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“Made in Brazil” para o futebol

Há alguns anos a “Florida Cup” tem tomado forma, e não vai ser nada surpreendente daqui a algumas edições consolidar-se no calendário do futebol internacional. Com clubes da América do Sul e da Europa, une a lacuna do calendário nos dois continentes e um destino turístico internacional, que é a cidade de Orlando com seus parques temáticos. Apesar de a maior parte do público constituir-se de imigrantes estrangeiros nos Estados Unidos, jogos entre clubes destes continentes chamam a atenção e o torneio é sim oportunidade de tornar global o produto de cada clube. Ou pelo menos deixar de ser tão local.
Tem quem diga que não é possível pensar na internacionalização da marca de um clube brasileiro, sem antes conquistar o mercado daqui – que tem perdido fatias consideráveis para equipes da Europa. Entretanto, é possível pensar em uma comunicação global, com produção de conteúdo em um segundo idioma e organização de eventos de relações públicas dentro destes torneios, como a “Florida Cup”, com o objetivo sobretudo de fazer o clube ser conhecido para além do seu desempenho dentro de campo. Ter mais associados e torcedores, consumidores de produtos do clube, é consequência desta sinergia: a bola dentro do gol somado a um trabalho de comunicação.
Os clubes europeus participantes da “Florida Cup” são protagonistas em seus campeonatos nacionais, mas não no continente. Viajam com menos frequência em digressões, mas parecem aproveitar as oportunidades. Dia desses assistia ao Atlético Mineiro contra os Rangers, da Escócia. Prestava atenção às placas no perímetro do campo e observei o anúncio das “escolinhas” de futebol do clube escocês para as crianças: “come on and play the Rangers way” (tradução: venha e jogue à maneira dos Rangers). Com o devido respeito ao futebol da Escócia e ao da equipe em questão, acredito que se os clubes brasileiros construíssem e comunicassem bem um produto semelhante, seriam bem-sucedidos.

Imagem: Divulgação

 
E assim, os Rangers difundem sua história, sua identidade e seus valores que acabam por cativar inúmeros jovens torcedores que passam a simpatizar com este clube, torcer por ele e, como consequência, simpatizar com a monarquia britânica (justamente pela associação da instituição com a lealdade à realeza). Grã-Bretanha, por sinal, ou melhor, Reino Unido, que tem incentivado este tipo de iniciativa pelo mundo todo. O Consulado do Recife/PE organizará em breve um torneio de futebol society que terá como tema a celebração da “Premier League”. Como meta, um grande impacto nas redes sociais com fotos e vídeos. A prazo, West Ham, Watford, Burnley, West Bromwich e Brighton terão dezenas (ou centenas) de milhares de torcedores por aqui.
Há alguns anos os departamentos de marketing dos clubes de futebol do Brasil diziam que a “Florida Cup” era uma grande oportunidade de internacionalizar a marca. Já é grande oportunidade! Colocar isso como objetivo estratégico, trabalhar por ele, somado a um trabalho em conjunto com o Itamaraty* e a APEX Brasil**, fundamental.
* Ministério das Relações Exteriores (MRE) da República Federativa do Brasil
** Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos

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Verdadeiro ou falso

Foi extremamente simbólica a promessa de Emmanuel Macron, presidente da França, em seu primeiro pronunciamento de 2018. Quando falava sobre uma nova legislação para ambientes online e transparência em redes sociais, o mandatário nacional avisou que pretende banir das eleições gaulesas as chamadas “fake news” (“notícias falsas”, em tradução livre). Foi o suficiente para gerar polêmica até em território local – toda tentativa de cerceamento de liberdade de expressão provoca debate acalorado, afinal.
Independentemente das acusações direcionadas a Macron ou das comparações entre o comportamento do político francês e o controle de mídia característico de regimes ditatoriais, contudo, o simples fato de esse tema ainda dominar o noticiário é prova inequívoca de que o planeta ainda não aprendeu a lidar com o tema.
No fim de 2016, quando Donald Trump foi eleito para presidir os Estados Unidos, as “fake news” também dominaram a campanha. O então candidato já demonstrava naquela época uma verborragia pouco comprometida com a veracidade. Apenas para citar um exemplo, o jornal “Washington Post” fez um levantamento em 2017, numa entrevista que durou 30 minutos: o político empilhou 24 afirmações falsas ou parcialmente falsas (ou uma mentira a cada 75 segundos, em média).
O uso de falácias para contar histórias não começou com Trump, e a preocupação com o tema tampouco floresceu apenas depois de Macron. É prática recorrente no jogo político, independentemente do país ou da época. A diferença é que hoje existem dois instrumentos que potencializam as coisas: se por um lado as redes sociais facilitam a disseminação de notícias que nem sempre podem ser levadas a sério, houve um nítido desenvolvimento no mercado de checagem de dados durante os últimos anos. As duas lógicas abrangem também o cenário brasileiro.
O advento das agências de checagem e o desenvolvimento de núcleos dedicados ao tema em grandes veículos de mídia, contudo, não foram suficientes para que essa lógica transformasse em igual medida a relação de produção de conteúdo em todas as searas. Se mudou as regras do jogo na cobertura política, por exemplo, não serviu para instigar mais a editoria de esporte.
Houve um exemplo claro disso com o tenista brasileiro Thomaz Bellucci. No dia 4 de janeiro, o atleta revelou que estava suspenso por ter sido flagrado em exame antidoping. A pena relativa ao consumo de um diurético foi notificada ao estafe dele em 18 de setembro, mas Bellucci não disputa uma partida oficial desde 30 de agosto. Com conivência da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais) e proteção de um acordo de confidencialidade, o brasileiro vinha sustentando que tratava um problema no tendão de Aquiles.
Casos de doping são sempre delicados, e a revelação de dados sobre esses episódios também tem uma série de facetas. Expõe à condenação pública alguém que ainda não passou por um julgamento adequado, por exemplo, e de certa forma até atribui publicidade aos medicamentos que podem afetar o desempenho. Há muitos aspectos a discutir, e todos podem ter contribuído para o comportamento de Bellucci. Não cabe aqui um julgamento do mérito, portanto, mas uma simples constatação: o tenista sustentou durante pelo menos três meses uma história de uma lesão fictícia e influenciou de forma negativa o trabalho de todos que acompanham o dia a dia da modalidade no país (jornalistas, torcedores, dirigentes e etc.).
No futebol há várias histórias similares, e a época em que a janela de transferências está aberta apenas potencializa o noticiário distorcido. Com menos jogos e menos histórias concretas, o cotidiano de quem acompanha os clubes passa a ser uma chuva de “fulano interessa”, “beltrano foi sondado” ou “sicrano tem negociação em andamento”.
Novamente, assim como no caso Bellucci: não estou acusando alguém de má intenção. Não tenho fundamento para isso. Minha questão é que o esporte ainda é uma seara em que fontes que podem ter acesso a apenas parte de uma história ou se beneficiar de uma publicação encontram muito espaço para manipulação. A janela de transferências apenas deixa isso mais claro.
Pense em quantos jogadores o seu time “quis contratar” e que depois receberam belo aumento para seguir onde estavam jogando. Pense na quantidade de negociações que um empresário disse que poderiam vingar ou que um jogador disse que seriam um sonho. Pense nos negócios que foram gerados a partir disso e em quanto dinheiro essas possibilidades adicionaram ao jogo. Existem muitos interesses envolvidos em movimentações financeiras tão significativas quanto as que são feitas no futebol.
No Brasil, a história recente que ilustra melhor essa história é a dos controladores da JBS, que fizeram uma venda milionária de ações antes de vir a público a delação que seus acionistas haviam feito à Justiça brasileira. Havia um enorme interesse, portanto, no vazamento do conteúdo exatamente naquele momento.
Essa relação de perdas e ganhos é menos óbvia no esporte, o que torna o ambiente mais suscetível à aparição de “fake news”. Existe uma noção menor de responsabilidade (contar um detalhe sobre os bastidores de um clube pode influenciar no andamento de uma eleição ou nos valores de uma transação, mas tudo isso é menos tangível do que o sobe e desce de ações ou de produtos, por exemplo).
Dizer que Bellucci tinha uma lesão no tendão ou que o time A pretende contratar fulano é praticamente um crime sem vítimas. Depois, sempre é possível dizer que o tenista se recuperou ou que o rumo de uma transferência foi alterado – até porque isso muitas vezes acontece, mesmo.
Entre as muitas coisas que o esporte precisa discutir para evoluir, e não apenas no Brasil, está a relação de responsabilidade com notícias (o que é bem diferente de censura prévia ou de controle de mídia, diga-se). Enquanto especulações ou versões enviesadas tiverem espaço nobre em noticiário e alimentarem discussões de torcedores, toda a profundidade do jogo seguirá sendo subestimada.
É difícil pensar no que acontece em um contexto tão dinâmico quanto o futebol se a maioria dos formadores de opinião – ou influenciadores, para usar um termo da moda – prefere apenas alimentar o óbvio.
No Brasil ou no exterior, há muito conteúdo bom para quem gosta de entender esporte ou quer saber o que acontece no segmento. Entretanto, também existe um espaço indesculpável para a notícia não responsável: enquanto até as redes sociais pretensamente abertas estão criando filtros e discutem há anos uma série de caminhos para limitar esse tipo de conteúdo, ainda aceitamos muito placidamente um noticiário que tem mais ego e pressa do que compromisso.

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Entre o Direito e o futebol de base

Bem-vindos a mais uma “Entre o Direito e o Esporte – Especial Copinha 2018”. Como prometi semana passada, hoje vamos falar sobre o Certificado de Clube Formador (CCF) da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e como isso afeta a base do seu clube.
Vamos lá?
Imagina que você está naquele fim de dezembro, fazendo a sua lista de objetivos para o ano que vem. Se você for como eu, vai começar com um “fazer academia e natação três vezes por semana”. Logo depois, você risca tudo e deixa “fazer academia e natação”. E muda de novo e coloca “entrar em forma”. A ideia do Certificado de Clube Formador é isso: o mínimo do mínimo para ter um objetivo. E é por isso que vamos ver hoje o que é esse “mínimo do mínimo” e o que é esse “objetivo” quando a CBF fez o CCF. E, claro, como isso afeta o seu clube.
Por que o Certificado de Clube Formador existe?
O objetivo é melhorar o futebol de base brasileiro. Imagina que a gente é criança de novo, nas férias da escola. Dia de semana, brincando o dia todo. E o seu quarto, aquela bagunça. Seus pais chegam do trabalho e falam para você arrumar o quarto. Você arruma o quarto – só que não do jeito que eles queriam, e não tão bem quanto eles queriam. O futebol de base no Brasil ainda é um pouco assim.
A CBF criou o Certificado de Clube Formador para dar aos clubes um padrão, um modelo do que fazer com a base – quase que um manual. Esse mínimo serve para melhorar as condições do futebol de base no Brasil e em troca dá algumas vantagens para os clubes que conseguem esse certificado. É quase como se os seus pais te levassem para tomar sorvete cada vez que o seu quarto ficasse “bem arrumado”, sabe?
O CCF surgiu em 2012 como uma das principais formas de proteção dos clubes brasileiros para segurar talentos, e garantir um dinheiro extra quando não desse mais para segurar. Esse “manual do bom clube de base” é importante para que a gente entenda como o Licenciamento de Clubes funciona para o futebol de base brasileiro. E lá a gente encontra o mínimo que todos nós esperamos de um clube de futebol: que cuide das suas crianças, e não só dos seus jogadores.
O que os clubes precisam ter para conseguir o CCF?
O “mínimo do mínimo” é o que a Confederação Brasileira de Futebol acredita ser o básico para um clube de futebol formar um jogador como atleta e como pessoa. Imagina você assistindo aquela novela de tempos atrás. Sabe quando tinha uma discussão sobre onde era melhor a criança do patrão estudar? Então, é bem isso!
O Certificado de Clube Formador tem uma base que todo mundo deveria ter – assim como as escolas. Para que a CBF dê esse certificado, o seu clube deve seguir um monte de regras que vão desde ter em uma lista quem são os técnicos e preparadores físicos das categorias de base até mostrar o programa de treinamento.
Agora, como eu falei, o clube formador tem que se preocupar com o atleta e com a pessoa, né? Por isso, o clube deve dar escola para os atletas (inclusive de idiomas, como inglês), acompanhamento médico, comida e várias outras coisas que acho que todo brasileiro adoraria que cada um de nós pudesse ter – inclusive férias em casa com a família. O CCF é um jeito de garantir que a criança tenha pelo menos “casa, comida e roupa lavada”, e um jeito de humanizar o nosso futebol de base.
E como o Certificado de Clube Formador afeta o seu clube?
Voltando para aquela história daquela “base que toda escola deveria ter”, cada clube tem que ter o mínimo de condições de criar uma criança. E é bem aí que o CCF afeta o futebol de base do seu clube. Os atletas de base precisam de um cuidado como jogador e como pessoa, e é por isso que esse “manual” importa.
Assim como cada escola tem um nível diferente, cada clube tem uma categoria para conseguir o Certificado de Clube Formador. Se o clube tem o mínimo dos requisitos, vai ser Categoria B e o certificado tem que ser renovado depois de 01 ano. Já aquele que tem um pouco a mais (período integral?), é Categoria A e o certificado tem que ser renovado a cada 02 anos. Mas… e aquele que não tem nem o mínimo? Bom, não consegue esse certificado (merecidamente?).
Para a CBF dar o certificado ao seu clube, a Federação Regional (como a FPF no caso de São Paulo) deve dar a benção depois de ver se essa “escola” tem todos os documentos em ordem (“análise documental”) e se está tudo certo com o terreno e o prédio dela (“avaliação in loco”). E sabe quantos clubes no Brasil conseguiram esse certificado? Cem? Mil? Todos? Não. Em 08 de janeiro de 2018 tínhamos 36 clubes na Categoria A e 7 na Categoria B. Isso é muito pouco.
Como falei, o CCF é o “mínimo do mínimo” para um clube formar uma criança como atleta e pessoa. Infelizmente, poucos clubes brasileiros têm essas condições – mesmo com todas as possibilidades de conseguir o dinheiro necessário por Leis de Incentivo. Eu espero que isso mude algum dia.
O futebol de base é, como o nome diz, a base do nosso futebol. Sem ela, sem os garotos que fazem parte dela, a gente não tem futebol. Garotos que são atletas. Garotos que são pessoas. Garotos que são crianças. O CCF existe para garantir que esses garotos sejam cuidados como atletas, pessoas e crianças pelos seus clubes. E é por isso que é a base da base do nosso futebol.
Fico por aqui! Vejo vocês na semana que vem quando vamos continuar o nosso Especial Copinha e falar sobre a indenização por formação. Qualquer coisa é só falar comigo pelas mídias sociais, espero que tenham um ótimo final de semana e até a próxima!

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Na idade das trevas

Definitivamente estamos na idade das trevas quando se trata da organização e gestão do futebol no Brasil. Salvo algumas pontuais iniciativas que estão – que bom – sendo bem-sucedidas. Entretanto, de uma maneira geral, faz-se um desserviço à modalidade, um dos maiores patrimônios deste país.
Depois da tragédia do Maracanã na final da Copa Sul-Americana, estão escancarados todos os cenários pelos quais os torcedores podem passar quando vão a um estádio. Isso não é normal. Os mandos e desmandos de dirigentes populistas, também não. O presidente da entidade máxima do futebol nacional (CBF) afastado e o consequente vácuo de poder na instituição, mais a passividade dos clubes e federações estaduais em relação ao tema, não são – em nenhum lugar – situações normais. Inadmissíveis.

Fonte: O Popular

 
Dizem que o futebol é reflexo do cenário atual do país. Quero lembrá-los que existem exceções. Pois bem, são de fato reflexo, haja vista o caos social, econômico e político em que o Brasil está. Caos: a melhor palavra. Situações que não são normais em hipótese alguma.
Fonte: Divulgação

 

Pobreza não é normal. Violência não é normal. Interesse individual ou de pequenos grupos acima do coletivo, favorecimento, tráfico de influência não são normais. Enriquecimento ilícito, idem.

Mas as coisas estão em processo de mudança. Ah, como estão! As crianças cada dia mais torcem para clubes de futebol do estrangeiro. Inclusive gritaram “é campeão” quando o Real Madrid ganhou o último mundial de clubes, nos Emirados Árabes. Seus pais, conscientes dos riscos nas arenas (algumas só se forem de guerra mesmo), não levam os filhos aos jogos. E com o tempo este legado, outrora falado com a boca cheia pelo pai que o filho torce pelo mesmo time, não é passado. No futuro, o filho passará para o neto.

Infelizmente, só se reflete nisso quando acontece uma tragédia – como a do Maracanã do dia 14 de Dezembro – ou quando uma equipe europeia vence uma sul-americana pelo mundial de clubes. Vivemos do passado. Quem vive do passado é museu. E então, procura-se por todas as respostas. Claro que há inúmeros fatores que faz o futebol europeu estar bem à frente do sul-americano e brasileiro, como por exemplo: o PIB dos países, a força da moeda (em consequência da competitividade, tecnologia, inovação e poder de consumo) e o mercado comum europeu de livre circulação de pessoas e mercadorias. Ora, é reflexo da sociedade de lá. Claro, nem tudo são maravilhas. No entanto é consequência do trabalho coletivo, da constância, da eficiência, da excelência, de querer que seja feito da melhor maneira. De uma cultura – de trabalho – vencedora.

Com tudo isso, mesmo com isso tudo, é possível mudar. E a mudança está nos torcedores, a essência deste esporte. Basta não sermos coniventes com o que não é normal, querermos mais e melhor. Sempre

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Eleições

O processo que conduziu João Doria Junior (PSDB) à prefeitura de São Paulo, em 2016, é reflexo significativo em uma progressão de desgaste das instituições do país. O tucano alicerçou sua campanha em um slogan de “não político” (o que contradiz sobremaneira a própria história de alguém que presidiu a Embratur na década de 1980 e construiu carreira a partir de relações com entes públicos, mas essa é outra história). A campanha de Doria tentou atribuir a ele a imagem do “gestor” como se isso fosse uma oposição ao “político” (o que é outra contradição de natureza, mas mostra bem o nível de rejeição de uma parcela do público à velha política). Ainda assim, não foi do atual alcaide a maior fatia de sufrágios. Ele teve 3,08 milhões de votos e perdeu para o contingente que soma abstenções (1,94 milhão), brancos (367 mil) e nulos (788 mil). Em outras palavras, um a cada três paulistanos simplesmente rejeitou a eleição.
Em tempos de Lava-Jato e de tantos outros processos, ruiu o que restava de confiança dos brasileiros em instituições – sobretudo porque denúncias, investigações e condenações atingiram também o Judiciário, o setor privado e a própria polícia. Existe uma crise de representatividade – sem acreditar nos atores do processo atual, cresce o número de pessoas que simplesmente rejeitam o jogo.
O esporte também é parte desse processo. Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e do comitê organizador dos Jogos Olímpicos de 2016, que foram realizados no Rio de Janeiro, foi alvo de operação da Polícia Federal e tem longa ficha de denúncias. José Maria Marin, ex-mandatário da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), vive regime de prisão domiciliar em Nova York (Estados Unidos).
Entre os últimos presidentes da CBF, aliás, a lista também é extensa. Ricardo Teixeira e Marco Polo del Nero só não foram presos porque não deixaram o Brasil – ambos são investigados pelo FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, mas não têm qualquer condenação no país natal e tampouco um processo de extradição.
Teixeira, Marin e Del Nero não são os únicos que usaram o futebol para se locupletar, mas simbolizam o que existe de pior no esporte. São representantes da velha política e das instituições que tanto se desgastaram com o público brasileiro. São partícipes, como era João Havelange, de um esquema de uso do futebol e dos bens coletivos para vantagens individuais.
Por tudo isso, chama atenção negativamente a postura dos principais clubes brasileiros a respeito das denúncias do FBI. Em vez de uma cobrança para apuração em âmbito local ou pelo menos de um questionamento sobre os brasileiros envolvidos em denúncias sobre desvio de dinheiro que deveria chegar aos times, o que existe é silêncio. O silêncio é mais do que conivente – está mais para cumplicidade. Ainda que seja impossível acusar qualquer equipe de participar de ilícitos, a simples inércia diante de tantas denúncias causa danos irreparáveis aos cofres e às imagens de instituições que tanto precisam trabalhar isso.
Não há entre os times de futebol do Brasil uma instituição que possa renunciar a um trabalho de imagem. Não há quem tenha um nível de relacionamento com seus torcedores/consumidores que permita dizer não a qualquer chance de se posicionar. Não há quem viva situação financeira suficientemente positiva para ignorar possíveis desvios operados durante décadas.
No entanto, mesmo com a chance clara de burilar suas imagens ou de recuperar dinheiro que faria diferença, os clubes seguem em silêncio. Também dorme em berço esplêndido a Justiça brasileira, que pouco fez para apurar delitos de Del Nero, Marin e companhia. Toda a investigação tem sido capitaneada por autoridades do exterior, mas os dados levantados já são suficientes para denúncias e análises mais minuciosas também em solo nacional.
Até aqui, as ações que mexeram com essas autoridades partiram da Fifa. Del Nero foi suspenso por 90 dias, e existe entre os dirigentes a certeza de que o retorno às atividades no futebol é uma possibilidade bem remota. A punição afastou o brasileiro também do comando da CBF.
Sem o presidente, a entidade nacional deve passar por mais um processo eleitoral. O Coronel Nunes, que ocupa interinamente o cargo, pretende concorrer. Outras federações se articulam para lançar candidaturas, mas todo esse tabuleiro depende da situação de Del Nero nos próximos meses. E os clubes, que poderiam construir candidatura própria, também silenciam sobre isso. No processo de comunicação, muitas vezes a mensagem mais forte (e mais decepcionante) é simplesmente não falar.
Sobra silêncio até nos processos eleitorais dos próprios clubes. Até agora não há responsáveis ou punições para o que ocorreu no Vasco, por exemplo – a oposição conseguiu aglutinar votos que considerava questionáveis, e a “urna 7” virou protagonista de um processo que acabou com vitória de Eurico Miranda na contagem de sufrágios e derrota posterior nos tribunais, que admitiram irregularidades e suspeita de fraudes em registros. O resultado pode ter sido alterado, mas é razoável supor que uma tentativa de influenciar dessa forma o futuro político de uma agremiação não seja jogada para baixo do tapete apenas porque se mostrou infrutífera.
Também houve denúncias de irregularidades em sócios aptos a votar nas eleições presidenciais de Santos e Corinthians, por exemplo. E assim como aconteceu no caso do Vasco, faltaram posicionamentos claros, apurações consistentes e punições condizentes com essas possibilidades de fraude.
A inércia diante de tantos malfeitos só contribui para que o torcedor médio se afaste do futebol. É esse cenário de escárnio que mina o potencial do esporte e que alija os próprios clubes do potencial que poderiam alcançar. Como o futebol brasileiro tem mostrado, o silêncio nem sempre é uma virtude.

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Entre o Direito, o futebol e a sua base

Bem vindos a mais uma “Entre o Direito e o Esporte”. Espero que tenham passado bem a virada de ano, e que tenham começado 2018 com o pé direito! Assim como a nossa querida Copinha – ou Copa São Paulo de Juniores. E em homenagem a minha competição favorita, esse mês vamos conversar um pouco sobre o futebol de base no Brasil.
Calma, 2018 mal começou e já vamos falar sobre como o direito afeta a vida do seu clube (e de você, torcedor) até na base? Sim! Aliás, esse é um tema bem importante. Ainda mais quando o seu time quer se reforçar para os próximos anos – e fazer um caixa no caminho.
Hoje vou falar um pouco sobre o que vamos ver nesse janeiro. E a regra geral dessa vez é “pagar as contas” – afinal, começo de ano e nem aqui dá para fugir disso, né? Vamos ver como o direito e o esporte fazem da base um jeito dos clubes conseguirem um dinheiro. Bom, ao menos quando o clube investe nela.
E, assim, vamos falar sobre: o certificado de clube formador, a indenização por formação (ou compensação por treinamento), e o mecanismo (ou contribuição) de solidariedade. Um por semana, bem tranquilo e sem correria. Daí quando a próxima prata da casa se transferir, você vai saber se foi um bom negócio – para o seu time.
Vamos lá?
Certificado de clube formador e o “licenciamento de clubes de base”. Imagina que o seu time vai jogar a Copinha de 2018. No seu time tem um camisa 10 de respeito. Esse camisa 10 marcou dois gols na estreia e um foi olímpico – de canhota. Esse gol do camisa 10 do seu time deixou um monte de gente de olho nele. Conhecendo as histórias do futebol brasileiro, a gente sabe que logo ele sai do seu time e vai jogar em outro. A vida segue, e o dinheiro… pelo menos isso fica?
Esse é justamente um dos motivos do Certificado de Clube Formador (CCF) da Confederação Brasileira de Futebol. O CCF é quase como o licenciamento de clubes que vimos semana passada – só que para o futebol de base. Esse certificado serve também para proteger o seu time nessas horas e é quase que um “manual do bom clube” só que de base”. Mais sobre isso semana que vem, agora já te adianto que é a base do que vem em seguida.
“Obrigado pelo jogador”, a indenização por formação. Seu clube chegou na semifinal da Copinha. Jogou muito. O time todo. E um dos atacantes chamou tanta atenção que meio Brasil queria ele. Ele não tinha contrato profissional. Ele ainda estava “em formação”. Ele foi embora. E o seu clube?
É aí que entra a indenização de formação. Ela é um jeito do clube que contrata o jogador do seu time te agradecer por formar aquele craque – e pagar um pouco por ele, é claro. Por isso que vamos conversar sobre esse trocado na terceira coluna desse mês
Esse é um dos dois “respiros” para a base. Além da indenização por formação, vamos ver outro jeito de entrar dinheiro em caixa com o futebol de base esse mês.
O mecanismo de solidariedade e aquele bom e velho “eu voltei”. Lembra uns dez anos atrás? Seu time, na Copinha, jogando. E o técnico me colocava para jogar aquele moleque de 15 anos que nem parecia desse mundo. Tudo bem, a gente não ganhou o título. Mas o moleque cresceu, virou ídolo e foi para fora.
O moleque e ídolo virou craque. E como craque que saiu do seu time, ainda contribui com um dinheirinho extra no fim do mês toda vez que saí de um clube e vai para outro (só não vale se for de graça!). Esse é o mecanismo de solidariedade. Quase que um jeito de cantar “eu voltei” toda vez que chega janeiro ou julho no futebol brasileiro. E é sobre isso que vamos conversar no dia 26 de janeiro. Combinado?
É, o futebol de base não é brincadeira. De guia para os clubes formadores até as transferências, tudo é regulado e tudo passa pelo Direito. Até o que é futebol de base! Aliás, é justamente aí que vamos começar nossa conversa na próxima coluna, que tal?
Convido vocês para continuarem comigo aqui semana que vem. Qualquer dúvida ou ideia, só me chamar por aqui e pelas redes sociais. Um bom final de semana a todos, e um ótimo 2018… e até a próxima “Entre o Direito e o Esporte”!

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Nivelado por baixo

Comentários não faltaram ao compararem os finalistas da Libertadores e da Sul-Americana de 2017. Grêmio e Lanús, Independiente e Flamengo, respectivamente. Que estas duas últimas equipes eram dignas de uma decisão do principal torneio de clubes do continente. Em uma analogia aos torneios europeus, é comparar com a Liga dos Campeões e com a Liga Europa. Haja vista que os finalistas da Liga Europa não possuem a mesma competitividade e histórico que um finalista de Liga dos Campeões, um ‘romântico’ (desses filósofos do esférico) diria: “Que maravilha e competitivo o futebol sul-americano. Decanos da bola neste continente a fazerem a final de um torneio menos importante que o principal”.

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Independente del Valle (EQU), vice-campeão da Libertadores em 2016. Foto: Divulgação

 

Ledo engano. Classificam-se para a Copa Sul-Americana aquelas equipes não tão bem colocadas em seus países. As “melhores” vão para a Libertadores. Nem é preciso ficar na ponta da tabela para isso. Sobretudo entre brasileiros e argentinos. Em um continente em que mesmo os campeões nacionais escancaram um diagnóstico de falta da gestão do futebol, os torneios se nivelaram por baixo. Aquela equipe que isso tiver, desponta. Em terra de cego, caolho é rei. Já diz o ditado. É por isso que no início de cada campeonato brasileiro, muitos são surpreendidos em função do grande número de clubes que podem ser campeões. A administração amadora, os interesses pessoais em jogo, a predominância de um grupo político – que chega a propor a tomar decisões populistas – acaba por nivelar o torneio por baixo e conferir este ilusório equilíbrio.

É claro ser desinteressante que os títulos do futebol nacional estejam concentrados em dois ou três clubes. Entretanto, com uma gestão voltada para o mercado e levada a sério, o futebol fica de alto nível. Dentro de campo e fora dele. E o Brasil possui mercado consumidor para atingir estes objetivos. Na França, o Olympique Lyonnais (Lyon) foi multicampeão por conta de como encarou a administração do clube. A sequência foi quebrada quando outras instituições quiseram fazer o mesmo e quando chegou o investimento externo: russo e árabe, sobretudo.

Portanto, Flamengo e Independiente fizeram a mais importante final de sempre da Copa Sul-Americana. Sem dúvidas disso. No entanto é exagero afirmar que o futebol daqui possui uma excelência em sua gestão – como é capaz de ter – que faz com que os torneios sejam equilibrados e competitivos. É a falta de gestão, otimização e potencialização de recursos: o nivelamento por baixo. Enquanto que o ideal, correto e de bom senso deveria ser o nivelamento por cima.

Obrigado a todos por seguirem esta coluna. Um bom ano 2018 a todos, repleto de prosperidade.