Categorias
Colunas

O sensacionalismo do futebol e a construção do imaginário coletivo do treinador

Fico cada vez mais impressionado com a capacidade que temos de construir e destruir episódios em questão de dias, de horas ou minutos. Pré-julgamos fatos e chegamos a um consenso coletivo com pouco suporte reflexivo para verdadeiramente entender as particularidades dos acontecimentos.

O futebol em geral tem experimentado fatos circulares, efeitos cíclicos, observações unilaterais que apenas olham para o abstrato, para o denominador final sem propriedade aguçada. A falta de fidedignidade contextual e conhecimento específico é desmedida.

Algumas pessoas emitem opiniões tendenciosas, momentâneas e desarticuladas, onde a irracionalidade toma conta, o calor do momento fala mais alto, contagiando pessoas, grupos e até mesmo o imaginário de outros que não entendem absolutamente nada do assunto.

O chacotear das informações, a falta de conteúdo, as informações copiadas e coladas, e às vezes ocultas, configuram-se como prato de entrada e saída. Mais do que isso, olha-se apenas para a polêmica, para debates vazios ou para o resultado final, e muito pouco para todas as situações vividas e configuradas diariamente dentro de um verdadeiro processo futebolístico. É uma análise descabida de contexto e entendimento. Uma tônica influenciadora.

Evidente que quem trabalha no futebol e não quer ser interrogado ou comentado que fique em casa vendo a sessão da tarde ou programas de fuxico. É uma das profissões com maior exposição. Como treinadores, devemos ser contestados, cobrados, e claro que a cobrança maior é sempre pelo momento, no agora, pelo jogo de hoje, pelo treino de hoje, pelo resultado, mas a forma como se levantam questionamentos e se esquece de alguns fatores é algo tradicional e trivial. Uma cegueira unânime influenciadora.

Outro aspecto também evidenciado se traduz no desrespeito basilar ao histórico humano-profissional. Essa interação entre o humano-profissional, que é uma coisa só, e interage constantemente com o passado, presente e futuro, deve ser mais respeitada e levada mais em consideração.

Poucos respeitam e levam em consideração que construir uma imagem, uma carreira normal, leva tempo, e a forma como essa imagem vai sendo polida não é por geração espontânea, mas sim por caráter, ética, trabalho e convicção. Também toda energia colocada em cima e especialmente no que criamos em cada contexto, carrega consigo um emaranhado de sentimentos, emoções e ensinamentos que vão sendo testados e sentidos em cada treinamento, cada jogo e no decorrer da carreira. A dimensão humana do legado do treinador nunca deve ser desrespeitada. E é essa filosofia particular criada para conseguir a vitória, ou influenciar uma cultura que deve ser debatida.

E o problema é que a série de questionamentos está longe desse panorama que é o jogo, o jogar, o jogador e o treinamento. Está na superficialidade de mensagens dispensáveis, subliminares ou com duplo sentido, que tentam negociar e rumar para um lado ambicioso, robusto e pessoal, que fazem desativar a essência, buscando uma série de conflitos e embates que promovem quem os aceita e quem caminha com a corrente e não desafia a ambiguidade informacional presente no futebol. E há muitas pessoas dentro do futebol que compactuam com isso.

E é aí que entra o grande lance da questão: matam-se diariamente pessoas convictas e se constrói outras por interesse e amizade interna e externamente. A subordinação no futebol tem feito profissionais fantoches. Claro, alguns querem ser fantoches ou se promoverem para aproveitar a corrente, agora outros, a minoria, que ainda sente paixão pelo que faz, tem caráter e pensa no jogo, sobrevivem num mundo paralelo sendo considerados fantasmas da realidade contemporânea, por incrível que pareça. Não sei quando a comunidade do futebol (isso envolve quem está dentro do jogo, ao redor dele e fora dele) buscará um equilíbrio deixando de lado os sensacionalismos habituais.

Enfim, no futebol muitos chegam, sobrevivem dele, em todas as áreas, mas poucos estão nele de verdade. Se a inércia está confundida com a iniciativa, o embuste com o fato, não sei mais o que falta para perceber a natureza desse esporte, sua realidade, veridicidade e a ética necessária para estar nele. Só sei que se deve ter mais respeito primeiramente com o jogo de futebol, com treinadores sérios, profissionais sérios de todas as áreas que sobrevivem nesse meio selvagem com sua filosofia e que acreditam que o jogo e o jogador são maiores que tudo. Não existem herois mas esperamos cada vez mais que as novas gerações de treinadores não sejam influenciadas pelo sistema, pela homogeneização do produto selvagem, da linguagem corriqueira e habitual e fiquem longe da plantação dos novos herois ou vilões. Que a autonomia do jogo e do ser-humano prevaleça.

Categorias
Colunas

O Principado em busca de sua Coroa

A grande surpresa da fase semifinal da Champions League que será disputada a partir de hoje é, sem dúvida alguma, a equipe do Mônaco, até então pouquíssimo cotada para chegar tão longe e que vem sendo a grande sensação do torneio.

A história do clube é bastante peculiar, começando pelo fato de receber o mesmo nome de seu minúsculo país, localizado entre a França e Itália. Mônaco é o segundo menor país do mundo, separado apenas pelo Vaticano. A sua população é de 35 mil habitantes, incapaz de encher qualquer grande estádio do futebol mundial.

Por motivos óbvios, não há um campeonato nacional em Mônaco, sendo que o clube é afiliado à Federação Francesa de Futebol e, portanto, participa das competições em território vizinho. No cenário francês, merece destaque, sendo um dos clubes de maior expressão, onde conquistou 7 títulos nacionais da Ligue 1 e 5 Copas da França.

O grande feito internacional do clube em sua história foi chegar à final da Champions League na temporada 2003-04, ficando com o vice-campeonato, após eliminar os galácticos do Real Madrid nas quartas de final e o ascendente Chelsea na semifinal. O título ficou com o FC Porto de José Mourinho. Esse momento histórico foi sucedido por anos difíceis e uma grave crise institucional, com o clube sendo rebaixado para a 2ª divisão do Campeonato Francês, em 2011.

Essa queda possibilitou uma grande revolução na forma de gerir o clube, com o Principado abrindo mão do controle acionário para a entrada de investidores estrangeiros. A partir desse momento, o Mônaco passa a ser gerido por um bilionário russo, que injetou muito dinheiro na reformulação do elenco, retornando à elite do futebol francês em 2013. A expectativa era que, com o poder de investimento que tinha em mãos, o clube logo chegaria ao topo do futebol europeu, ainda mais após grandes contratações realizadas com valores superiores a 100 milhões de euros.

Porém, essa estratégia durou apenas um ano. Na temporada seguinte, as grandes estrelas foram negociadas e a equipe passou a apostar em jovens promessas. Essa mudança repentina ocorreu pela nova legislação fiscal que obrigava o clube a pagar até 75% de impostos sobre os grandes salários e também pelo altíssimo custo do divórcio envolvendo o seu proprietário russo com a sua então esposa, avaliado em cerca de 5 bilhões de dólares.

O plano adotado a partir desse momento e em vigor durante a atual temporada tem superado qualquer expectativa e garantido um enorme sucesso. Além de estar na semifinal da Champions League, também ocupa a liderança do Campeonato Francês.

Em termos comparativos, o time que representa o país com a imagem de local mais luxuoso da Europa, é o mais “pobre” entre os quatro semifinalistas da Champions e também entre os demais pertencentes à elite do futebol europeu. Enquanto o todo-poderoso Real Madrid possui uma receita de 620 milhões de euros, o seu rival Atlético de Madrid outros 229 milhões de euros e a forte Juventus o total de 341 milhões de euros, o Mônaco trabalhou nessa temporada com uma receita de 64 milhões de euros, dez vezes menor do que o Real Madrid e abaixo até mesmo dos maiores clubes brasileiros.

A receita específica de patrocínio não ultrapassou os 15 milhões de euro, enquanto os direitos de transmissão garantem a maior fatia do bolo, com 45 milhões de euros.  O valor restante de 4 milhões de euros é proveniente da venda de ingressos, sendo esse um fator de desequilíbrio, uma vez que o Mônaco representa o clube com a pior média de público do Campeonato Francês entre todos os participantes, com média de 8.700 torcedores por jogo, muito por conta da localização do estádio e de grande parte dos seus torcedores residirem em outras localidades distantes do Principado.

O potencial de fazer dinheiro com a venda de grandes revelações desse time é garantia de sucesso no final da temporada. As especulações envolvendo os maiores e mais ricos times ingleses e espanhóis por nomes como Mbappé, Bernardo Silva, Mendy, Bakayoko e Lemar certamente reforçarão o caixa monegasco.

O título de gestão mais eficiente da temporada já tem dono. Porém, o grande sonho é conquistar o reinado europeu da Champions League e marcar o nome do Mônaco na história do futebol mundial.

Categorias
Colunas

A Libertadores é uma mentira

Joseph Goebbels disse que “uma mentira contada milhares de vezes torna-se verdade”, e Jacques Lacan tem uma série de referências à capacidade de fixação de qualquer informação repetida insistentemente, independentemente da veracidade. O futebol tem uma lista de mentiras tão recorrentes que serve como cenário perfeito para ilustrar os dois casos: basta pensar no que aprendemos a entender como “clima de Libertadores”.

A Copa Libertadores é o principal campeonato de clubes do continente sul-americano, mas nem sempre recebe tratamento condizente com esse status. Trata-se de uma disputa subvalorizada, assaltada por décadas de dirigentes corruptos, omissos, incompetentes ou membros de todos esses grupos.

Só isso justifica as histórias de guerra e absurdos que constroem a história da Libertadores. Times acuados em estádios rivais, ameaças a jogadores e árbitros, objetos ameaçados na direção do campo e toda sorte de assédio que ultrapassa qualquer limite. A cena que costuma descrever melhor a competição é um atleta, antes de cobrar um escanteio, protegido por escudos policiais para não ser atingido por artefatos oriundos da arquibancada.

E não, esses elementos não fazem parte do jogo. É uma falácia o “clima de Libertadores”, admitido durante décadas. Atletas são profissionais, e o mínimo que se pode esperar de um profissional é que ele tenha um ambiente adequado para desenvolver seu trabalho. Exigir rendimento de alguém sujeito à lista de coisas impostas por essa competição beira a sandice.

Uma sandice, aliás, que engloba todos os aspectos do jogo da Libertadores. É inadmissível um campeonato com tanto assédio moral, com tantas ameaças físicas e psicológicas, com fatores que se sobrepõem ao desempenho técnico. Até aspectos como altitude deveriam ser discutidos em nome de uma competição mais equânime e condizente com critérios técnicos.

A valorização da técnica é uma das bases das ligas esportivas dos Estados Unidos. É por isso que todos os principais campeonatos do país trabalham com limites de gastos, tetos salariais e divisão planejada de recursos.

O futebol pode até ser um território inóspito para conceitos como teto salarial, mas não pode ser tão alheio ao conceito incutido nisso. Competições como a Liga dos Campeões da Uefa e a Premier League já têm fóruns para discussão sobre distribuição de receita. Nos dois casos, a ideia é ter uma distância menor entre os rivais. Fomentar a rivalidade também é uma forma de colocar sob holofotes o nível técnico do evento.

Todo esse contexto é fundamental para discutir o que aconteceu na última quarta-feira (26), data de Peñarol x Palmeiras. Houve confusões entre atletas e torcedores em Montevidéu, e todos os episódios tiveram em comum a total falta de uma política de controle.

É fundamental que exista uma discussão ampla sobre Peñarol x Palmeiras. Felipe Melo foi vítima de ofensas racistas? Quem agrediu quem? Quais atitudes colocaram em risco a integridade física de outras pessoas? E o mais importante: por que não houve um controle adequado de riscos?

Há ainda o caso dos portões. Se o Peñarol os fechou para impedir que seguranças do Palmeiras acessassem o gramado, é um crime. Se não for punido, a responsabilidade por isso passa às mãos da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol).

Qual tribunal terá condição de fazer uma análise isenta e minuciosa do que aconteceu em Montevidéu, com as devidas punições a todos os envolvidos? Quem cobrará para que isso aconteça? A resposta, baseada em anos de experiência, é que a Conmebol não vai fazer esse papel. Vai preferir a omissão, como fez em casos como o de Kevin Spada.

A Justiça uruguaia ao menos puniu três jogadores do Peñarol pelo que aconteceu no jogo de quarta-feira. Matías Mier, Nahitan Nández e Lucas Hernández terão restrições para participar de partidas e eventos esportivos, bem como limitações para viajar. É o mínimo que se espera, mas não pode ser limitado aos três.

A questão é que a Conmebol é uma entidade historicamente omissa e permissiva, e os clubes que disputam a Libertadores seguem valorizando um campeonato balizado por esses conceitos. O principal evento esportivo de clubes na América do Sul não prioriza o que acontece em campo, infelizmente.

A Libertadores não elege o melhor time da América do Sul. Isso é uma mentira. Determina apenas o mais capacitado para lidar com todos esses fatores extracampo. E nem sempre isso é questão de mérito.