interessantes para contextualizar um pouco isso:

“Quando o resultado não vem porque se perdeu a forma de jogar, se produz mais tristeza e maior desconcerto. E o único caminho possível é voltar ao início e reforçar a ideia”. 

Mas eles, como muitos treinadores, não conseguiram voltar e reforçar a ideia, por que a obviedade aconteceu. No futebol, não existe passado, memória e paciência. Todo treinador é descartável. Os diretivos, na sua grande maioria, com pouco preparo para gerir a derrota, preferem trocar os treinadores como trocam de marcas de carro, ao invés de redesenhar planos e objetivos. É claro, há fatores que são incontroláveis para um treinador no decorrer do processo, mas quase todos, na sua grande maioria, podem ser simplesmente reajustados. Mas ele, o resultado, seu dogmatismo, independentemente de como foi sua história, afeta demasiadamente as pessoas, especialmente se não tiver uma ideia comum entre todos pertencentes ao processo. E é isso que falta: comunicação, interação e ideias conjuntas.

Tal tendência, muito por conta dos fatos feitos, pré-fabricados pelos diretivos, imprensa e torcida, influenciam os treinadores pela luta diária para se manter empregados. Ganhar e ganhar e ponto final, com ideias ou sem ideias. No fim, esse temor faz poucos treinadores influentes e muitos influenciados pelo sistema.

Duvidar da vitória e da derrota, aprender em todos instantes, poucos sabem o que é isso. Nada pode substituir o lento e duro processo de trabalho. Mas quando não se sabe o que é processo, o que fazer?

O treinador de basquete do Valencia, Pedro Martínez Sánchez, na roda de imprensa após perder o título da Copa do Rei para o Real Madrid, disse algo interessante para refletirmos:

“Perdemos sendo fieis ao que queremos ser, a como treinamos e a como jogamos. Então eu prefiro se perder, perder assim, pois não adianta ganhar fazendo coisas que não servem para sermos melhores. E esse é o caminho”.

“Tudo se valoriza em função do resultado e eu entendo. Eu sei há muitos anos que quando se ganha tudo é maravilhoso e quando se perde não tanto. É assim. Porém há nível interno, de vestiário, eu creio que temos que lembrar algumas coisas. Estamos numa boa linha, temos que pensar em o que melhorar para a próxima vez estarmos um pouco melhor preparados, não muito melhor, só um pouquinho. Isso pode ser suficiente e passa pelo trabalho do dia a dia e por não entrar em pânico, por não desanimar”. 

Em uma de suas várias mensagens significativas nesse aspecto, Bilesa também numa roda de imprensa deixou um recado:

“Não permitam que o fracasso deteriore a autoestima. Quando ganha, a mensagem de admiração é tão confusa, estimula tanto o amor para você mesmo que te deforma. E quando perde, acontece o contrário, há uma tendência murchosa, sem prestígio, que te ofende, só porque perde. Em qualquer tarefa se pode ganhar ou perder, o importante está na nobreza dos recursos utilizados, isso sim é o importante; o importante é o trânsito, a dignidade com que recorre o caminho na busca do objetivo. O outro é história para vendermos uma realidade que não é a tal”

“Isso será por que Bielsa entende que ganhar nem sempre é dar a volta olímpica. Seu triunfo passa por manter vivo seu orgulho, seu procedimento, mais que sair em um pôster de campeão”, disse Marcelo Sotille em um de seus artigos sobre Bielsa.

Nada mais claro nas palavras de Oscar Cano treinador Espanhol:

“Como gostaria que alguma vez falássemos bem de quem não ganha, e que deixemos de inventar capacidades a quem obtém a vitória”.

No fim, algumas reflexões para fechar:

Micale e Ranieri foram vitoriosos, mas agora não são mais?

Eles não serão os primeiros e nem os últimos a vivenciarem isso, correto?

Seja para os resultadistas ou para os idealistas, o futebol é resultado, não é?

Essa é a realidade do futebol?

Cada um tem sua visão de futebol, não podemos mudar, mas o que avaliar no resultado realmente?

Respeito e ideais, palavras cada vez mais órfãs nesse meio, como a derrota, correto Micale e Ranieri?

Abraços e até a próxima!