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Renegociação das dívidas tributárias no futebol

Em abril de 2020 entrou em vigor a Lei Federal nº 13.988/2020, denominada “Lei do Contribuinte Legal”, que prevê requisitos e condições especiais para viabilizar as transações tributárias entre contribuintes – clubes de futebol e a União Federal, e a negociarem os débitos tributários federais inscritos em dívida ativa ou objeto de contencioso judicial ou administrativo.

O objetivo da Lei é permitir que os bons pagadores, ou seja, aqueles que muito embora não possam, momentaneamente, arcar com seus débitos tributários, encontrem maneiras flexíveis e que enquadrem a sua realidade atual de maneira a renegociar os débitos tributários, possibilitando uma redução de até 50%referentes a descontos nos juros e multas. Para isso, basta que os clubes não sejam considerados infratores contumazes.

Trata-se da primeira lei brasileira que regulamenta o instituto da transação em matéria tributária, previsto no artigo 171 do Código Tributário Nacional – CTN, e faz parte da reforma tributária que se pretende implementar no Brasil, atendendo à produção, com a restauração da confiança e diminuição da interferência do Estado na economia.

A transação tributária tem como principal objetivo a redução de litígios tributários, promovendo a extinção de créditos tributários federais objeto de discussão, estimulando o contribuinte – clubes de futebol – a desistir da discussão em troca de uma redução no valor dos consectários da dívida.

Cabe ressaltar que a transação não se equipara a uma anistia ou parcelamento incentivado, como os diversos programas propostos nos últimos anos. Isto porque os referidos programas visavam a atingir determinados períodos de débitos, bem como tinham prazo para adesão. Caso não fosse feita a adesão e posterior consolidação dos débitos nos prazos previstos, os contribuintes não poderiam se beneficiar dos descontos de juros e multa, prazos alargados de parcelamento, dentre outros benefícios previstos pelos referidos programas.

A lei 13.988/20 dispõe sobre três modalidades de transação:

i) por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, ou na cobrança de créditos que seja de competência da Procuradoria-Geral da União,

ii) por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário, e

iii) por adesão no contencioso administrativo tributário de pequeno valor.

A proposta de transação deverá expor os meios para extinção do passivo tributário e estará condicionada, no mínimo, à assunção pelo devedor dos compromissos de:

i) Não utilizar a transação de forma abusiva, com a finalidade de limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa econômica;

ii) não utilizar pessoa natural ou jurídica interposta para ocultar ou dissimular a origem ou a destinação de bens, de direitos e de valores, os seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários de seus atos, em prejuízo da Fazenda Pública federal;

iii) não alienar nem onerar bens ou direitos sem a devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigido em lei;

iv) desistir das impugnações ou dos recursos administrativos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação e renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem as referidas impugnações ou recursos; e

v) renunciar a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, sobre as quais se fundem ações judiciais, inclusive as coletivas, ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação, por meio de requerimento de extinção do respectivo processo com resolução de mérito, nos termos da alínea c do inciso III do caput do art. 487 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

Nesse contexto, o ultimo case de sucesso sobre a transação tributária ocorreu com o Cruzeiro Esporte Clube que foi excluído do Programa de Modernização da Gestão e Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – Profut, ao deixar de cumprir com os requisitos mínimos do programa, qual sejam, deixar de quitar três ou mais parcelas sucessivas ou de maneira alternada de modo recorrente.

Após a exclusão, o Clube procurou vias para sanar o passivo tributário e, ao analisar a Lei Federal 13.998/2020, vislumbrou a possibilidade de renegociar a dívida ativa e, consequentemente, reduzir o débito.

Para aderir a Lei 13.998/2020, o Clube precisou assumir alguns compromissos como a alienação de bens, renunciar todos os recursos às execuções fiscais, dentre outros requisitos que citamos acima, ao passo que a renegociação reduziu cerca de 45% da dívida do Clube, o que configura cerca de R$ 151.798.099 de um valor total estimado de R$ 334.182.840,98. O saldo restante a pagar foi parcelado em 145 meses, com as 12 primeiras parcelas no valor aproximado de R$ 350 mil mensais. Passados esses doze meses, as parcelas teriam valores progressivos, conforme informou o clube.

Como no case de sucesso citado acima, a legislação trouxe novas possibilidades de renegociações entre os Clubes para com a União. Para que isso se concretize, basta que os interessados cumpram os requisitos e apresentem uma proposta formal para que a União aceite o acordo de uma transação tributária, e, principalmente, os gestores do futebol brasileiro sejam finalmente compromissados com as finanças dos respectivos clubes que gerenciam.

Imagem destacada: Gustavo Aleixo/Cruzeiro/Divulgação

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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O ataque do River de Marcelo Gallardo – A criação das jogadas

Na semana passada, iniciamos a nossa série sobre o ataque do River Plate do técnico Marcelo Gallardo discutindo a fase da construção das jogadas ofensivas da equipe. No texto de hoje vamos explorar o momento da criação das jogadas, nas zonas intermediárias onde as ações são realizadas com o intuito de propiciar as situações mais vantajosas na fase de finalização das jogadas ofensivas, que discutiremos na próxima semana.

Nessa fase a equipe do River preferencialmente inicia suas interações a partir de uma estrutura de segurança e circulação da bola utilizando três jogadores por trás, variando entre: médio + centrais (maior freqüência em 2018/2019) ou centrais + um dos laterais mais utilizado em 2014/2015. Essa estrutura favorece o avanço dos laterais em amplitude e permite a interação deles com os médios e atacantes para combinar jogadas pelos lados do campo. Veja alguns exemplos a seguir

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

A equipe argentina variou os jogadores que compunham a estrutura de segurança e circulação de bola nos três jogos analisados. Em 2014 ao alternar o lado do campo para atacar um dos laterais fechava pelo centro para liberar o lateral oposto, na figura 11 podemos ver Mercado fechando o corredor central e Casco avançando pela esquerda.

Já em 2018 a variação na utilização do médio “guardião” da região central Enzo Pérez que na figura 12 se posiciona entre os centrais e os laterais Casco e Montiel avançam, essa disposição oferece liberdade posicional para os médios Quintero e Palacios para flutuar pelos lados do campo e receber a bola de frente para o gol adversário.

Na figura 13, Enzo Pérez se posiciona ao lado de Maidana também permitindo o avanço de Montiel e Casco ao mesmo tempo pelos corredores laterais com mais segurança.

Organizando-se em 3 para iniciar seu ataque o River consegue não somente permitir o avanço dos seus laterais, mas também construir uma vantagem numérica diante de adversários que se organizam com atacantes numa estrutura de pressão.

Grêmio e Boca Juniors, foram equipes que escolheram essa alternativa e tiveram muitas dificuldades para recuperar a bola nessa zona do campo.

Ao estruturar-se com 3 apoios de segurança e circulação, os médios de Gallardo ficam livres para flutuar em diferentes espaços e permitindo interagir com os laterais que ganham profundidade. Outro benefício é que os médios controlam a bola de frente para a defesa adversária e conseguem ter uma visão de como está a situação dos atacantes que oferecem opções pelo centro; além de servir de apoios de segurança e circulação aos laterais para mudar o ponto de ataque com passes curtos ou longos em diagonal. Vejam dois exemplos dessas relações em jogos de 2014 E 2015

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Nas figuras 14 e 15 podemos ver o médio Pisculichi localizado nas regiões laterais pelo lado direito para pode ter conexões de amplitude e profundidade.

Nas imagens abaixo de 2018 os médios se oferecem como apoio de segurança aos laterais caso não haja a progressão pelo lado. Ao serem acionados podem mudar o ponto de ataque com passes curtos (Figuras 16 e 17) ou longos em diagonal (Figura 18).

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Essa estruturação posicional permite a equipe de Gallardo manter uma boa interação dos laterais com os atacantes para combinar jogadas pelo lado e garantir profundidade para atingir espaços nas costas da última linha defensiva do rival. Outro benefício, é que exige que o adversário recue para manter uma contenção e proteção segura, o que permite mais controle a equipe argentina e mais espaços livres para agredir e chegar ao gol adversário.

Imagem: Reprodução/Jonathan Silva

Na figura 19 de 2019 temos uma visão ampla dessa fase de disposição posicional. As opções de amplitude são estabelecidas com jogadores de características diferentes. O lateral Montiel está aberto pela direita como opção para progredir por fora e interagir com Nacho Fernandez.

Nas figuras 20 e 21 vemos o contrário, o lateral esquerdo Vangioni está por dentro e o atacante Cavenaghi está por fora, uma relação clara de alternância de largura. O cruzamento de Vangioni encontra Alario dentro da área que faz o primeiro gol da primeira conquista de Libertadores de Gallardo.

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Nas figuras 22 e 23 o lateral Mercado se posiciona em amplitude enquanto Sanchez se projeta para o espaço de fundo do corredor lateral, atacando o intervalo entre o lateral e zagueiros da equipe colombiana, ao ser perseguido pelo zagueiro um espaço valioso é aberto na linha defensiva do Atlético Nacional. Ao mesmo tempo Alario e Mora se colocam como apoios de fixação pelo interior aguardando um cruzamento futuro para dentro da área.

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Nas imagens 24 e 25 temos a variação da posição de amplitude, desta vez Sanchez está localizado mais aberto, enquanto o lateral Mercado se projeta pelo por dentro buscando o espaço nas costas da linha defensiva do LDU e novamente os atacantes Mora e Alario pelo centro invadem a área aguardando um cruzamento do lateral. Com essas combinações a equipe argentina vai ganhando profundidade e atacando espaços valiosos para concluir as jogadas.

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Na próxima parte da série, que será publicada no próximo domingo, serão analisados os comportamentos do River Plate na fase de finalização do ataque.