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O olhar do desenvolvimento humano para as categorias de base

Crédito imagem: Thais Magalhães/CBF

Quando falamos de “base”, podemos começar fazendo um trocadilho: qual base os clubes fornecem para estas categorias?

Antes de tudo, vamos entender seu real significado segundo o dicionário:

BASE – substantivo feminino

1.parte inferior de alguma coisa, considerada como seu suporte

2. Construção

m.q ALICERCE (‘maciço de alvenaria’)

Precisamos aprender a olhar para a base como alicerce na construção do cidadão. Fala-se muito em jogador, craque, competitividade, nível técnico, talento, clubes, negociação e tanto outros termos tão conhecidos no mundo fascinante do futebol. Fala-se tanto sem falar de “alguém”, sem olhar para aquele indivíduo, aquele menino ou aquela menina, que muitas vezes, por conta da idade, não tem estrutura, uma base interna emocional e intelectual para tantas cobranças, tantos termos que não o traduz. Espera-se muito retorno sem dar suporte. Se continuarmos assim, arrisco dizer que nossas categorias de base poderão se transformar em uma “fábrica de seres humanos frustrados”. Precisamos olhar com mais responsabilidade social, emocional e intelectual para esse cenário. E, só assim, conseguiremos virar esse jogo e fazer das categorias de base um suporte para o desenvolvimento humano e até, quem sabe, uma “fábrica de realização de sonhos” para futuros adultos.   

Vamos lá, vou agora contextualizar os aspectos do desenvolvimento.

Um dos motivos do desenvolvimento humano ser tão complexo é que as mudanças ocorrem em muitos aspectos diferentes do eu. Para simplificar, podemos falar separadamente sobre o desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial em cada período da vida, mas na verdade, tais aspectos estão entrelaçados. Cada um deles afeta os outros.

As mudanças no corpo, no cérebro, na capacidade sensorial e nas habilidades motoras são todas partes do desenvolvimento físico. As mudanças na capacidade mental – tais como aprendizagem, memória, raciocínio, pensamento e linguagem – constituem o desenvolvimento cognitivo. O crescimento da memória de uma criança, por exemplo, contribui para a experiência emocional da ansiedade de separação: quando a criança começa a ser capaz de se lembrar do passado e projetar o futuro, seu desenvolvimento emocional é afetado.

O autoconhecimento desenvolve-se continuamente a partir da infância. O crescimento cognitivo que ocorre durante a terceira infância (dos 6 aos 12 anos) permite aos jovens desenvolver conceitos mais realistas e mais complexos de si mesmos e de sua capacidade de sobreviver e ter êxito em sua cultura. A autoestima desenvolve-se à medida que as crianças começam ver a si mesmas como integrantes valiosos na sociedade.

Segundo Diane E. Papalia, autora do conhecido livro “Desenvolvimento Humano”, podemos categorizar, dos 6 aos 12 anos de idade, o período da Terceira Infância; e dos 12 aos 20 anos de idade, o período da Adolescência. Dessa forma, entende-se que, quando falamos de categorias de base ou formação, estamos literalmente falando de um indivíduo em sua formação integral humana.

Ir à escola, ficar longe dos pais, lutar para conquistar seu espaço no grupo de amigos, frustrar-se com tarefas, sentir-se aceito e outras experiências “comuns” às faixas etárias que me refiro já fazem um grande “estrago” na evolução cognitiva, mental e emocional se não forem bem elaboradas e direcionadas. Agora, imagina só quando falamos em realidades como morar fora de casa, não ter a escola como seu principal ambiente de amadurecimento psicossocial, quando a necessidade de se sentir aceito não é apenas por “um grupo de amigos”, mas sim por uma torcida inteira apaixonada pelo time. E vamos além: muitas vezes, o que se escuta é que “serve ou não serve” aquele “produto” para o time. São muitos valores humanos negligenciados e regendo a vida de um adolescente.

E então, o que acontece muitas vezes é que o “dar certo” ou o “não dar certo” vai para a conta do comportamento do (a) atleta, como se todo esse cenário citado não influenciasse diretamente em suas competências comportamentais (a disciplina, o comprometimento, a tomada de decisão, o trabalho sob pressão etc.). Acaba se tornando mais conveniente para os tomadores de decisão sobre o futuro do atleta falar que “a personalidade de fulano é que é difícil de lidar.”

Outro ponto importante, que vamos mais uma vez recorrer a Papalia:

Personalidade é a maneira peculiar e relativamente consistente de uma pessoa sentir, reagir e se comportar.  Que pode ser alterada e moldada a partir do desenvolvimento social, sendo a referência principal a partir das relações com os outros e o ambiente no qual o indivíduo está inserido.

Após toda essa resenha sobre um pequeno fragmento do desenvolvimento humano (que é infinitamente mais complexo), fica claro que se focarmos em estruturar uma base sólida de desenvolvimento integral do cidadão, que considera desenvolver o ser humano em suas dimensões intelectual, física, emocional e social/cultural, estaremos mais seguros de que o atleta estará muito bem acolhido pelo sujeito. E, assim, assertivamente conseguirá atingir melhores resultados em todas as áreas da sua vida.

Porém, se o foco permanecer nos resultados, estaremos “atropelando” e “rejeitando” um ser humano que não é ainda “conhecedor de si”, e sim “apenas” dono de um talento, que pode ser por ele mesmo perdido.

Ser reconhecido, carregar títulos, conquistar contratos milionários deve ser visto como consequência de um indivíduo bem estruturado internamente e em constante evolução. O resultado, quando vem da consistência diária de bons hábitos e bons valores, torna-se um propósito de vida que vai muito além de ganhar ou perder.

Aí sim, caminharemos com as categorias de base!

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O peso do contexto no futebol

Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF

A flexibilidade é uma das principais características que um treinador deve desenvolver para ser bem sucedido no futebol. Adaptabilidade é fundamental no alto rendimento. Claro que há ideias e conceitos de jogo que são inegociáveis. O próprio perfil de liderança e gestão de grupo também deve ter uma ideia macro. Porém se o sucesso mora nos detalhes – e de fato mora – há particularidades que devem ser específicas e circunstanciais para cada trabalho desenvolvido.

O contexto de cada clube traz implicações diretas na atuação do treinador na criação de uma forma de jogar. E o primeiro ponto de tudo é entender primeiramente as características dos jogadores que se tem. Os atletas condicionam as ideias, nunca o contrário. E claro que a qualidade do grupo está muito atrelada à gestão, finanças, análise de desempenho, dentre outras coisas que são do clube. Nunca é só um elemento. É sempre sistêmico.

Esse próprio cenário vai determinar se a equipe tem condições de título ou se luta apenas para se manter na divisão. E sabemos que isso mexe diretamente com a parte mental dos jogadores. Fica muito mais difícil, por exemplo, ter coragem nas ações com a bola quando se está sempre na corda bamba. Diante disso, a condução do grupo por parte do treinador também deve ser estritamente circunstancial. E se estou falando tanto de contexto, as relações com o ambiente também devem ser singulares. A maneira de lidar com cada diretoria, torcida e imprensa é diferente e única em todo lugar do mundo.

O melhor técnico de hoje não é o que tem mais conhecimentos técnicos, táticos e metodológicos. Nem o que já teve no passado, excelente liderança e habilidades de comunicação. Mas sim o que entra em ‘estado presente’ no aqui e no agora e que com isso consegue rapidamente perceber tudo ao seu redor e agir com eficácia. A soma e a correlação das habilidades e conhecimentos prévios é o que vai garantir a performance de hoje. O técnico é contratado pelo que fez ontem, mas conseguirá resultados se conseguir se moldar ao que o hoje pede.