Não é difícil perceber que o Brasil tem vocação e tradição para sediar grandes eventos esportivos. Nos últimos anos sediamos os Jogos Panamericanos de 2007, a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de Futebol em 2014, os Jogos Olímpicos de 2016, Copa América de 2019, e a final da Copa Libertadores da América em 2021 além de outros eventos de menor porte, mas igualmente importantes para o calendário anual tanto voltado para o futebol quanto de outras modalidades esportivas.
Estes eventos como um todo exigem que o Poder Público, os organizadores e as empresas parceiras e patrocinadoras compreendam e se organizem para cooperar e empreender parcerias para que os grandes investimentos necessários para a realização destes eventos sejam viabilizados e os espetáculos aconteçam com maior frequência em nosso país e principalmente, com a segurança necessária para que imprevistos não ocorram.
Entretanto, é importante frisar que além de todas as questões esportivas e comerciais que envolvem a organização de grandes eventos como os acima citados, cabe aos organizadores se atentarem aos aspectos jurídicos, especialmente aqueles relacionados à responsabilidade civil em eventos Desportivos, um tema em constante desenvolvimento no Brasil, mas que ainda nos dias de hoje não tem espaço de debate suficiente considerando sua relevância e que tem como base o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Torcedor, o código civil de 2002, a Lei Pelé e a própria jurisprudência.
Em um breve histórico, lembramos que a responsabilidade civil no Brasil, quando ainda sob a vigência do Código Civil de 1916 era em regra subjetiva, ou seja, para ser caracterizado o dever de indenizar era necessário que a conduta que gerou o dano fosse, além de ilícita, culposa.
Passados os anos passou-se a dar maior atenção aquele que por exemplo tenha sofrido algum tipo de dano ou prejuízo em razão da má organização ou falta de segurança de algum evento desportivo, e com o advento do Código Civil de 2002 mudou-se o entendimento para responsabilidade objetiva do fornecedor que nada mais é do que a responsabilidade advinda da prática de um ato ilícito ou de uma violação ao direito.
Em que pese o assunto ser amplo suficiente para aprofundarmos, o objetivo do presente artigo é apresentar as principais legislações sobre responsabilidade civil em eventos desportivos, sem maiores detalhes sobre o tema e, trazendo ainda leve tendencia para os players envolvidos com futebol, mas deixando claro ao leitor que a legislação aqui trazida é também aplicável a eventos de outras modalidades desportivas.
Posto isso, ainda que aparentemente não tenham relação de proximidade, a Responsabilidade Civil em eventos esportivos está diretamente relacionada com o Direito do Consumidor o que nos traz a lembrança de que a responsabilidade civil em situações que envolvam litígios entre torcedor / participante de um evento e a entidade desportiva / organizador do evento será de natureza objetiva, não sendo, portanto, necessário fazer prova de culpa do organizador, com base na teoria do risco.
Ainda, em se tratando de evento desportivo, o Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003), em seu art. 3º equipara o termo “fornecedor” ao trazido no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor de modo que nas relações de consumo existente entre o torcedor e a entidade desportiva a responsabilidade civil da entidade desportiva será em regra objetiva.
“Art. 3º Estatuto do Torcedor – Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.”
“Art. 14. Código de Defesa do Consumidor – O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Dessa forma, os organizadores dos eventos desportivos, bem como as entidades desportivas detentora do mando de jogo (no caso do futebol) são considerados fornecedores, nos termos do art. 3º do código de defesa do consumidor:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Uma vez que os organizadores e detentores dos direitos dos eventos desportivos são considerados fornecedores, os torcedores serão considerados consumidores de modo que as relações que envolvam torcedor e entidade desportiva serão baseadas nas disposições trazidas pelo código de defesa do consumidor.
Este é o entendimento previsto nos art. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Perceba que a legislação que protege o torcedor em relação a responsabilidade civil é ampla, sendo que o Código Civil de 2002 traz em seus artigos 389 e 927 que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
E a Lei Pelé, que em seu art. 42, § 3º trouxe para a justiça desportiva o mesmo entendimento já previsto no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º (acima citado), sobre o conceito de consumidor.
“Art. 42. § 3º O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.”
Por fim, citamos o art. 19 do Estatuto do Torcedor, que traz de forma clara e direta a responsabilidade objetiva no âmbito esportivo.
“Art. 19. As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo.”
Portanto, o tema Responsabilidade civil é amplamente previsto na legislação desportiva havendo uma grande preocupação com o torcedor que comparado com consumidor nos termos do código de defesa do consumidor é considerado a parte hipossuficiente da relação e por isso temos atualmente a responsabilidade civil objetiva, presumindo-se a culpa do fornecedor (organizador do evento ou entidade desportiva) – responsabilidade objetiva, ou seja, havendo conflito, caberá a este último comprovar que não agiu com negligência, imperícia ou imprudência para não haver o dever de indenizar.
Dessa forma, o torcedor, ou qualquer indivíduo envolvido no evento esportivo que eventualmente tenha sofrido dano decorrente da falha na segurança do evento esportivo, em qualquer aspecto, poderá exigir justa indenização do organizador, incluisve do responsável pelo mando de jogo, que responderão de forma solidária ficando resguardado a estes o direito de regresso em sendo apurado o responsável pelo dano, ou conhecido aquele que tenha causado a situação de conflito e insegurança.
Ressalta-se, ainda, que a responsabilidade não se limita aos fatos ocorridos apenas no interior do local onde estiver ocorrendo ou tiver ocorrido o evento esportivo e durante sua realização, mas abrange também os arredores e espaço de tempo razoável antes e depois da sua realização.
Como pode ser percebido, o tema responsabilidade civil em eventos desportivos, é amplo suficiente para outros textos e por este motivo não é intenção deste artigo esgotar o tema nem trazer respostas prontas ao leitor, mas apenas demonstrar que há previsão de responsabilidade civil nos eventos desportivos na legislação inclusive a legislação específica relacionada ao Direito Desportivo, sendo certo que aos torcedores são garantidos direitos assim como aos organizadores são previstos deveres para casos em que ocorra danos.