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Menos finalizações, mais gols: a intenção na ação e a lógica do jogo

Em uma partida de futebol, uma equipe tem em média 90 sequências ofensivas a seu favor. Somando as sequências ofensivas de duas equipes, em um jogo, em média, existirão 180 sequências ofensivas (em algumas divisões e países a média é de 160 sequências).

Se levarmos em conta que historicamente em campeonatos brasileiros (e tantos outros pelo mundo), a média de gols por partida está abaixo de três gols (muitas vezes bem abaixo), poderemos inferir que, no jogo, em menos de 1,67% das vezes o sistema ofensivo de uma equipe sobressai efetivamente sobre o sistema defensivo da outra (que é o “gol”).

O êxito ou fracasso final de uma seqüência ofensiva concentra-se integralmente na ação da finalização. Podemos dizer que sendo a finalização dependente de inúmeros fatores (e que qualquer alteração em um desses fatores pode comprometer por completo a sequência ofensiva), ela apresenta padrões caóticos.

Muitos estudos têm mostrado em quê faixas de tempo há maior incidência de gols em jogos de diversos campeonatos pelo mundo. Apesar de algumas pequenas diferenças é comum a todos eles a constatação de que a maior parte dos gols em uma partida tem ocorrido no segundo tempo.

No entanto, estudos Brasil a fora, incluindo alguns desse que vos escreve, têm constatado na grande maioria das vezes que a maior parte das finalizações em um jogo ocorre no primeiro tempo da partida – apesar de grande parte dos gols ocorrer no 2º tempo (abaixo podemos ver a incidência de finalizações ao longo de jogos, nacionais e internacionais, escolhidos aleatoriamente – mais informações a esse respeito estão disponíveis também na dissertação de mestrado que defendi em 2004).

Muitas hipóteses e muitos palpites podem ser levantados a partir dessa constatação (de que o aproveitamento no 2º tempo do jogo é melhor do que no 1º). O fato é que o futebol é transdimensional e apontar esse ou aquele fator para explicar esse ou aquele acontecimento simplifica demais em relações de causa e efeito algo que não se estabelece assim – o jogo de futebol é complexo!

A questão é que, independentemente dos gols acontecerem mais no 1º ou no 2º tempo do jogo, eles são escassos no futebol. A defesa sobressai ao ataque, e muito!

Como já escrevi em outras oportunidades, quase todas as equipes de futebol vão para o jogo para não sofrer gols, e depois, também, para fazer gols. O pensamento, ou melhor, a intenção, devia ser sempre a de fazer gols, e ponto.

O objetivo máximo do jogo é fazer gols, e não, não sofrê-los; e isso é mais difícil de se entender e de se aceitar do que parece.

Como a intenção das equipes se choca com o objetivo máximo do jogo, o que temos é “o que temos”… pouquíssimos gols! Mas quando as equipes precisam se arriscar mais, por motivos diversos (necessidade de se arriscar que se expressa e se consolida muitas vezes no 2º tempo dos jogos, quando se está perdendo, quando se necessita de algum resultado específico, etc.), os gols também acontecem mais.

Isso quer dizer, em outras palavras, que a intenção coletiva da equipe faz com que ela se comporte de maneira diferente no jogo. Infelizmente, muitas vezes a intenção de treinadores e das equipes bate de frente com aquilo que o jogo necessita, e o pior, se dá pouca importância a isso.

A lógica do jogo (aquela que leva para a vitória) está aí e pode ser vista por quem quiser enxergá-la! Para uma equipe dominá-la, poucas coisas precisam mudar no nosso atual cenário paradigmático, mas essas poucas precisam mudar muito!!!

(…) “A inteligência segue o caminho inverso da ação. E é somente isso que a torna inteligência. Começando do ponto ao qual se deseja chegar, evita-se o comportamento errático e desordenado a que se dá o nome de tentativa e erro“. (RUBEM ALVES, “Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e a suas regras”. São Paulo: Edições Loyola. 2008. p.36)

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O necessário equilíbrio entre os clubes

Caros amigos da Universidade do Futebol,

Apesar de falarmos exaustivamente neste espaço que o futebol já deve ser considerado como um verdadeiro ramo de atividade econômica, sempre esclarecemos que a competição entre clubes no futebol não pode ser comparada à competição existente entre empresas concorrentes em outros segmentos.

O futebol tem sua especificidade e isso deve ser sempre ressaltado por legisladores e também por pessoas ou organizações que dirimem litígios na área desportiva. Os clubes rivais dependem um do outro. Quanto mais competitivos forem os jogos, maior será o potencial sucesso dos clubes conjuntamente considerados.

Tendo isso em vista, é preciso que as autoridades competentes (com o apoio de todos os clubes, especialmente os grandes), passem a adotar medidas que visem diminuir o “gap” existente entre os principais clubes, que são poucos, e os demais clubes pequenos que são, em última análise, aqueles que formam os nossos melhores jogadores.

Os primeiros têm grande responsabilidade no mercado do futebol, já que reúnem as maiores torcidas e viabilizam as grandes transferências internacionais. Mas os últimos também têm sua função de promover a competição interna e de descobrir e formar bons jogadores. Todos eles, assim, devem ter sua importância reconhecida e, principalmente, recompensada.

Nesse sentido, é preciso que mecanismos sejam criados para que haja algum equilíbrio, principalmente entre as receitas desses times dentro de uma mesma divisão. Com isto não queremos sugerir que haja uma distribuição equivalente entre todos os clubes. Mas, ao menos, que haja um mínimo de proteção e cuidado com clubes pequenos (principalmente com aqueles que fazem bem as suas lições de casa), propiciando uma distribuição de receitas que, proporcionalmente, seja mais justa.

Essa aliás, é uma preocupação manifestada pela Fifa explicitamente há, pelo menos, um par de décadas. Uma série de medidas vem sendo adotadas, tais como a criação das indenizações por formação, e o desenvolvimento do conceito de estabilidade contratual. Essas medidas acabam por proteger, em última análise, os clubes pequenos e formadores, que, por vezes, perdem seus jogadores antes do término de seus contratos por propostas financeiras irrecusáveis.

A decisão proferida pelo Dispute Resolution Chamber da Fifa, no recente caso envolvendo o clube inglês Chelsea, o clube francês Lens, e o atleta francês Gael Kakuta, vem ao encontro dessa tendência protecionista. Por suposta rescisão antecipada de contrato, sem justa causa, entre as duas partes francesas, levaram a uma série de punições tanto para o atleta como para o Chelsea. Dentre tais punições, a que chamou maior atenção foi a do Chelsea, que deverá ficar duas temporadas sem poder registrar novos jogadores nacionais ou internacionais (contra essa decisão, cabe ainda recurso ao CAS).

Esperamos, assim, que os grandes possam ver os pequenos como aliados dentro de uma disputa desportiva (dentro e fora de campo) sadia, o que trará um benefício coletivo a todos aqueles que atuam no meio do futebol.

Muito progresso já pode ser notado no comportamento de dirigentes de alguns clubes grandes. Porém, muito ainda temos que avançar para alcançarmos uma situação ideal.

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O treino do jogador de futebol na “caixa de areia”

Hoje, vou me intrometer onde não fui chamado. Dia desses, estava vendo TV, ou melhor, zapeando canais, quando uma fervorosa discussão em um programa esportivo me chamou a atenção.

Dois especialistas da mesma área – preparação física – divergiam sobre benefícios, malefícios e a necessidade real de treinos em “caixa de areia” para jogadores de futebol.

Um deles dizia ser o treino em “caixa de areia” essencial para melhorar a velocidade de deslocamento dos jogadores em campo e que, portanto, esse meio de treinamento deveria ser usado em qualquer etapa da preparação. O outro concordava que o trabalho em “caixa de areia” era benéfico para a melhora da velocidade de deslocamento, mas que esse tipo de trabalho só deveria ser empregado em determinadas etapas do processo de treinamento.

Oh, não, senhores!

Primeiro, pelos motivos que já tantas vezes apresentei, proponho que pensemos em treinos para jogadores de futebol numa outra perspectiva – integrada, complexa, imprevisível, etc, etc, etc. Mas tudo bem; se preferem não mudar, paciência – a verdade, na verdade, não é uma verdadeira verdade.

O caso é que o problema na discussão que assisti é muito anterior a questões que envolvem modelos ou construtos inovadores nas tendências do treino desportivo do futebolista.

A velocidade de deslocamento do jogador de futebol, a constante mudança de direção e as alternâncias permanentes de ritmo de corrida estão, entre outras coisas, associadas também ao tempo de aplicação e manifestação da força muscular por parte desses jogadores. Esse tempo, para favorecer contrações bastante rápidas, precisa ser mínimo.

Para se deslocar em alta velocidade, um jogador necessita que o tempo de aplicação de força no solo (no gramado onde joga) seja muito pequeno, mas que promova movimentos muito rápidos, de maneira que a aplicação da força pelo pé do atleta no campo e a reação do campo sobre o pé se expressem de maneira extremamente reativa e explosiva.

O tempo de contato a cada movimento entre pé (chuteira) e solo (gramado) deve ser mínimo, e nele (no tempo mínimo) a expressão da força (que garanta a ação rápida) deve ser relativamente máxima e suficiente para a necessidade da própria ação.

E isso, é justamente o contrário do que a “caixa de areia” propicia.

Quando um atleta tenta fazer corridas rápidas na areia tem dificuldades, pois o tempo de contato entre o seu pé e o solo, a cada movimento, é maior do que quando realizado na grama, ou outra superfície mais dura. Isso quer dizer, que a frequência de movimentos que acaba sendo capaz de fazer na areia é menor do que no gramado e que, portanto, a exigência neuromuscular para a ação não se configura como sobrecarga que estimule respostas adaptativas no sentido do aumento da velocidade.

Trabalhos científicos têm, faz muito tempo (muito mesmo!), mostrado que os efeitos de curto e médio prazo de treinos na caixa de areia não contribuem para o aumento da velocidade de deslocamento ou da força explosiva; pelo contrário, muitos relatos apontam perda de desempenho nesses índices com treinos que a utilizam como meio.

Então, diria aos nossos especialistas (os que assisti discutindo) que, sob o ponto de vista da complexidade, essa discussão nem faria sentido. Mas que ainda assim, mesmo não me pautando nela (na complexidade), o treino na “caixa de areia” para melhora do desempenho na velocidade de deslocamento dos jogadores de futebol ou da sua força explosiva não faria sentido algum em etapa alguma da preparação atlética do futebolista.

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A “consciência tática” do jogador de futebol e a ação do treinador

(…) como diria um dos nossos bons treinadores, “treinador que tem que ficar gritando na beira do gramado durante o jogo é porque não trabalhou direito durante a semana”

Dia desses no Café dos Notáveis, um deles (dos notáveis) me chamou a atenção, apontando que, mais uma vez, em letras garrafais, um jornal fazia referência ao fato de que muitos treinadores brasileiros continuam a defender a tese de que os jogadores europeus e os argentinos têm “mais consciência tática” do que os brasileiros.

Sem entrar no mérito conceitual sobre o que seja a tal “consciência tática”, o fato é que essa “fala” de alguns treinadores é recorrente. Até alguns dos mais renomados, quando colocados na parede para justificar uma ou outra decisão tática, ou um ou outro comportamento da equipe, profere a frase pronta, comparando a consciência tática do jogador brasileiro com a do europeu.

Chamo a atenção, então, para duas coisas.

Primeiro, ainda que meu objetivo não seja discutir conceitualmente o que é consciência tática, vejo ser necessário, sem dizer o que ela é (ou deveria ser), dizer ao menos, o que ela não é. Alguns treinadores (e não só eles) a confundem com os seus próprios desejos equivocados e precipitados de que os jogadores se comportem em campo como “robôs”, programados para receber ordens e realizar ações pré-determinadas, sem pensar, obedientes.

Nesse caso, a consciência tática acaba sendo tomada erroneamente como “obediência tática”. E aí já não poderíamos dizer que os jogadores europeus são mais obedientes, porque, na verdade, pelo contrário, são estimulados a pensar, interagir, tomar decisões e participar ativamente da construção da equipe. Então, não! Nem a consciência tática deve ser confundida com obediência tática, nem nessa perspectiva poderíamos dizer que os europeus ou argentinos são mais (obedientes), porque o que costumam mostrar é autonomia.

Em segundo, diria que se não tomarmos, então, a consciência tática como obediência (porque ela não é!), mas a aproximarmos da ideia de uma percepção e entendimento do jogo em suas circunstâncias, por parte dos jogadores, teremos que atestar que a falta dela (da” consciência tática”) é incompetência de quem gere, tanto o processo de formação de jogadores, quanto a construção e treinamento de uma equipe profissional.

Se os jogadores são estimulados, mecanicamente, a cumprir tarefas, aprenderão “roboticamente” a agir assim – “controlados remotamente”. A melhor percepção e entendimento do jogo é algo que se constroi, com a ação do treinador. Então, dizer que o jogador brasileiro tem “menos consciência tática” do que o europeu ou o argentino é o mesmo que concordar que a ação do gestor de campo no Brasil é pior do que a do gestor de campo na Europa ou Argentina.

Recentemente, como já escrevi nesse espaço, renomados jogadores brasileiros (campeões mundiais, inclusive), que por muito tempo estiveram jogando na Europa, afirmaram que nossos jogadores aprendem mesmo sobre tática quando vão jogar no Velho Continente.

Não vou entrar na essência dessa discussão. O fato é que, enquanto tratarmos nossos jogadores como inaptos, menos inteligentes ou “burros”, seremos incapazes de perceber e resolver o problema real – que está na maneira com que são estimulados na preparação para o jogar.

E para isso não há saída: ou mudamos a abordagem, ou continuaremos reforçando os mesmos jargões de sempre.

E aí, não tem jeito, porque enquanto treinadores (claro, que existem inúmeras exceções!) continuarem achando que os jogadores europeus têm “mais consciência tática” do que os jogadores brasileiros, continuarão também acreditando que os gritos (berros!) na beira do gramado sempre serão o melhor controle remoto – e que ter controle remoto é essencial.

Mas sempre há salvação. E como diria um dos nossos bons treinadores, “treinador que tem que ficar gritando na beira do gramado durante o jogo é porque não trabalhou direito durante a semana”.

É isso…

E viva a autonomia!

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O drible no futebol, e o árbitro ‘Minority Report’

Em 2002, foi lançado um filme, dirigido por Steven Spielberg, chamado “Minority Report – A Nova Lei” (já na versão para o Brasil). Nele, crimes eram resolvidos pela polícia, antes mesmo que acontecessem, a partir de “previsões” que apontavam criminosos que ainda não haviam cometido seus crimes (e que, algumas vezes, nem sequer sabiam que o cometeriam).
 
Pois bem, dia desses em um jogo de futebol profissional, no Brasil, aconteceu algo parecido. Pelo menos, pelas explicações do árbitro do jogo.
 
Lá pelas tantas, um jogador de uma das equipes desse jogo, deu dois ou três dribles e… Bom, eu deveria substituir as “reticências” por pontos de interrogação e exclamação; mas é tão “surreal” que; hum, “reticências”…
 
Pois então. O jogador deu dois ou três dribles, e ao final da jogada foi advertido pelo árbitro do jogo.
 
Não, ele não desrespeitou o adversário… Ele driblou. E não foi nada “espalhafatoso”.
 
Depois do jogo, o árbitro “A Nova Lei”, disse que sua intenção, ao advertir o “jogador driblador”, era de, na verdade, preservá-lo. Ele pressentiu que algum adversário, estava na iminência de praticar um ato violento, e agredir o tal driblador.
 
Então, para evitar “o crime”, resolveu coibir o drible.
 
Isso quer dizer, mais ou menos assim; “que pressentindo o possível crime, puniu a vítima, e deixou feliz, o criminoso”.
 
O pior, é que no dia seguinte, alguns comentaristas, que falam sobre arbitragem, disseram que o árbitro estava certo; o drible, no caso, foi ato de desrespeito ao adversário…
 
Desrespeito é se despir da roupa de árbitro e vestir a de juiz (o que o árbitro não é), sem direito.
 
Não é possível que driblar constitua desrespeito. Se alguém acha que um jogador está fazendo “graça” (o que não foi o caso na situação que descrevi), então faz igual o pessoal lá da Vila Bela, onde na infância joguei muitas peladas; se fez graça, e faz gol, quero no meu time (aplausos!); se fez “graça” sem objetividade, então rouba a bola dele, porque se ele está fazendo graça sem objetividade, então está sem tempo para prestar a atenção no jogo (aí, os próprios colegas de equipe chamam a atenção).
 
Lá, ninguém cometia crime contra ninguém (pelo menos, não jogando futebol). E nem havia árbitro.
 
No filme Minority Report, os policiais previam os crimes, e os evitavam, pelo menos, prendendo os criminosos. Já no nosso “surreal” acontecimento, nosso árbitro, prevendo o crime, acabou dando a arma para o bandido, e tentou enjaular a vítima.
 
Então, que acabe o drible no futebol!
 
Que saiam todos de campo! E que fiquem apenas alguns árbitros dentro dele (não todos, porque a maioria faz um ótimo trabalho); afinal, não é para assisti-los que a massa preenche os estádios?
 
Era só o que faltava…

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A ‘intensidade da qualidade’ e a preparação técnico-tática-física-psicológica do futebolista

Algumas vezes já mencionei aqui questões que emergem das novas tendências na preparação do futebolista. Fiz apontamentos sobre os modelos tradicionais de treino desportivo (subordinados a uma preparação física), levantei algumas discussões e problemas sobre uma “periodização tática” (onde a construção do treino está subordinada a “tática”) e uma ou duas vezes mencionei a periodização de jogo (construção do treinamento subordinada ao jogo).
A construção de treinos a partir de uma ou de outra tendência ou modelo de treinamento será sempre regida por parâmetros orientadores que os caracterize efetivamente (o modelo, ou a tendência).
Em modelos tradicionais, a fragmentação do jogo em suas partes acaba indiretamente por tornar o controle de variáveis da carga de treinamento simples e facilitado. Como os óculos nesses modelos enxergam o correr, o saltar ou o mudar de direção em pedaços, e não o jogar como um todo, torna-se menos “conflituoso” estabelecer níveis de exigência para essas ações do que para a complexidade do jogar.
Obviamente, porém, que esses tipos de modelo acabam por se distanciar demais das reais exigências do jogo.
Subordinar a preparação ao jogo não é mais fácil; pelo contrário. Isso porque não se trata de desprezar os conhecimentos construídos ao longo de muitos anos nas diversas áreas que compõem as Ciências do Desporto; trata-se, sim, de conhecê-los melhor, integrá-los e avançar com eles a uma nova dimensão da preparação desportiva.
Assim como nos modelos tradicionais, na perspectiva da preparação subordinada ao jogo (que a partir desse momento chamarei de maneira abreviada de “PSJ”) dentre as variáveis mais “famosas” da magnitude da carga estão a “intensidade da carga”, o “volume da carga” e a “densidade da carga”.
Porém, na PSJ seus significados estão mais intimamente atrelados a complexidade inerente ao jogo de futebol. Enquanto que em modelos tradicionais, por exemplo, ser mais intenso significa correr mais rápido, saltar mais alto ou levantar mais peso, na PSJ ser mais intenso significa resolver melhor e mais rapidamente as situações-problema do jogo.
Nessa perspectiva inovadora, construir atividades de treino passa a ser a materialização de uma obra de arte, onde apenas e tão somente o conhecimento integral e integrado dos conteúdos que envolvem e dão significado às ações do jogo pode levar à sua correta elaboração.
O jogo de futebol possui dinâmicas bem particulares em que a todo tempo é necessário que cada jogador de cada equipe tome decisões simultâneas (muitas vezes sob a pressão do tempo e do espaço).
Tomar decisões erradas representa não resolver situações-problema do jogo. Uma preparação adequada para o “jogar” futebol deve levar isso em conta, de maneira que gere no treino um sem número de situações-problema (direcionadas aos objetivos do treino, é claro!) que aumente não só o leque de possibilidades de resposta, mas também as chances de se ter a melhor para cada circunstância.
E como o jogo de futebol, por ser jogo, é imprevisível, não há melhor maneira de preparar o atleta para a imprevisibilidade do jogo do que submetê-lo de maneira guiada a ela.
A densidade da carga tem se tornado um dos principais elementos norteadores e de controle para a construção do treino na PSJ (especialmente por estar atrelada ao número de situações-problema associadas ao objetivo da atividade, que são geradas durante seu desenrolar).
Atividades com alta densidade propiciarão uma exposição maior do jogador a determinado tipo de situação-problema; atividades com baixa densidade propiciarão uma exposição menor. Em linhas gerais, tem-se como verdadeiro que, dentre outras coisas, um bom treino deve estar associado a uma densidade maior, porque proporcionará aos jogadores uma gama maior de estímulos que os prepararão para os problemas do jogo formal (a competição propriamente dita).
Devemos destacar, porém, que hierarquicamente talvez mais importante que a preocupação com a alta densidade deveria ser a preocupação com a “intensidade da qualidade” (ou a “qualidade da intensidade”) do estímulo.
Isso quer dizer, em outras palavras, que além de se construir treinos com uma variedade de circunstâncias orientadas por situações-problema específicas, é necessário, e também muitas vezes mais importante, construir treinos que propiciem uma “qualidade de intensidade” que transcenda a busca pela eficiência e passe a ter como norte a busca pela eficácia.

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O doping e as cláusulas do “whereabouts”

Caros amigos da Universidade do Futebol,

A Fifa e a Uefa declararam, recentemente, estarem contra as cláusulas referentes ao chamado “whereabouts”, contidas no novo Códido Anti-Doping, elaborado pela Wada (World Anti-Doping Agency), em vigor desde janeiro deste ano. 

Antes de entrar no âmago da questão, é necessário esclarecer do que se tratam tais cláusulas. 

A Wada é uma organização internacional independente criada em 1999 e que combate a prática do doping no esporte mundial. Foi a Wada que desenvolveu o código anti-dopagem, que é avalizado e implementado por diversas federações internacionais e organizações olímpicas, em diversos países.

A Wada acaba de lançar, neste ano, uma versão atualizada do código, em que o maior e mais novo objetivo é harmonizar as regras para o controle do anti-doping em todas as partes do mundo. Apesar das diversas realidades nos diversos países, e também nos diversos esportes, parece ser essa uma postura, digamos, justa para punir de forma equalitária todos os atletas participantes de determinadas competições.

Uma dessas disposições a serem harmonizadas são as informações “whereabouts”. Todos os atletas são obrigados a se submeterem (conforme o caso) a exames anti-doping durante as competições. Para além desses exames, outros esporádicos são feitos ao longo do ano (de surpresa) em alguns atletas (de elite), a fim de inibir que substâncias/métodos não permitidas(os) sejam consumidas/realizados em períodos em que o atleta não participa de competições.

Para tanto, esses determinados atletas são obrigados a informar à federação ou ao comitê olímpico onde estarão em um período de uma hora em todos os dias de sua vida, enquanto forem atletas. Isso permite que os responsáveis pelo tal exame esporádico possam encontrar o atleta selecionado. Essa informação feita pelos atletas chama-se “whereabouts information”.

A grande polêmica gerada é que a Fifa (apoiada pela Uefa) entende que esportes de equipe, em que os atletas são obrigados a treinar em locais determinados pelos seus clubes (e.g., estádios e centros de treinamentos), poderiam ter a obrigação de prestar essa informação de forma mais flexível, considerando que estes atletas são mais fáceis de serem localizados do que atletas que competem em modalidades individuais.

A Fifa é contra, por exemplo, que seus atletas sejam incomodados em suas férias para os tais exames de surpresa. 

Aparentemente, a Wada não está disposta a abrir a exceção para esportes de equipe.

Esse é um assunto de fato delicado. A Fifa não quer estar associada a qualquer prática ilegal com relação ao futebol. E esse posicionamento contra a Wada pode dar o que falar com relação às reais intenções da principal entidade do futebol mundial. A imprensa pode eventualmente se perguntar se a Fifa quer mesmo apenas evitar constrangimentos desnecessários a seus atletas ou, no fundo, quer ser a organização a toma as decisões sobre anti-doping no futebol?

Em outras palavras, precisamos ouvir maiores explicações e fundamentações por parte da Fifa para melhor entender o seu posicionamento.

Pessoalmente, não vejo diferenciação entre esportes individuais e coletivos para essa questão. Acho que todos deveriam se submeter a exames, de acordo com o que for decidido dentro da estrutura interna de suas organizações desportivas.

Talvez, neste caso, podemos dizer que quem está na chuva é mesmo para se molhar. Se é atleta de elite, e for escolhido entre aqueles a apresentar os “whereabouts informations” pela Federação Internacional, então que cumpra com a regra como os demais atletas. 

São os ônus da posição (privilegiada) que ocupa.

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1-4-4-2 em linha: zonal e não zonal

Há tempos o “1-4-4-2 em linha” vem sendo utilizado em algumas equipes de futebol profissionais europeias e sul-americanas. Em um tempo menor, tem aparecido nos gramados brasileiros.
Seja por “moda”, necessidade ou gosto, o fato é que existe certa confusão no trato dessa plataforma tática.
Muitas vezes quando se fala do “1-4-4-2 em linha”, vem à tona no discurso, implícito entre frases, que essa plataforma tática contém no seu jogar um sistema de marcação zonal. Há inclusive uma obra (um livro), de renomado treinador brasileiro, que, ao se referir à marcação zonal, relaciona-a ao “1-4-4-2 em linha”.
Sem que seja necessário discutir formas de marcação ou elementos de referência da auto-organização do jogo, é preciso que fique claro: o “1-4-4-2 em linha”, assim como qualquer 1-4-4-2 com diferentes geometrias de meio-campo, ou como qualquer outra plataforma tática (1-4-3-3, 1-3-5-2, 1-4-5-1, 1-2-1-4-1-2, etc.), pode servir a um jogar zonal ou não.
Isso quer dizer que é possível haver um 1-4-4-2 com referência zonal, individual, mista ou híbrida tanto no seu defender quanto no seu atacar, de tal forma que a plataforma tática destaque-se mais, ou menos, no nível hierárquico das referências norteadoras da ocupação do espaço de jogo.
Outro ponto importante é que se a escolha por uma plataforma como o “1-4-4-2 em linha” se der apenas pela opção ou necessidade de se jogar à zona, que fique claro também que com maiores ou menores elaborações, qualquer plataforma tática permite a construção do jogar zonal (vide por exemplo o áureo 1-4-3-3 da equipe do FC Barcelona, da Espanha).
Algumas equipes brasileiras têm grandes dificuldades quando enfrentam equipes da América do Sul que jogam no “1-4-4-2 em linha”. Os jogadores têm problemas para alcançar êxito nas jogadas individuais, não conseguem avançar com facilidade ao campo de ataque, criam poucas oportunidades de gols e “sofrem” com o toque de bola e com as dinâmicas muitas vezes empregadas pelos adversários.
E é talvez da dificuldade de enfrentá-lo que tem aumentado o número de equipes buscando estruturar sua plataforma tática também da mesma forma (“1-4-4-2 em linha”).
O problema, porém, é que as dificuldades surgem não do enfrentamento a essa plataforma, mas da referência zonal que muitas das equipes que a utilizam tomam como norte. Isso quer dizer, em outras palavras, que não é o “1-4-4-2 em linha” o grande segredo da história, e sim o jogo à zona. Então, qualquer plataforma tática pode trazer dificuldades ao adversário, assim como qualquer uma delas pode estabelecer um jogar em zonal.
O “1-4-4-2 em linha” com referência “individual” vai apresentar dinâmicas e alternativas diferentes do “1-4-4-2 em linha” com referência em zona e, portanto, não é ela (a plataforma tática) que realmente vai resolver os problemas.
Por que não um “1-4-4-2 em losango zonal”, por que não um “1-4-3-3 em triângulo invertido zonal”?
Simples, porque no futebol ao invés do “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, a máxima vigente costuma ser, no futebol “nada se cria, nada se perde, tudo se copia”, e sem se saber exatamente por que…

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Buy “Campeonato Estadual”

O pacote econômico lançado pelo presidente dos EUA, Barack Obama, há poucas semanas, e apoiado pelo Congresso Nacional, previa, inicialmente, a implementação da cláusula “Buy American”, cujo principal objetivo era estimular a economia nacional e, ao mesmo tempo, impedir qualquer compra de insumos e produtos estrangeiros, vinculados aos segmentos financiados pelo plano. 

Felizmente, para o livre comércio mundial, regulado pela OMC, esta medida não prosperou, haja vista que o estímulo estava revestido de protecionismo comercial.

Falemos de futebol.

Muito se discute sobre a viabilidade dos campeonatos estaduais. Críticas negativas, em sua maioria, especialmente quando os grandes clubes encontram-se envolvidos em outras competições nacionais e internacionais, sob um calendário anual bastante intenso – em que pese ser um período importante para entrosamento das equipes, surgimento de novos talentos e planejamento geral da temporada.

Entretanto, não se pode culpar a falta de êxito dos estaduais pelo excesso de importância dada pelos clubes às demais competições, como a Copa do Brasil e à Libertadores da América. A concorrência é intrínseca, nesse caso. Sem sequer mencionar as transmissões de TV das ligas européias que batem à porta dos fãs (Champions League, Uefa, Italiano, Espanhol, Inglês, Alemão…). 

Tome-se como exemplo o Campeonato Gaúcho. É uma competição bem organizada, já há alguns anos, com fórmula de disputa enxuta e conseqüente presença de clássicos regionais, além de oferecer visibilidade e valorização aos patrocinadores e apoiadores, com a necessária participação da TV (aberta e no sistema pay-per-view). A Federação Gaúcha, os clubes, os patrocinadores e os torcedores ajudaram a forjar esta realidade e lhe dar continuidade.

O mesmo ocorre, paradoxalmente, no Rio de Janeiro. Enquanto os clubes se alternam nas dificuldades para escapar de posições medianas e, até mesmo, do rebaixamento no Campeonato Brasileiro, o Campeonato Carioca tem sido exitoso, pelas mesmas razões apresentadas no “Gauchão”.

Por outro lado, no estado de São Paulo, os últimos campeonatos têm sofrido um desgaste, no que concerne à ausência de clássicos em jogos decisivos, com conseqüente desinteresse do público nos estádios e, até mesmo, na TV, bem como alguns clubes pouco competitivos técnica e financeiramente que tornam a tabela de jogos inchada. Ainda pior se considerarmos, por exemplo, São Paulo e Palmeiras disputando a Libertadores. Como bem disse uma vez meu amigo Oliver Seitz, “muito futebol mata o futebol”.

No Estado do Paraná, que, neste ano, com base em um novo acordo com a TV, sinalizava para uma retomada de crescimento, eis que surge algo absolutamente impensável numa atividade que atrai muito dinheiro e interesse geral: o regulamento da competição nasceu como uma aberração. Para resumir a bagunça, o clube melhor colocado da primeira fase tem o “supermando” dos jogos no octogonal final – jogará todas as partidas em sua casa – o que criou descontentamento geral entre os clubes e ameaças envolvendo STJD e Justiça Comum.

Infelizmente, nesse caso, o foco são os problemas, não a grandeza dos eventos – o que prejudica o relacionamento entre os clubes, federações, patrocinadores e TV, bem como o próprio público amante e consumidor do esporte. Instabilidade contratual e investimentos não combinam…

Recentemente, uma pesquisa encomendada pelo maior grupo de comunicação do Paraná visou traçar o panorama geral do contingente de torcedores dos distintos clubes no estado.

Resultado: a maior torcida, com certa folga, foi a do Corinthians, do estado vizinho, São Paulo. Muito bem cotados na capital e no norte, estão o São Paulo, Palmeiras, Santos, além de Grêmio e Internacional, em especial no sul e sudeste do estado.

Essa pesquisa foi apontada como o fator que impulsionou a transformação no J. Malucelli, clube de família tradicional por aqui, no Corinthians Paranaense, por um lado, e reações indignadas, por parte dos que “exigem” que os habitantes do estado sejam torcedores dos clubes locais – jornalistas, torcedores, cronistas, políticos.

Já no Rio Grande do Sul, outra pesquisa realizada pela consultoria Nielsen em 2008, e veiculada na revista Veja, sobre o hábito de consumo da população em diferentes segmentos, evidenciou o contrário: os gaúchos dão preferência aos produtos nativos, autóctones. Não à toa, empresas como Magazine Luiza, TIM, AmBev, Wal-Mart e Carrefour compraram empresas locais, para “ser” gaúcha, ou direcionaram as estratégias de marketing para “parecer” ao menos.

Conseqüências: simpatia das comunidades onde atuam e maiores vendas, inclusive de produtos fabricados no estado.

Em outras palavras, a valorização do futebol dos campeonatos estaduais pode despertar o interesse do seu mercado consumidor, desde que impulsionada por uma mudança de cultura administrativa surgida e estimulada entre todos os envolvidos em sua organização e execução. Vale dizer, em coordenação, não em subordinação de interesses.

Esta postura é que possibilitará um aumento da base de torcedores/sócios em âmbito regional, com aumento de receitas em direitos de TV, patrocínio, licenciamento e merchandising, com perspectiva nacional sustentável. 

Mudanças nesse patamar não são feitas de uma hora para outra, tampouco por decreto, ou por cláusulas impositivas do tipo “Buy Campeonato Estadual”.

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Quotas para jogadores ‘domesticamente treinados’

Caros amigos da Universidade do Fubebol,

A Football League inglesa, liga que controla o que seria a segunda divisão de clubes da Inglaterra (chamada the Championships), além das Ligas 1, 2 e 3 (correspondentes a terceira à quinta divisões), acaba de anunciar a implementação de quotas para jogadores domesticamente treinados em seus campeontatos locais.

Como já havíamos mencionado em outras colunas, a UEFA, a nível continental, tem atualmente em vigor um sistema semelhante, denominado “home-grown players rule”. Esse sistema, em linhas gerais, visa promover a inclusão de jogadores formados na Europa nos campeonatos de clubes europeus, independentemente de suas nacionalidades (entendendo-se por formação a participação em três temporadas durante o período entre 15 a 21 anos).

Essa decisão tomada pela Football League é inédita por dizer respeito, pela primeira vez, a quotas para jogadores formados na Inglaterra em campeonatos nacionais.

Segundo a nova regra, toda equipe de 16 jogadores selecionada para um determinado jogo da liga deverá conter ao menos 4 jogadores treinados domesticamente (sendo que o conceito de trenado domesticamente é basicamente igual àquele utilizado pela UEFA).

Todos nós sabemos que já existem quotas para estrangeiros provenientes de países de fora da União Européia, o que atualmente é lícito e exequível. No entanto, é interessante notar que o mesmo não pode ser aplicado para jogadores estrangeiros provenientes de países integrantes da União Européia. Neste último caso, a restrição com base na nacionalidade do jogador é considerada como discriminatória com base no Tratado da União Européia e nas diversas decisões da European Court of Justice e, porntanto, ilícita.

Desta forma, a solução que parece ter “caído nas graças” das autoridades da bola, e também nas autoridades públicas, é a restrição por base na formação do jogador, independentemente da sua nacionalidade.

Em outras palavras, se um jogador francês atuou em um clube da Football League durante 3 anos ou mais no seu período de 15 a 21 anos, ele será beneficiado pela nova regra e terá mais facilidade para atuar na Inglaterra.

A tendência (e também a expectativa das autoridades européias de futebol) é que a regra evolua até o ponto em que apenas uma minoria não cumpra o requisito dos 3 anos de formação local para para poder lá atuar.

É certo que essa seria uma grande utopia, tendo em vista, por outro lado, a grande abertura que as recentes decisões propiciaram para a livre movimentação de jogadores, não só na Europa, mas ao redor do mundo.

Temos que acompanhar essa tendência, de suma importância, uma vez que são inúmeros os brasileiros que são transferidos para a Europa. E agora essas transferências terão mais essa relevante restrição.

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