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Sobre o ataque iniciado por uma saída de três

Aymeric Laporte, do Manchester City: condução e associação perfeitas para uma saída de três. (Reprodução: Sky Sports)

 
Durante um bom tempo, que terminou sem que notássemos, havia uma ideia mais ou menos clara no futebol brasileiro: quem joga com três zagueiros, joga para se defender melhor.
Bom, passados alguns anos, vejo dois movimentos importantes: I) aqui no Brasil, entre as séries A e B, estão mais raras as equipes que jogam com três zagueiros; II) aquelas que jogam, não são necessariamente taxadas de defensivas.
Neste texto, gostaria de trazer algumas ideias não sobre as consequências defensivas, mas sobre as consequências ofensivas do ato de jogar a partir de uma linha de três. Vamos pensando juntos.

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Há um fato curioso, especialmente quando pensamos no futebol praticado no Brasil: ainda que pareça cada vez menora incidência de equipes que jogam com três zagueiros de ofício, também parece ligeiramente mais natural ver equipes que começam a construção ofensiva a partir de uma saída de três. Ou, se você preferir, equipes que constroem a partir de uma saída lavolpiana. De alguma forma, essa pequena mudança reflete um pouco das violências que nosso pensamento futebolístico recebeu nos últimos anos. Não digo violência no sentido negativo do termo, mas violência como o movimento que viola nossas ideias médias e, por isso, faz com que elas mudem de forma.
E o que isso significa? Significa que está cada vez mais claro que é possível construir a partir de uma saída de três sem que se jogue com três zagueiros, por exemplo. Estamos mais do que habituados às equipes que utilizam o recuo de um dos volantes para a linha anterior, abrindo os zagueiros e criando, não raro, superioridades sobre os atacantes adversários. A ideia, portanto, é aumentar a largura desta primeira linha ofensiva, o que pode ter a contribuição de um jogador que está uma linha acima e, mais do que isso, este simples movimento também influencia a altura dos laterais – que agora estarão adiante.
Mas repare que o viés de todo este meu parágrafo é ofensivo, e é isso que me chama a atenção. Sinto que estamos mais interessados em olhar para as repercussões ofensivas da ‘defesa’, e portanto aqui está uma diferença razoável no olhar que temos construindo, pois quando se falava em equipes que jogavam com uma linha de três, imediatamente fazíamos uma associação defensiva, ao passo que, ainda que devagar, já temos um olhar mais dinâmico, que percebe o ataque na defesa e vice-versa.

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Uma consequência imediata do ataque a partir de uma saída de três está no comportamento dos laterais. Não por acaso, há quem inclusive mude o seu nome, chamando os laterais de alas. Vou manter o termo original, entendendo essa diferença como irrelevante.
Em condições normais, atacar a partir de uma linha de três faz com que os laterais subam imediatamente alguns metros, compondo agora uma das linhas de meio-campo. Isso também significa que, muito provavelmente, será o lateral quem dará largura para a equipe, quem abrirá o campo (às vezes em extensão máxima) para igualmente abrir a defesa adversária e, portanto, induzir alguma forma de desequilíbrio, seja se beneficiando de um possível espaço pelo lado, seja abrindo a defesa adversária para que se criem espaços por dentro. Para isso, repare bem, é provável que o lateral, ao contrário do que normalmente faz uma linha de quatro tradicional, busque o espaço para receber a bola às costas do ponta adversário desde no início da construção – o que pode vir a ser um problema interessante, especialmente se o adversário fizer marcações individuais no setor. Afinal, onde for o lateral, irá o ponta que o marca.
Este é um dos motivos porque o comportamento dos laterais, logo de cara, pode ser tão interessante a partir de uma saída de três. Mais abaixo, citarei outro.

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Existe uma questão situacional no ataque a partir de uma saída de três. Quantos atacantes têm o adversário? Lembro de um jogo entre Athletic Club x Schalke 04, o Athletic treinado por Marcelo Bielsa, em que ele alterou a escalação inicial assim que soube que o Schalke jogaria com dois centroavantes (Huntelaar e Obasi). É claro que a decisão tem uma preocupação defensiva (Bielsa gosta de jogar com sobra), mas também há uma repercussão ofensiva, porque jogar com uma linha de quatro significaria que, no início da construção, os dois zagueiros estariam em igualdade com os dois atacantes adversários.
Este pode ser um problema importante, facilmente resolvido se preenchermos um pouquinho mais a primeira linha. No caso daquele jogo, Bielsa trouxe um dos laterais (Aurtenetxe) para a linha dos zagueiros. Com uma saída de três, jogando os laterais metros acima, temos portanto uma situação de 3 v 2, que nos permite, em caso de boa circulação, avançar metros acima (falei melhor sobre isso neste texto). Mas quando eu digo que a saída de três é situacional, penso em uma outra questão: e se o adversário jogar com apenas um atacante? Vale a pena construir a partir de uma linha de três?
Continua não sendo uma questão simples (não é causal), pois envolve inúmeros outros fatores: quais são as características dos meus zagueiros? Como a equipe adversária marca? Como nós queremos atacar? Qual o atual nível (inclusive de confiança) da nossa equipe para, eventualmente, ter um jogador a menos metros adiante? Repare como uma decisão envolve, na verdade, uma série de perguntas, um mosaico de questões que qualquer treinador leva a cabo quando trabalha.
Daí, aliás, a complexidade inerente ao ato de treinar.

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Uma contribuição bastante importante de Pep Guardiola, que talvez tenha ficado mais explícita após a sua chegada ao Bayern de Munique (quando trouxe Lahm para o meio), mas que certamente está nítida no Manchester City, é uma certa mudança na localização de laterais e pontas.
Em condições normais, quando atacamos a partir de uma linha de três, o lateral sobe metros e abre o campo, enquanto o ponta pode tanto entrar em diagonal (é o que eu prefiro) quanto pode ficar no mesmo corredor do lateral – ainda que isso signifique que um possa anular o outro. De qualquer forma, a ideia básica é: o lateral, provavelmente, será responsável por abrir o campo.
Guardiola (digo, especialmente ele) causou um certo transtorno quando sugeriu, ao invés disso, que o lateral partisse de dentro, enquanto o ponta recua metros, ocupando, em certa medida, o espaço do lateral. Ou seja, se meu zagueiro pela direita, em condições normais, teria o lateral como opção imediata de passe por fora, agora a opção imediata não mais será o lateral, mas o ponta (que, não se esqueça, provavelmente estará às costas do ponta adversário). Com jogadores fortes no 1 v 1, como Arjen Robben, Douglas Costa, Frank Ribery, Leroy Sané, Raheem Sterling e vários outros, essa realmente se tornou uma opção muito interessante ao longo do tempo, uma vez que permitiu, simultaneamente, reforçar o corredor central, criando pelo menos duas superioridades (numérica e posicional), ao mesmo tempo em que potencializou a qualidade dos pontas, permitindo que pudessem driblar em espaços menos congestionados a priori. Junte a isso a possibilidade de que os pontas tenham pés invertidos (canhoto pela direita e vice-versa), e os cenários podem ser ainda mais interessantes, especialmente para equipes que pretendem atacar por dentro.
No caso de Guardiola, não se esqueça que isso também acontece quando ele ataca com apenas dois zagueiros, neste 2-3-5 que ele usa de vez em sempre. Mas, retomando o que escrevemos lá em cima, o 2-3-5 também é fluido (como qualquer outro sistema), e a fronteira que o separa de um 3-2-5, por exemplo, pode ser tênue, quase invisível.

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Também é importante, como já esbocei acima, considerar o perfil dos zagueiros em questão. Não apenas o perfil de hoje, mas o perfil futuro, o perfil que queremos despertar pelo modelo de jogo. Veja o caso de Aymeric Laporte, por exemplo: um zagueiro que talvez fosse mais condutor, com técnica e velocidade que lhe permitiam tranquilamente jogar pela esquerda em uma linha de três, mas que agora também desenvolve uma capacidade admirável de quebrar linhas em passes curtos ou longos, o que dá ainda mais fluidez ao ataque do City. É o tipo de qualidade despertada pelo modelo.
Laporte é um ponto fora da curva, mas o perfil de quem joga nessa primeira linha é importante. Se quero um ataque mais direto, basta um jogador que dê chutões ou preciso desenvolver alguma precisão, alguma localização para este passe? Se quero que meu zagueiro pela esquerda (da linha de três) conduza mais a bola no início da construção, é preferível que ele seja destro ou canhoto? No caso de um ataque apoiado, tenho zagueiros que se sentem confortáveis conduzindo ou passando a bola? Se sim, como podemos aproveitá-los ao máximo? Se não, como podemos desenvolvê-los? Algum dos volantes têm perfil para recuar alguns metros e construir o jogo desde o início? Algum deles têm perfil para resolver um problema a partir de um drible, se preciso? Repare, mais uma vez, como treinar uma equipe flerta com a arte não apenas de responder, mas de fazer perguntas.
No caso de quem joga por dentro, especialmente quando pensamos nessa saída lavolpiana (um dos volantes se junta à linha de zagueiros), é importante que este jogador tenha um bom passe, goste de passar a bola, goste de passar a bola bem, tenha interesse em distribuir o jogo. Imagine o que pode ocorrer, por exemplo, se este jogador se sente desconfortável para receber a bola de costas, correndo o risco de ser pressionado. Daí a importância, aliás, de fazermos com que nossas ideias conversem com os jogadores que temos, com as nossas possibilidades, que pensemos longe, mas que este horizonte seja alcançável, realista.

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Aqui, acho que temos algumas boas ideias iniciais. Em breve retomo a este tema, especialmente pensando sobre as outras fases do ataque iniciado por uma linha de três.
Continuamos em breve.