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“PENALIDADE MÁXIMA”: UM OLHAR PEDAGÓGICO

*Este é um conteúdo independente e não reflete, necessariamente, a opinião da Universidade do Futebol.

Nestas últimas semanas, fomos surpreendidos (sic) com a divulgação dos resultados preliminares da “operação penalidade máxima”, iniciada pelo Ministério Público de Goiás, que investiga a manipulação de jogos e resultados a fim de favorecer determinados grupos de apostadores. Trata-se, de fato, da atuação de uma organização criminosa, com alguns dos seus líderes já detidos, que alicia e corrompe atletas profissionais de futebol para garantir a ocorrência de determinados eventos esportivos, por exemplo, pênaltis, cartões e expulsões e, com isso, gerar vultuosos ganhos financeiros decorrentes de apostas realizadas nas, cada vez mais presentes, casas de apostas esportivas, grande parte delas efetuadas em plataformas digitais e aplicativos.    

Como somos professores e não advogados, não nos aprofundaremos nas questões jurídicas que envolvem essa investigação. Nesse sentido, indicamos o texto escrito pelos advogados Andrés Perez e Stephanie Perez, publicado em 15 de maio no jornal Estadão[1].  Por outro lado, como somos professores e estudiosos do futebol, buscaremos tecer um olhar pedagógico sobre esse episódio. E, nesse exercício, refletiremos a respeito de algumas questões: O que significa, para o jogo, tirarem dele aquilo que possui de mais fascinante, ou seja, sua imprevisibilidade? Que tipo de formação nossos atletas recebem? Há, de fato, empenho dos clubes em formar os atletas integralmente? O que, pedagogicamente, podemos fazer para devolver, ao jogo, sua essência?     

A imprevisibilidade é, podemos dizer assim, o grande adversário daqueles que jogam. Se fosse possível prever todas as jogadas do adversário no xadrez, o jogo seria menos assustador e, por outro lado, menos notável e admirável. Se fosse possível prever o resultado do jogo, o ganho seria certo na casa de aposta. Se fosse plausível indicar a priori os lances e movimentos dos jogadores de defesa, seria mais fácil chegar ao gol e assim por diante. Ora, se o grande adversário é a imprevisibilidade, mais que derrotar o adversário, o objetivo deve ser derrotar o imprevisível. Mas como fazer isso se o imprevisível é, também, invisível? Se o imprevisível se revelasse, o jogo morreria, se transformaria em qualquer outra coisa, menos em jogo. Poderia ser uma tarefa, um trabalho, um encargo, um negócio… De acordo com as regras do jogo, implícitas ou explícitas, isso não pode ser feito. Mas… se burlarmos as regras, sim. Se burlarmos as regras, para os que não souberem disso, o jogo continuará sendo jogo, mas para os fraudadores ele deixará de ser jogo, uma vez que se saberá de antemão os detalhes da sua realização e, quem sabe, até seu resultado final. 

Pois foi o que fez a quadrilha que oferecia a apostadores privilegiados, antecipadamente, detalhes de certas partidas. Para isso, aliciava, corrompia e combinava com alguns jogadores quais ações deveriam realizar no decorrer do jogo. A intenção não era oferecer o resultado final, mas apenas algumas ocorrências como cartões amarelos ou vermelhos, penalidades máximas etc. Para tais apostadores, a partida de futebol deixaria de ser um jogo, uma vez que foi revelado o imprevisível, que deixou de sê-lo. Para esses apostadores não interessava jogar, arriscar, mas apenas ganhar. E não se tratava de ganhar o jogo de futebol, mas o jogo do mercado financeiro. 

Ainda que os envolvidos tenham que ser responsabilizados na esfera jurídica e criminal pelos seus atos, o que pode ser feito para que o futebol (e demais jogos) não perca(m) aquilo que de mais fascinante ele tem, ou seja, a incerteza do seu resultado? Certamente, entre outras medidas, investir numa educação de boa qualidade. E, com isso, queremos dizer investir numa educação integral, crítica e emancipatória. Que nossos jovens que trilham o caminho do futebol profissional aprendam mais que técnicas e táticas para defender e atacar.

Ao apostar numa educação integral dos nossos jogadores e atletas, corroboramos a afirmação do filósofo português Manoel Sérgio de que “para saber de futebol, é preciso saber mais do que futebol”. É fundamental que nossos atletas construam uma carreira e estejam preparados para lidar com o futebol enquanto negócio; que se eduquem para viver dentro e fora do futebol, ou seja, que saibam gerir sua vida pessoal e profissional. Afinal, mais uma vez citando Manoel Sérgio, “se eu não conhecer os homens e mulheres que driblam, fintam e chutam, eu nunca compreenderei as fintas, os chutes e as fintas”. 


[1] https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/manipulacao-de-jogos-e-resultados-no-futebol-brasileiro-entenda-quais-sancoes-poderao-ser-aplicadas-aos-atletas/

Texto por: João Batista Freire e Rafael Castellani.

*Este é um conteúdo independente e não reflete, necessariamente, a opinião da Universidade do Futebol.