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Princípios Pedagógicos – Não é só futebol e nem deve ser

Crédito imagem – Jogos estudantis da Bahia/Divulgação

O futebol por si só é gigante, mas não é nem maior e nem mais importante que outras dimensões da vida. Você concorda com essa afirmação? Na vida de quem é apaixonado(a) por futebol, é muito provável que esse fenômeno produzido pela cultura humana ocupe grande parte dos pensamentos e momentos mais marcantes de nossas histórias. Quem trabalha com futebol, especialmente, sabe bem o quanto este mercado te exige de dedicação e trabalho para que se alcance algum destaque. No entanto, o futebol por si só, o jogo bem jogado, o jogo bem analisado, a equipe bem treinada, os alunos e alunas desenvolvendo suas habilidades, a escola e o clube crescendo, são coisas importantes que almejamos e trabalhamos para que aconteçam. Contudo, se investigarmos mais a fundo sobre esse “core business” do nosso dia a dia, veremos que eles não podem estar isolados de outras dimensões da vida, tão ou mais fundamentais quanto ele.

Quando queremos que nosso trabalho prospere, ao redor da prosperidade sempre há pessoas e relações que a oportunizaram. Não podemos desejar o nosso sucesso no futebol sem considerar o processo de construção desse sucesso. Por trás de um título, por exemplo, há sempre diversas histórias de superação, companheirismo, esforço, autoconhecimento, sabedoria, amor, enfim, faculdades humanas extraordinárias que podem justificar o sabor da conquista, até mais do que um significante troféu na galeria da escola ou do clube. Da mesma forma, quando contribuímos na formação de um jovem ou uma jovem para que conquiste seu sonho de ser atleta, ou qualquer outro sonho, pelo menos eu, não estou preocupado apenas em fazer bem o meu trabalho e se reconhecido por isso. Há uma intenção genuína de ajudar o próximo. Uma das melhores formas que tenho de contribuir com a sociedade é a partir das minhas aulas e treinos, pois são os melhores momentos que tenho para influenciar positivamente a vida dessas pessoas. Contudo, eu não conseguiria fazer isso apenas ensinando futebol. Eu preciso “ensinar mais que futebol”. E é este o último princípio pedagógico que trataremos nesta série de artigos.

Da mesma forma que o futebol me possibilitou conhecer muito do que está no seu palco, evidente a todos apaixonados por este esporte, também me possibilitou conhecer os seus bastidores, o seu processo de construção. E esse processo de construção sobre tudo o que há de bom no futebol, pode estar presente na construção de coisas para além do futebol. O que eu quero dizer com isso?

Todas aquelas faculdades humanas presentes no processo de conquista de uma competição esportiva, citadas no início deste texto, podem ser importantes na construção de outras coisas na vida. Por exemplo, no futebol, nada se ganha sozinho ou sozinha. Há sempre muita gente envolvida trabalhando, melhor ou pior, mais ou menos, mas todos em busca de um objetivo comum. Essa capacidade de trabalho em equipe em prol de um objetivo favorece apenas o sucesso no futebol ou também para mais dimensões da vida? Em um matrimônio, por exemplo, saber tomar decisões em conjunto também faz parte do sucesso dessa relação? Quando você está em uma equipe e precisa tomar uma decisão em conjunto, você pode ter sua opinião superada por outra. Você precisa compreender que naquele momento a opinião que irá prevalecer não será a sua. Como você lidará com isso? Saber lidar bem com essa situação é algo que se aprende ou já nascemos sabendo? Por que não desenvolver a minha aula ou treino de futebol de modo a ajudar uma criança ou adolescente a saber também lidar melhor com esse tipo de situação?

Exemplos de situações presentes no futebol, que para você ter sucesso o processo te exigirá conhecimentos importantes para a vida, não faltam. No próprio jogo, a coragem de arriscar, o pensamento estratégico, a solidariedade, a ética, a empatia, a gana de vencer, saber aprender com as derrotas, enfim, elementos que são imprescindíveis para jogar bem a vida também estão presentes na vida cotidiana, para viver bem, e vice-versa. Isto quer dizer que o jogo de futebol, a minha aula e meu treino não estão desassociados da vida das pessoas que os frequentam. São parte dela como quaisquer outras. Porém, naquele momento, eu, enquanto educador, tenho uma grande influência sobre essas pessoas. Considerando ainda mais o meu caso, que pode ser o seu também, a maioria delas está na infância ou adolescência, logo, em etapas cruciais da formação humana. Portanto, eu não posso deixar passar a oportunidade de fazer com que a minha aula, além de ensinar a gostar de futebol, ensinar bem futebol a todos e a todas, também ensine mais que futebol.

Em meio às atividades de aula ou treino, em que os objetivos específicos são relacionados ao conhecimento do jogo, eu sei que no processo de aquisição desse conhecimento específico, terei a oportunidade de ensinar coisas que são importantes para além do futebol. Muitas vezes eu nem preciso sair do contexto do jogo, às vezes preciso. O que é interessante ficar claro é que esse conteúdo que transcende a prática esportiva precisa estar na consciência e, por vezes, planejado pelos(as) professores(as) e treinadores(as), escolas e clubes, em seus currículos de formação. Alguém pode questionar: “Mas como em meio às minhas atividades específicas eu vou ensinar autoconhecimento, por exemplo? Eu não tenho tempo para isso!”

Lembre-se que o jogo faz parte da vida assim como as outras atividades humanas. Um maior autoconhecimento, por exemplo, fará alguém viver melhor em todas as situações de sua vida, bem como também o fará jogar melhor futebol. Por exemplo, uma criança é tímida, acanhada e entra numa escola de futebol. Uma ação simples para que essa criança comece a se sentir mais à vontade naquele grupo é incentivar para que as crianças da equipe comemorem juntas sempre que fizerem um gol. Este momento de celebração em grupo tende a fazê-la se sentir bem e pertencente àquele grupo, o que poderá ajudá-la a se soltar mais ao longo das aulas. Caso ela se transforme nas aulas nesse sentido, você acredita que ela jogará futebol melhor ou pior? Por outro lado, você acredita que ela será a mesma criança tímida fora desse ambiente? Pode ser que não fique tão à vontade quanto nas aulas de futebol, mas carregará consigo as transformações internas que as aulas lhe proporcionaram.

Em outra ocasião, podemos ter uma situação-problema do futebol, em que a intervenção do(a) educador(a) será fora do contexto de jogo. Uma atleta está passando por uma lesão que a tirou de jogos importantes da temporada. Será que a treinadora poderá realizar diálogos com ela que a farão persistir e se dedicar na sua recuperação e com isso voltar a campo em outro momento, em plena forma, confiante do seu potencial de jogar em alto rendimento? Caso esse processo seja cumprido com êxito e, de fato, ela volte bem aos campos, será que esse problema específico da vida dessa atleta não a terá transformado para ser mais capaz de reconhecer situações difíceis em que é necessário recuar para reconstruir o sucesso? Nesse sentido, gostaria de reforçar que o diálogo também é uma intervenção essencial para que essas transformações mais profundas aconteçam. Eles podem ser usados fora do ambiente de aprendizagem da aula ou do treino, mas também dentro, para trazer à consciência todas as situações do futebol, que no fim, não são apenas do futebol.

Com essa mensagem encerramos mais uma série de artigos. Espero que tenha gostado! Que essa minha intervenção pedagógica tenha te transformado de alguma forma e que essa transformação lhe inspire a transformar as vidas das suas alunas, alunos ou atletas, utilizando-se desses princípios pedagógicos também, assim como o Prof. João Batista Freire me inspirou ao escrevê-los.

Um forte abraço e até a próxima!

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Lições e alertas do skate olímpico

A disputa do skate nos jogos olímpicos chamou atenção do público pela pouca idade de muitos dos atletas. Entre eles, o destaque foi Rayssa Leal, brasileira medalhista de prata que cativou o mundo com seu carisma, sorriso e leveza. Aos 13 anos e 204 dias completados ela se tornou uma das medalhistas olímpicas mais jovens de todos os jogos e também uma das grandes histórias da atual edição.

Rayssa é conhecida como a fadinha do skate, por ter viralizado nas redes ao aparecer com sete anos em um vídeo fantasiada de fada acertando manobras e desde então foi crescendo no esporte até alcançar a conquista na última semana. A alegria que esbanjou ao longo da competição foi um forte sinal de como a experiência dos jogos para ela, e aparentemente, para a maioria dos seus colegas, foi divertida e positiva. Entretanto a “invasão de menores” que o skate proporcionou pode ter algumas consequências negativas no longo prazo que merecem ser discutidas.

O resultado de Rayssa e de tantos e tantas jovens atletas pode se explicar muito menos pela pouca idade do que pelo estágio de desenvolvimento da modalidade, ainda estreante no programa olímpico e pelas próprias características do esporte, que não exige tanto das aptidões físicas, a potência, velocidade e força, demandando mais da habilidade dos competidores. Entretanto, a mensagem que pode ficar para o público é a de que quanto antes começarem os treinamentos, melhores os resultados esportivos. É aí que mora o perigo.

Isso não é verdade nem para o desempenho nos esportes e muito menos para a vida desses jovens.

O treinamento especializado, quando acontece antes do momento adequado, é classificado por pesquisadores como especialização precoce, e é altamente prejudicial para o desenvolvimento das crianças, inclusive em relação ao desempenho esportivo. De modo geral, a especialização precoce acontece quando o esporte passa a ser uma obrigação para a criança, os resultados viram a prioridade e existe uma sobrecarga física e mental sobre ela.

Nessas situações a prática esportiva pode ser entendida como um trabalho. As consequência desse tipo de relação com o esporte observadas com maior frequência são a extenuação mental e o abandono da prática, ou seja, muitos talentos acabam sendo desperdiçados. Para o desenvolvimento dessas crianças outros prejuízos podem ser listados, como o distanciamento escolar, por exemplo.

Isso quer dizer que crianças não podem praticar esportes? Absolutamente não, podem e devem!

Quando observamos a relação dos e das skatistas nesses jogos olímpicos com o esporte, o que se pôde perceber é que muitos deles pareciam estar aproveitando o momento, se divertindo, inclusive com a performance dos rivais – que são mais colegas do que rivais! Ou seja, o grande ponto não é quando começar um esporte, mas sim como. Se a prática é prazerosa, sem obrigações, ela é benéfica para o desenvolvimento e potencializa o talento, como Rayssa demonstrou tão bem. Crianças devem brincar, não trabalhar.

O limite de idade

Para diminuir a precocidade dos seus participantes nos jogos olímpicos, a Federação Internacional de Ginástica (FIG) estipulou o limite para 15 anos e em 1997, subiu a idade para 16 anos. Temos aqui a ponderação de que a medida cerceia, de certa maneira, o direito de atletas talentosos a colocar suas habilidades à prova quando estiverem à altura da competição. Por outro lado, a medida ajuda a prevenir a especialização precoce e seus impactos negativos na vida dos jovens atletas. Quanto mais cedo for permitido que crianças disputem competições adultas e alcancem resultados excepcionais, mais cedo adultos irão buscar extrair o máximo delas, o que costuma ser trágico para seu desenvolvimento. Sob a ótica da garantia dos direitos das crianças, o limite mínimo de idade nas competições adultas acaba sendo, em geral, positiva.

E aqui, vale lembrar que estamos nos pautando pela priorização dos direitos das crianças. Se pensarmos exclusivamente no resultado de uma competição, talvez especializar possa até fazer sentido em alguns momentos… É possível ganhar de diversas formas, mas muitas vezes, algumas simplesmente não valem a pena.

Que Rayssa, e que todas e todos que venham depois dela continuem por aí voando, felizes. Vencedores ou não.

Colaborou com o desenvolvimento dessa coluna Marcelo Massa, doutor em Iniciação esportiva, Treinamento a longo prazo e Talento esportivo pela Universidade de São Paulo – USP.