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Síndrome do excesso

Relatei um pouco no último texto o quanto percebo e observo o futebol jogado aqui no Brasil, tanto pela minha obrigação profissional, como pela minha pesquisa e estudo. A sensação que me passa é de que às vezes (para não falar na maioria das vezes) não se sabe muito bem o que se fazer no jogo, com e sem bola. Uma das desculpas plausíveis é a criatividade, ou a intenção de se dar mais oportunidades para expressar a “criatividade do brasileiro” durante o jogo de futebol. A velha “desculpa” de não engessar ou mecanizar o jogador de futebol brasileiro (um assunto para outro texto).

Na falta de saber o que se deve fazer, faz-se qualquer coisa. Na dúvida, corre! Escuta-se muito por ai. Ao “fazer qualquer coisa” pelo menos se tem a desculpa de que “fez alguma coisa”, e não ficou parado esperando e/ou olhando as coisas acontecerem. Claro que o “certo” é relativo, depende de muitos fatos para quem está jogando e para aquele que gerencia quem está jogando. Mas fico com a impressão, quando observo alguns jogos, que muitos atletas preferem fazer qualquer coisa do que pensar, do que se predispor a fazer o “certo” para aquele momento, para a equipe e para o jogador.

Será esse um pensamento correto ou mais uma daquelas ideias vivas há muitos anos e não sabemos por quê? Errar por excesso, nem sempre é a melhor opção, principalmente quando se fala de jogo de futebol. E, esse paradigma do futebol brasileiro ainda se encontra muito enraizado na cultura de jogo da maioria dos jogadores e treinadores.

Esta caracterização que faço das atitudes durante o jogo de futebol, nos leva a pensar na famosa “vertigem da pressa”. Uma síndrome (da sociedade humana) que afeta os jogadores em campo a fazerem tudo de forma apressada e acelerada. Sempre em excesso, corre-se demais, pressiona-se demais (inevitavelmente de forma descompactada), grita-se demais, cobra-se demais, etc. O que contraria o futebol de qualidade, onde há pressupostos conceituais que te exigem a ler o jogo e saber exatamente o que se vai fazer. Nos quais é decisivo correr e parar, acelerar e travar, antecipar e esperar, fundamentos essenciais para um futebol de alto nível.

Aliás, a melhor posse de bola é aquela que sabe mudar o ritmo da bola, saber transitar na própria posse. Um tempo ideal para melhor atacar, para melhor transitar entre posse apoiada-ataque rápido e ataque rápido-apioada. Acredito que tal como é impossível ler com pressa um bom livro, é impossível ler um jogo em alta velocidade. O jogador precisa aprender saber pensar o jogo e tentar, com isso, controlar o impulso de querer atacar sempre.

Quase um futebol de impacientes. Onde o planejamento não tem espaço, muito em virtude desse desespero da pressa em fazer e na pressa em remediar. Sempre será melhor previnir do que remediar. E a melhor prevenção de todas, sempre será o treino. E quando falo de treino, quero dizer treinos, muitos treinos. Como sabemos, somos animais de hábitos e precisamos estar habituados a sempre jogar de determinada maneira, se quisermos alcançar a excelência nessa determinada maneira de jogar.

Esse pensamento passa muito pelo treino, e de como nos importamos com um treino elaborado e devidamente pré-estruturado. Estruturado de uma forma intencional, sabendo onde se quer chegar e o que alcançar com cada exercício, com cada treino. Precisamos saber criar o treino com antecedência e de forma deliberada. Já tive a experiência de trabalhar e observar alguns treinadores que tinham por costume elaborar a sessão de treinamento minutos antes do início do treino, ou deixar esta tarefa para o seu auxiliar e/ou preparador físico. E, geralmente, acaba não sendo uma experiência muito agradável. Contra censo maior é quando o treinador cobra determinados comportamentos coletivos e individuais que não foram treinados, por vezes, minimamente orientados.

Às vezes, penso que a cada evolução que conseguimos no futebol brasileiro, sempre nos deparamos em segregar mais as áreas de conhecimento. Continuamos separando o corpo da mente. Parece que estamos tendendo a formar cada vez mais jogadores atléticos do que jogadores pensantes, com um instinto dominante que faz correr desenfreadamente quando tem a bola, ou se desfazer dela de qualquer forma sem nenhum critério coletivo ou circunstancial.