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Estaduais no Brasil -Possíveis desdobramentos e benefícios

Crédito imagem – César Greco/Palmeiras

Após a exposição da ideia através da qual se pretende redesenhar algo tradicional no ambiente do futebol brasileiro como os campeonatos estaduais, é natural que surjam questionamentos sobre as consequências advindas da inovação proposta.

Apresentarei nesse último texto, os reflexos imaginados para cada um dos envolvidos no mercado do futebol: Federações; Confederação; clubes maiores; equipes menores; mercado de trabalho; setor de serviços; imprensa; investidores; patrocinadores; fornecedores; redes de televisão; governos municipal, estadual e federal; economia nacional; e, por último, a população em geral.

. Federações: Localizadas em cada um dos estados do país, comandam e organizam a prática do futebol nesses espaços. Imaginando a nova conformação dos campeonatos estaduais, essa redundaria em ganhos consistentes. Afinal, maiores seriam as receitas advindas de registros de clubes e de jogadores; além dos ganhos com as taxas incidentes na organização e realização dos jogos.

. Confederação Brasileira de Futebol: Sediada no Rio de Janeiro e responsável pelo desenvolvimento do esporte no país, a CBF também receberia um considerável aumento de receitas pelo maior número de registros; tanto de clubes quanto de atletas. Sendo que o número de atletas profissionalizados aumentaria exponencialmente. Soma-se a isso, as receitas advindas das taxas incidentes sobre os diferentes eventos esportivos a serem realizados por essa instituição. Por último, a CBF teria maiores receitas para investimentos na organização e premiação dos campeonatos nacionais, além do planejamento das agendas das seleções nacionais.

. Clubes maiores: Além de uma disputa mais enxuta pela menor quantidade de datas, essas equipes que possuem calendários nacionais extensos teriam a possibilidade de adquirir os jogadores que se destacassem nesse campeonato interno de maior abrangência a um custo muito menor do que se fosse necessário garimpar tais valores em outras localidades fora desse estado de origem.

. Clubes menores: Haveria a conquista do sonhado calendário anual e a manutenção do elenco de atletas de forma contínua. Atrelado a isso, ter-se-ia a possibilidade de exposição de seus jogadores em nível estadual, o que facilitaria a realização de negócios entre os clubes participantes. Com isso, podendo acarretar uma elevação nas receitas e resultando na possibilidade de novos investimentos.

. Mercado de Trabalho: Ocorreria a abertura de maiores oportunidades de emprego não apenas para atletas profissionais, mas também para educadores físicos, fisioterapeutas, contadores, administradores, advogados, dentistas, nutricionistas, dentre outras profissões que habitualmente gravitam dentro desse mercado onde se insere o futebol. Seria incrementada a busca por essas ocupações em âmbito local, o que aumentaria a população ativa e reduziria índices de ociosidade desses profissionais graduados que hoje, muitas vezes, estão subaproveitados.

. Setor de serviços: Pelo maior número de partidas durante um tempo mais extenso no decorrer do ano, esse setor da economia seria estimulado a novos investimentos pela necessidade do deslocamento contínuo de torcedores adversários e suas demandas por hospedagem e alimentação. Novos trabalhadores seriam requeridos e novas receitas seriam geradas.

. Imprensa: Estes profissionais seriam requisitados pelo segmento de esportes que se constituiriam em áreas especializadas em cada uma das cidades envolvidas nas disputas. Isso aumentaria a audiência dos canais locais de comunicação, gerando a necessidade da contratação de novos jornalistas e a construção de uma relação mais produtiva com as empresas interessadas em atrelar suas marcas aos clubes de suas cidades.

. Investidores: Realizando um planejamento bem delineado, naturalmente ocorreria o interesse de organizações em investir nesse rentável ambiente do futebol. Para isso, bastaria que existissem regulamentações claras quanto a entrada e saída desses recursos. O interesse em investir no esporte é perene, o que faz com que muitas vezes isso não se concretize, é a falta de regras transparentes das responsabilidades de cada um dos atores envolvidos: clubes e interessados em investir.

. Patrocinadores: Com realização de jogos nas proximidades, certamente, os empresários residentes na cidade desejariam investir (e lucrar) com o apoio aos clubes locais. Assim, quanto mais benéfica a construção de uma parceria, maior seria o interesse em patrocinar uma equipe de futebol.

. Fornecedores: Para estas empresas, o redesenho dos estaduais redundaria em lucros crescentes pela exigência de maiores insumos para a realização de jogos. Organizações que produzam artigos a serem utilizados ou consumidos na prática desse esporte teriam uma grande rentabilidade. Outras, também interessadas nesses ganhos, surgiriam.

. Redes de televisão: É sabido que, no formato atual, os índices de audiência que retratam o interesse do público têm apresentado seguidamente um viés de queda. Com a adoção da sugestão apresentada, a audiência deveria ser ampliada dentro do espaço estadual. Novas adesões aos pay-per-view por parte dos torcedores de clubes menores seriam criadas, algo ainda inexistente. Assim, como o interesse pelas fases decisivas, mais curtas e intensamente disputadas.

. Governos municipal, estadual e federal: O conjunto de instituições da Administração Pública espalhadas pelos diferentes níveis de governos poderiam ter uma maior arrecadação de impostos advinda do aumento no número de partidas; da expansão do setor de serviços; de maiores contratações de profissionais; da ampliação na comercialização de produtos; do incremento no gasto dos clubes com investimentos.

. Economia nacional: Essa seria favorecida pela melhoria nos indicadores de empregos formais e informais com o aumento da população ativa e contribuinte à Previdência nacional; pela diminuição da ociosidade de jovens e adultos; expansão da atividade industrial para o fornecimento de insumos para a prática do esporte; incremento no faturamento de empresas inseridas no mercado do futebol; ampliação dos rendimentos dos profissionais envolvidos; busca por capacitação de profissionais interessados em trabalhar nesse segmento esportivo; investimento em infraestrutura por parte de estados e municípios para cumprirem requisitos mínimos exigidos aos clubes; movimentação do setor de serviços, principalmente hospedagem e alimentação; possibilidade de interrupção ou mesmo reversão parcial do êxodo rural; aumento esperado no percentual de estudantes.

. População em geral: Abertura de novas oportunidades profissionais no interior do país, além do agronegócio; possibilidade de migração para cidades menores com os benefícios similares aos centros urbanos; diminuição do desemprego; redução dos indicadores de violência pela queda na ociosidade de jovens e adultos; possibilidade de reversão da evasão escolar; ampliação da prática do futebol em âmbito local; melhoria dos indicadores de saúde dos praticantes desse esporte.

Imaginar que apenas a exposição dessa ideia possa fazer com que o futebol brasileiro se transforme é uma ilusão da qual não compartilho. A intenção é a de oferecer uma visão mais ampliada desse esporte na configuração estrutural do nosso país. Onde uma observação atenta sob esse aspecto macroeconômico possa proporcionar uma noção do quanto se perde em receitas para o país, simplesmente pela falta de ousadia em se inovar – de uma forma mais planejada e estratégica – em uma atividade econômica para a qual, culturalmente, somos capacitados desde a infância.

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Diferencial do Futebol Brasileiro – O ambiente de aprendizagem

Crédito imagem – Lucas Figueiredo/CBF

Nas últimas semanas, venho escrevendo sobre o que pode ser considerado o grande diferencial do futebol brasileiro, talvez o maior dentre os positivos, comparativamente aos demais países. Esse diferencial refere-se ao período de iniciação esportiva, quando a cultura brasileira favorece a aprendizagem do futebol de uma maneira bastante especial, pelo menos no passado e, ainda em alguns lugares, no presente.

A população infanto-juvenil brasileira, sobretudo os meninos, mas não só, historicamente utilizava grande parte do seu tempo livre para jogar bola. Das mais diferentes maneiras e nos mais diversos espaços disponíveis, o futebol ou algo parecido com ele era a brincadeira predileta da infância de milhões de pessoas. O pensamento, segundo o qual, da quantidade se extrai qualidade pode ser utilizado, mas, na minha opinião, não basta. Para chegarmos ao nível de excelência que chegamos em relação ao futebol mundial, além de uma quantidade enorme de crianças e adolescentes brincando de futebol – e, consequentemente, aprendendo a modalidade – também existiam outros elementos que fizeram de nós, segundo alguns, o “país do futebol”.

Não é correto afirmar que apenas os brasileiros brincavam e brincam de futebol na infância. Em diversas observações, obras biográficas, entrevistas e pesquisas sobre a infância de atletas e ex-atletas ao redor do mundo, é possível encontrar evidências de brincadeiras similares ao futebol praticadas na rua, ou espaços equivalentes. Isso é uma prática quase que global. 

Porém, por que os jogadores e jogadoras brasileiras, de maneira geral, possuem um jeito diferente de jogar futebol e de se relacionarem com a bola? Será que esse período da infância tem relação com isso? O que a pedagogia pode nos explicar?

Bastante! Um exemplo de como a pedagogia pode nos ajudar é por meio da compreensão do conceito de ambiente de aprendizagem. A partir dele podemos destacar alguns pontos que nos diferenciam e nos favorecem para a aprendizagem, particularmente, no nosso caso aqui, do futebol. 

Sabemos que as técnicas corporais advêm da cultura lúdica, isto é, do conhecimento que determinada população possui de seus jogos tradicionais(*). No Brasil, temos o privilégio de termos influências culturais diversas que nos apresentam um repertório de expressão corporal rico, a partir de jogos e danças, especialmente indígenas, africanas e europeias. Essa riqueza cultural faz as crianças brasileiras se movimentarem de diferentes formas, criando diferentes técnicas corporais. Dentre elas estão as técnicas corporais relacionadas ao futebol: correr, gingar, equilibrar-se, saltar, relação com a bola etc.

Outro ponto que nos favorece é o nosso clima, que permite a prática de todas essas brincadeiras ao ar livre o ano todo. Se lembrarmos de Malcolm Gladwell e sua regra das 10.000 horas de prática deliberada para a excelência em determinada atividade, e percebermos como essas práticas lúdicas são capazes de criar conhecimentos e técnicas transferíveis para o futebol formal, percebemos que, enquanto país, temos um ambiente favorável para essa aprendizagem nesse quesito.

Para além de toda essa riqueza cultural de movimentos e a possibilidade de praticá-los o ano todo, temos algumas brincadeiras específicas, particularmente de bola com os pés, que estão bastante presentes na nossa cultura e nos fazem “treinar” gestos assemelhados aos praticados no jogo de futebol formal.

Essas brincadeiras giram em torno da mais tradicional delas, que é a pelada (também conhecida no Brasil afora como rachão, baba, contra, timinho etc.), proporcionando uma quantidade e qualidade de estímulos excepcionais para o desenvolvimento de conhecimentos específicos do futebol, mas não só. Entre as manifestações mais conhecidas dessa brincadeira está o jogo de futebol tradicional (11×11), além dele, em formatos reduzidos (3×3, 5×5, 8×8, golzinho etc.). Orbitando a pelada, encontramos jogos como o bobinho; a rebatida (ou repetida); o controle; 3 dentro, 3 fora; artilheiro; cruzamentos; driblinho; além dos jogos individuais com a bola nos pés.

Reúna todos esses elementos do ambiente de aprendizagem informal chamado Brasil, à prática de milhões de crianças e adolescentes – brincando de futebol – alguns deles por milhares de horas, e teremos uma combinação maravilhosa para o desenvolvimento de grandes talentos. Imagine cenários de “ruas” brasileiras de meados do Século XX, com a população urbana crescente, com a base da pirâmide etária populacional cheia de crianças e adolescentes indo brincar ao ar livre e encontrando no futebol uma forma de satisfazer suas vontades lúdicas. Dezenas dessas crianças, cada uma mais habilidosa que a outra, se encontrando e jogando futebol a tarde toda, até o anoitecer, quando tinham que voltar para a casa. Será que essa experiência não equivale ou mesmo supera os melhores treinos e aulas de futebol em escolas e clubes?

Esse ambiente de aprendizagem brasileiro está em risco. Se em algum dia perdermos essa característica cultural brasileira de sermos apaixonados pelo futebol e pelas brincadeiras ao ar livre, provavelmente nada restará que nos favoreça para a aprendizagem do futebol ou de qualquer outro esporte dessa natureza. Por exemplo, com o crescimento da cultura dos jogos virtuais, as crianças poderão perder grande parte da vontade e tempo de brincar de futebol e daqueles jogos que se assemelham a ele. Que técnicas corporais elas formarão nesse cenário?

Outra ameaça é a projeção de um menor número de crianças e adolescentes em termos proporcionais à população, segundo o IBGE(**). Uma menor quantidade geral de crianças, pode ser transferida para uma menor quantidade fractal, isto é, por grupo infantil, o que prejudica um dos fatores mais ricos para a aprendizagem de um jogo, que é a diversidade de obstáculos e desafios que os demais jogadores colocam para serem superados. Outro fator preocupante é a falta de segurança crescente que tende a impedir cada vez mais as crianças de brincarem em espaços públicos, ao ar livre. 

Acredito que ainda não estamos totalmente tomados por essas ameaças. O Brasil, como ambiente de aprendizagem aplicada ao futebol, ainda pulsa. Podemos perceber atualmente muitas crianças e adolescentes apaixonados pelo jogo de futebol, fazendo dele a sua brincadeira predileta. Especialmente nas periferias dos grandes centros urbanos, nas cidades de interior ou no litoral, o futebol brasileiro raiz ainda sobrevive na cultura lúdica infantil. Do ponto de vista pedagógico não é supérfluo estudar este tema. Acredito que ele tenha sido um grande diferencial para que alguns jogadores brasileiros fossem admirados como gênios e artistas da bola e algumas de nossas equipes pudessem jogar um futebol arte e vencedor por décadas.

Portanto, continuo com a provocação de que estudar a forma como os brasileiros tradicionalmente aprenderam a jogar bola pode salvar o futuro do nosso futebol, mas não só! Pode salvar também a educação deste país! No próximo texto falaremos sobre como uma Pedagogia inspirada nesse ambiente de aprendizagem informal, que o Brasil criou aos montes, pode ensinar muito mais que futebol. Sabemos que ela não é só capaz de produzir grandes craques, pois, por mais admiráveis que sejam, eles não são suficientes para um país; ela pode e deve fazer muito pela educação integral das crianças, adolescentes e jovens brasileiros. E é disso que falaremos no texto da semana que vem.

Até lá!

(*) Veja mais em: Dos jogos tradicionais às técnicas corporais: um estudo a partir das relações entre jogo e cultura lúdica (SCAGLIA, FABIANI e GODOY, 2020). Clique para acessar.

(**) Veja mais em: Site do IBGE – Projeção populacional: diminuição da base da pirâmide etária. Clique para acessar.