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Intensidade no futebol é isso mesmo?

Crédito imagem – Site oficial UEFA

O termo intensidade tem sido muito usado nas análises de jogos e equipes do futebol brasileiro. Se cobra um time para ser intenso ou se elogia um treinador por fazer seus jogadores serem intensos dentro das quatro linhas. Reconheço que reduzir assuntos complexos e traduzi-los em termos simples e de fácil entendimento é mais do que uma virtude e sim uma obrigação em qualquer processo de comunicação. Porém isso não pode ser suplantado pelo correto entendimento e a consequente assertiva exposição do tema. E a intensidade tem sido definida de maneira muito equivocada nas discussões por aqui.

Ainda se fala que uma equipe é intensa quando ela corre muito em campo. Jogadores que correm (!) são taxados como intensos.

Há uma herança, aqui, dos brilhantes preparados físicos da nossa história que foram os primeiros a estudar e documentar o que acontecia dentro das quatro linhas. Porém, esses estudos sempre vieram com um viés físico. Nada mais natural já que eram os preparadores quem colhiam os dados e conseguiam as conclusões. 

Mas ao falar de futebol dentro de um sistema complexo precisamos entender que a parte física é uma das vertentes do jogo. Temos ainda a técnica, a tática, a emocional, a cognitiva e poderíamos expandir para o social, filosófico, antropológico e etc. O jogo é tudo isso junto e ao mesmo tempo. Então como podemos classificar uma equipe e um jogador como intensos apenas ao olhar o desempenho físico?

Acredito que uma equipe intensa seja aquela que resolva os problemas do jogo da forma mais eficaz e com o menor gasto de energia possível. Quando um time está bem treinado e os setores estão bem ajustados o desgaste é menor para atingir a eficácia. É necessário correr mais quando não se sabe nem o que, nem onde e nem como fazer dentro de campo. Não à toa, José Mourinho disse que um dos jogadores mais intensos com quem ele trabalhou foi Deco. E venhamos e convenhamos, Deco nunca foi um jogador fisicamente acima da média. Mas a capacidade de pensar e executar acertadamente as ações do jogo em um curto espaço e em pouco tempo faziam dele um jogador intenso.

Por tudo isso, ao ver um jogador correndo muito e se desgastando mais do que o necessário não vamos mais chamá-lo de intenso. Há nessa situação tudo, menos essa intensidade complexa que me refiro…

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Sobre o jogo de futebol como espaço de contradição

Crédito imagem – Redes sociais Mesut Ozil

Por mais de uma vez, conversamos aqui sobre a importância não apenas de refinar o nosso pensamento sobre o jogo de futebol – mas isso se diz em todo lugar – mas especialmente de particularizar o nosso olhar: este é um tempo de homogeneidade, em que pensamos cada vez mais igual, falamos coisas cada vez mais parecidas, treinamos cada vez mais igual e, evidentemente, jogamos cada vez mais igual. A meu ver, o refinamento do olhar e do pensamento sobre o jogo de futebol e sobre a vida vivida é uma subversão, uma revolta, uma tentativa de pensar por si mesmo muito mais do que de pensar pelos outros. Não por acaso, aliás, não há uma forma universal de se pensar o futebol: há, na verdade, formas infinitas.

Mas uma forma particularmente interessante de pensar o futebol, sobre a qual gostaria de falar, é pensar o futebol como espaço de contradição. Acho interessante quando vejo e ouço pessoas dizendo que esperam ‘coerência’ dos outros, como sinal de avaliação moral, porque embora seja de fato necessária uma certa dose de coerência entre o que se diz e o que se faz ao longo do tempo, também é preciso considerar que ninguém é uma entidade estática: as pessoas estão em movimento, e as contradições da vida vivida não deixam de ser sinais de movimento, de fluidez e da contingência da vida. De um modo que a incoerência, dependendo do ponto de vista, pode perfeitamente ser uma virtude, mais do que um vício. Bom, no jogo de futebol acho que se passa um fenômeno muito parecido – com as suas particularidades, é claro.

Duas nítidas da contradição inerente ao jogo estão nessas passagens atribuídas ao Guardiola: uma, mais antiga, sobre a intenção de se atacar propositalmente por um lado para, mais tarde, finalizar do outro – como se os corredores laterais, que aparentemente poderiam ser opostos, negações um do outro, fossem na verdade complementos, condições de existência um do outro. Outra passagem, essa mais recente, é aquela em que ele diz que ‘se quero chegar adiante, passo para trás’ – ou algo do tipo. Reparem que se trata da mesma situação anterior: o passe para trás não é uma negação da verticalidade, mas eventualmente uma condição, um requisito da subida no campo. Quando falo desse caráter contraditório do jogo (e nem sei se contradição é a melhor palavra), falo justamente dessa intencionalidade do fazer X em busca de Y – mas dessas interações e retroações que existem entre um e outro, inclusive de um modo que, mais tarde, pode-se perfeitamente fazer o contrário.

Se nos exemplos anteriores pensamos a contradição a partir do espaço, me parece que também podemos pensá-la a partir do tempo. Aceleração e a pausa não são variáveis mutuamente excludentes, mas muito mais faces integradas entre si. De um ponto de vista prático, acho um tema particularmente importante, porque vivemos num tempo de culto à intensidade e de falência da pausa. Se entendermos que a pausa é apenas e tão somente uma recusa da intensidade – ao invés, por exemplo, de um espaço de criação – vamos seguir com problemas para interpretar um jogador como Mesut Ozil, para citar um estrangeiro, ou Jean Pyerre, para citar um brasileiro. O tempo do jogo, o ritmo de uma certa elaboração ofensiva, ou mesmo o ritmo de uma transição (seja ela ofensiva ou não), não aumenta ou diminui como fim nele mesmo, ou melhor, não precisa ser assim: o aumento e diminuição do tempo do jogo pode ser um recurso com fins de contradição, ou seja, aumento o tempo do jogo num setor, justamente para reduzi-lo em outro (o que pode ser particularmente interessante na saida da pressão numa transição ofensiva, por exemplo), da mesma forma como baixo o tempo do jogo para atrair um ou mais adversários e logo depois subir o tempo em zonas mais vulneráveis do campo. O que quero dizer é que o futebol, como espaço de expressão humana, não me parece que pune a contradição individual e coletiva (e claro que falo de um ponto de vista especialmente tático-técnico) mas a premia: o futebol sabe do peso do engano, e sabe que a contradição pode ser mais virtude do que vício.

De um ponto de vista estrutural, acho que também há expressões bastante claras desse viés de diferença e de contradição. Vejam o problema da amplitude, por exemplo. Embora o jogo de futebol tenha um alvo relativamente pequeno (em comparação com a área de jogo) e centralizado – o que faz com o que o futebol tenha uma certa característica endógena e centrípeta, tenha uma tendência ao centro – reparem que uma das soluções que criamos na fase ofensiva foi a abertura do campo em largura. A amplitude, como sabemos, não bem é sinônimo de abrir o campo em largura máxima: amplitude é a distância entre os dois jogadores mais abertos de uma dada equipe no espaço efetivo de jogo. Ou seja, amplitude não é apenas amplitude máxima. É perfeitamente possível lançar mão de amplitudes submáximas – e mesmo assim jogar bem futebol. Mas se levarmos em conta aquela homogeneidade de pensamento de que falávamos no começo, não surpreende que seja tão comum encontrar equipes que abram o campo muito e sempre, como forma de criar espaços por dentro, nos vazios intrasetoriais do adversário. Abre-se o campo para, mais tarde, fechá-lo.

Mas o jogo vai criando mecanismos de homeostase, e um deles, que me parece cada vez mais claro, é um preenchimento maior da linha-base de defesa, com equipes se defendendo não apenas em linhas de cinco, mas em linhas de seis. Nesse caso particular, reparem que o argumento de abrir o campo para buscar espaços intrasetoriais perde força, porque a linha de seis é naturalmente densa por dentro e larga por fora, de um modo que abrir o campo apenas por hábito pode ser menos um veneno e muito mais um remédio para a defesa: é justamente o que ela quer. Nesses casos – e podemos falar disso muito mais detalhadamente num outro momento – sinto que uma das soluções está justamente na contradição da contradição, não mais em mecanismos de ataque cujo fundamento está em abrir para fechar, mas que fecham para eventualmente abrir: restringem a largura para eventualmente inutilizar os dois extremos-laterais da linha de seis. Percebem as contradições? Se a linha defensiva é mais curta, abrimos o campo; mas se a linha defensiva é mais longa e preenchida por dentro, podemos fechá-lo. A diferença não como negação, mas como afirmação.

Sinto que ainda não esgotamos o tema por aqui, mas por hoje é suficiente. Enquanto isso, pensem que o tema não se restringe ao futebol – na verdade, é mais fácil trazermos o entendimento das contradições da vida vivida para o futebol do que o contrário.

O que, sendo via de mão dupla, não deixa de ser uma possibilidade de novas contradições.

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O que queremos do treinador Fernando Diniz? Mudança!

Meses atrás, quando o Campeonato Brasileiro de 2020 ainda estava em curso e Fernando Diniz era treinador do São Paulo, pensamos escrever algo sobre ele, sobretudo, sobre o que Diniz representa para o futebol. O tempo passou, desistimos da ideia, Fernando Diniz foi demitido e o futebol brasileiro continuou em sua rotina costumeira, ele, Diniz, sendo, inclusive, mais um número na alarmante estatística das mudanças de treinadores em equipes brasileiras.

O que, então, fez-nos voltar a debater esse assunto e escrever sobre ele? A recente declaração do jogador Daniel Alves, entre todos os atletas em atividade, hoje, o mais vencedor, com passagens pelos maiores clubes do mundo.

Em entrevista ao site do jornal inglês “The Guardian”[1], Daniel Alves disse: “o Brasil é um cemitério de treinadores e jogadores. Nosso sistema se baseia nas coisas serem sempre as mesmas. Quando você tenta algo diferente, as pessoas ficam contra você, por que se funcionar isso vai mudar o sistema”.

Justificada nossa iniciativa, voltemos ao tema central do texto. E se você esperava, ao ler o título deste texto, que defenderíamos a demissão de Diniz como treinador da equipe do São Paulo Futebol Clube, ou que entraríamos no debate recentemente colocado pela mídia acerca da nomenclatura que define o pensamento do treinador Fernando Diniz como “dinizismo” ou “dinismo”, ou então, que discutiríamos suas opções de escalação, substituições ou esquemas táticos, no comando das equipes que comandou, provavelmente se frustrará.

Entendemos que a expressão, “dinizismo” ou “dinismo”, é sacada do dicionário daqueles que temem, no futebol, mais que tudo, mudanças. Esses termos têm sido utilizados, na maioria das oportunidades, de modo pejorativo, com a intenção de depreciar o jovem e talentoso treinador e seu trabalho.   

Nossa intenção, antes de tudo, é debater sobre o que representam os pensamentos de Fernando Diniz em seu contexto mais abrangente. Se pudéssemos sintetizar em uma palavra o que representam seus pensamentos, ela seria: mudança!

E é justamente por representar a mudança, que ele tanto incomoda grande parte daqueles que integram o contexto do futebol brasileiro, sobretudo, a mídia, torcedores e dirigentes esportivos. Afinal, de que mudança estamos falando? São várias! Vamos a elas.

A primeira delas, e talvez a mais importante, é a concepção de sujeito que ele possui. Fernando Diniz não entende os atletas como peças, coisas, produtos, como máquinas que têm que render a qualquer custo. Para ele, o jogador de futebol, como outro ser qualquer, é um ser de necessidades, com emoção, com sentimento, com valores, dotado de subjetividade, e que erra, como também acerta. Diniz busca, cotidianamente, desenvolver o atleta, mas não de forma dissociada da sua condição de ser humano. Para Diniz, o jogador é, ao mesmo tempo, indivíduo e sociedade, grupo, coletivo.

A segunda mudança, mais nitidamente observável no campo de jogo, refere-se ao modo como opera (faz funcionar) o grupo de jogadores. Diniz consegue implementar algo fundamental do ponto de vista do funcionamento da equipe: constituir uma identidade grupal, sem que os atletas percam sua identidade pessoal. Em outras palavras, incentiva o trabalho coletivo, a coesão, fortalece o que popularmente é conhecido como entrosamento, ao mesmo tempo que busca e promove o desenvolvimento pessoal de cada sujeito, jogador de futebol, neste caso. Não é tarefa fácil essa de buscar a harmonia entre o indivíduo e o coletivo, daí a necessidade de tempo para realizar o trabalho. Fernando Diniz imagina a arte do futebol não apenas no talento deste ou daquele jogador, mas também no grupo; que a arte de jogar futebol esteja tanto no coletivo quanto no individual.

A própria maneira como promove a organização da sua equipe em campo reflete uma mudança drástica no pensamento habitualmente observado no âmbito do futebol profissional. Ele organiza, “desorganizando”. Ao ver um centroavante vir realizar a saída de jogo, um lateral entrando na área para finalizar ou um zagueiro para cabecear um cruzamento, por exemplo, grande parte da mídia, torcedores, dirigentes, e até alguns jogadores, se incomodam. Se incomodam, pois não compreendem sua forma de organizar. A sua organização parte da desestruturação da equipe adversária. Ele incomoda, porque muda. E se muda, gera ansiedade e, consequentemente, resistência. E como forma de resistência, há, além da estereotipia, a crítica corrosiva.

Diniz sabe que o jogo de futebol, como a vida, é imprevisível. Especialmente em situações como as apresentadas no jogo de futebol, a imprevisibilidade é, para ele, a marca mais visível. Sua equipe precisa, portanto, saber lidar com o imprevisível, produzir surpresas e defender-se delas.

Aliás, estes foram, também, pontos destacados por Daniel Alves em sua entrevista ao “The Guardian”: “Diniz está à frente da maioria dos treinadores […] Suas ideias e o trabalho que está fazendo. Você pode dizer ‘ele não ganhou o título’, mas não estou falando sobre isso. Eu estou falando sobre futebol. Eu o admiro muito. Ele se preocupa com as pessoas, tem muitas ideias sobre futebol e sabe o que quer do futebol.

Outro ponto importante para entendermos o pensamento de Fernando Diniz passa pela compreensão e valorização do processo. O futebol profissional é extremamente imediatista. Quer resultados “pra ontem”! Ao confrontar essa compreensão e apostar e valorizar o processo, Diniz propõe mais uma mudança. E vale repetir… a mudança incomoda. O imediatismo no futebol brasileiro tem destruído jogadores e técnicos.

No futebol brasileiro, para construir uma equipe, os técnicos possuem jogadores jovens, inexperientes, recém-saídos das equipes de base e alguns veteranos, até com experiências internacionais, mas que já não conseguem bons contratos na Europa, embora talentosos e dedicados. Diante disso, no processo de formação e desenvolvimento da equipe, é preciso fazer um trabalho artesanal, treinar exaustivamente, conversar permanentemente com o grupo, conversar com cada um separadamente, detectar e superar suas limitações e dificuldades, entender seus problemas e ajudar a superá-los. Tudo isso demanda tempo. E um tempo que o futebol profissional precisa entender, valorizar e respeitar, mas não o faz. Não se constrói uma equipe, em que boa parte dos jovens ainda precisa aprender a ser jogador, de um dia para outro. É necessário ter tempo para isso, tempo que não costumam dar a treinador nenhum, com raras exceções.  

Os jovens jogadores em formação passam anos nas categorias de base, em muitos casos, ainda sendo treinados a partir de uma pedagogia tecnicista, driblando cones, repetindo gestos, movimentos e ações que nunca ocorrerão nos jogos. A pedagogia implementada por Diniz em seus treinos (e por poucos outros treinadores das categorias de base e equipes profissionais), já relativamente bem difundida no âmbito acadêmico, mas ainda pouco discutida nos campos de treino e debates jornalísticos, está muito distante disso. Ao defendê-la, Fernando Diniz propõe outra mudança. E novamente, como já dissemos, a mudança incomoda.

Poderiam alegar alguns leitores: “ah, mas com Diniz o São Paulo não ganhou nada!”. E sem o Diniz, o que ganhou nos últimos anos? Não é isso, portanto, o que está em jogo. Nos demais clubes também raramente se ganha. Todo torneio admite apenas um vencedor. Perdoa-se com mais facilidade a “surra” de 8 a 2 que tomou o Barcelona, do que qualquer derrota das equipes comandadas por Fernando Diniz.

Há anos cobramos do futebol brasileiro aquele estilo e desempenho que décadas atrás encantava o mundo: um futebol bonito, alegre, imprevisível, ofensivo e, quando alguém se propõe a caminhar nesse sentido e realizar as mudanças necessárias, as pessoas se incomodam e o criticam insistentemente.  

Há quem diga, principalmente parte da crônica e mídia esportiva, que os conceitos, ou filosofia, como se diz no senso comum futebolístico, trazidos por Fernando Diniz refletem-se no fracasso de suas realizações dentro de campo. Tais afirmações fundam-se exclusivamente em avaliações negativas de resultados em partidas específicas, eliminações ou os poucos títulos conquistados. Se tomarmos como referência o modelo e o sistema futebolístico que está posto, faz sentido. Sobretudo se não perdermos de vista que o futebol faz parte do sistema capitalista predatório de produção. Como dissemos acima, não se valoriza o processo e sim, exclusivamente, o rendimento e resultados imediatos, o lucro, para os quais os jogadores precisam ser, mais do que nunca, máquinas. Produtos! O modo de ver um jogador no trabalho de Diniz e no modo de produção da máquina que dirige o futebol são diametralmente opostos.

Entretanto, entendemos que fracassado estará o futebol brasileiro se não voltarmos a atenção para os sinais dados por Fernando Diniz e, aqui e ali, por um ou outro técnico. O futebol brasileiro atual não está pobre tecnicamente só porque nossos maiores talentos emigram para a Europa, mas também porque empobrecemos o modo de jogar. Jogar para não perder apenas é bem diferente de jogar para jogar bem. 

E é a valorização desse novo olhar que incomoda muita gente que atua no futebol profissional. Isso foge ao script tão bem montado no futebol brasileiro. O problema é que é mais fácil manter essa “cultura” do que confrontar a estrutura mecanicista, limitada e conservadora que mantém esse futebol brasileiro viciado na mesmice e na burocracia estéril.

Diniz representa o futebol atrevido, o futebol que gosta da bola e da brincadeira, o futebol audacioso, que não teme o risco e sabe que é ele que mantém a tensão encantadora do jogo. Diniz representa aquele futebol que pode vencer de 4 a 1, tomando somente um gol de um dos melhores ataques da América e pode ser eliminado em seguida, apesar da vitória, tomando 3 de um time bem menos expressivo e qualificado; representa um futebol que sabe que atacar é tornar-se vulnerável, mas que se não atacar, o jogo perde o sentido.

O grande desafio de Diniz talvez seja, como ele mesmo costuma atestar em suas entrevistas, manter a regularidade e acabar com a oscilação das suas equipes, às vezes dentro de um mesmo jogo. Enquanto não conseguirmos efetivar em larga escala as mudanças que ele representa para o futebol, Diniz precisa de resultados para provar que está certo. E neste contexto que está posto atualmente, falar em resultados, é falar em títulos. E para conquistar títulos, ele precisa de oportunidade e tempo para trabalhar. Tempo para que compreendam e assimilem as mudanças que defende.  


[1] https://www.theguardian.com/football/2021/may/01/dani-alves-barcelona-brazil-lionel-messi-manchester-city-world-cup-2022

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RH no futebol – a humanização e o futuro do jogo

Créditos – Rubens Chiri/SPFC

Os recursos humanos, ou RH, é uma área que tem tido cada vez mais atenção na administração das empresas e engloba, entre outras atividades o treinamento, que é a capacitação de curto prazo, como por exemplo o aprendizado para trabalhar com determinada ferramenta ou software e o desenvolvimento, mais relacionado à capacitação de longo prazo, como o alinhamento com a cultura e valores da empresa.

Na gestão dos clubes de futebol, a área também tem ganhado relevância, mas não com a velocidade esperada, como explica a psicóloga Juliana Mazepa psicóloga, pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas e líder do grupo de estudos sobre Neurociência e Desempenho na Universidade do Futebol, “no futebol o RH ainda é visto como uma área de departamento pessoal, que faz pagamento de folha, questões burocráticas. Não existe nos clubes a área, ou sub-áreas do RH, o chamado T&D, que é o treinamento e desenvolvimento, que contempla a análise de perfil comportamental, direcionamento de carreira, análise por competências, desenvolvimento de competências, sinergia de grupo, treinamento de líderes e gerentes, fortalecimento da cultura organizacional, tudo isso que já acontece em grande parte das empresas, mas não no futebol. É essa mudança que precisa acontecer definitivamente”, conclui.  

Ainda para Juliana, é importante que os clubes estejam atentos ao treinamento e desenvolvimento dos profissionais de todas as áreas do clube, tanto daqueles que participam dos setores relacionados às atividades-meio, como o marketing e a gestão, como às atividades-fim, o trabalho dos treinadores, por exemplo, “os clubes poderiam aperfeiçoar esses processos começando pela análise de perfil comportamental, quando é feito o alinhamento do desejo e o talento profissional que a pessoa tem com a necessidade do clube. Esse olhar de alguém especifico para o desenvolvimento de carreira é com certeza uma área que os clubes vão precisar explorar, obrigatoriamente. Se a gente quer elevar o nível do resultado em campo, da performance do atleta, a gente precisa elevar o nível técnico e comportamental de todas as pessoas que trabalham no entorno”, explica.

O conceito de atividade-meio e atividade-fim no futebol são aprofundados no curso Gestão Técnica no Futebol, nossa próxima turma terá matrículas abertas em maio

Os cargos técnicos no futebol, em especial o dos treinadores, são aqueles que acabam sendo mais impactados pela pressão por resultados e, consequentemente, apresentam uma maior rotatividade. Um estudo do pesquisador Matheus Galdino, publicado recentemente na Universidade do Futebol e que você pode acessar aqui, mostra como o Brasil é um destaque negativo nesse sentido, sendo o líder mundial no ranking de troca de técnicos.

É por conta desse cenário um tanto “caótico” que o treinador Eduardo Barros classifica como “utópico” o estabelecimento de um plano de carreira para treinadores atualmente no Brasil. Ele também aponta como um fator que dificulta o estabelecimento desse plano a heterogeneidade de patamares pelos quais os treinadores são reconhecidos e iniciam as suas trajetórias. “É muito difícil estabelecer objetivamente como é o planejamento de carreira do treinador. Ele precisa entender quem ele é, quais competências ele tem e não tem, quais formações ele precisa. Ela vai se iniciar de diferentes formas, pela escolinha ou até pelo profissional, dependendo do nível do treinador em questão”, analisa.  

No FutTalks #52, Thiago Scuro conta como o Red Bull Bragantino busca sanar a descontinuidade dos trabalhos com a análise de mercado voltada para treinadores, por meio do estudo de modelos de jogo e estilos de liderança de potenciais substitutos – Acompanhe a entrevista na íntegra.

Como exemplo de treinadores que já contavam com certo prestígio no meio e conseguiram uma inserção mais acelerada em clubes de elite, temos Rogério Ceni, que assumiu o São Paulo em 2017 e atualmente comanda o Flamengo.  Na outra ponta temos como exemplo de profissional que iniciou pelas categorias menores o treinador Zé Ricardo, que subiu da categoria sub-15 até o profissional do mesmo clube, se estabelecendo como treinador elite do futebol brasileiro desde então. A evolução da carreira de Zé Ricardo ilustra bem um dos modelos incidentais de progressão de carreira mais comuns no futebol brasileiro e mundial que é a escalada entre as faixas etárias de um ou mais clubes.

Rogério Ceni em ação pelo Flamengo. Crédito: Marcelo Cortes/Flamengo

Levando em consideração as diferentes demandas de trabalho e características dos jogadores e jogadoras em faixas etárias tão distintas como o sub-15 e o profissional, uma das discussões que podem ser levantadas acerca do planejamento de carreira de treinadores é a possibilidade de progressão, inclusive financeira, dentro de uma própria faixa etária. Afinal, é bastante compreensível que determinado treinador seja mais propenso a lidar com todo o ambiente que envolve o trabalho em um sub-15 e menos com as demandas do profissional, e vice-versa. Sobre a questão Zé Ricardo acredita que “é legítimo que a maioria dos profissionais queira subir na carreira e vislumbrar uma trajetória no profissional, mas creio sim existir treinadores que são especialistas em determinadas faixas etárias e que poderiam, se assim fossem devidamente valorizados e remunerados, ser de ótima valia para o clube na formação de seus atletas. Os clubes poderiam, e deveriam, participar mais disso. São poucos os exemplos de intercâmbios entre profissionais para uma melhor formação deste. Imagino que não seja fácil, mas certamente seria um investimento que retornaria em forma de um melhor atleta no seu profissional. E isso como se sabe, não é pouco. A realidade me parece mais no sentido de um profissional ter que buscar por seus meios, essa formação”, opina o treinador.

“Em funções de gestão e coordenação tentei criar um ambiente que permitisse o desenvolvimento do profissional, mas acho que isso não é o mesmo do que uma criação formal de um plano de progressão de carreira, vejo isso ainda como utópico pensando no nosso futebol, dada as mudanças de gestão que são muito frequentes. Falta aos nossos clubes de maneira geral, uma visão mais clara de médio e longo prazos, que permita a criação de fato de um plano de carreira institucional, uma política do clube pensada não só para o treinador mas para todas as funções da área técnica e diretiva de um clube” – Eduardo Barros

Apesar de não existir, pelo menos por hora um plano de carreira efetivamente estruturado para treinadores, Eduardo Barros conta sobre algumas iniciativas no futebol brasileiro que ao menos buscaram caminhar nesse sentido, “participei efetivamente de dois movimentos nessa direção. O primeiro foi em 2015 no Coritiba, sob a gestão inicial do João Paulo Medina. Fui um dos líderes técnicos das categorias de base e o primeiro grande movimento que nós fizemos no clube foi o de diminuir a disparidade entre os treinadores de toda a cadeia do sub-11 ao sub—20. A ideia era a de implantar uma progressão de carreira que respeitasse o perfil do profissional e que permitisse que ele pudesse ter reconhecimento até financeiro na própria categoria, sem necessariamente ter que subir de categoria para ter esse reconhecimento. Esse movimento também foi feito no Athletico Paranaense em 2019 e 20 sob a gestão do Paulo André como diretor de futebol de forma muito semelhante”, aponta.

A formação de jogadores

Essa falta de planejamento de carreira na área técnica encontrada em grande parte dos clubes também pode acabar influenciando negativamente um outro processo fundamental da vida de um clube que é o desenvolvimento de seus jogadores, já que é difícil estabelecer um trabalho de longo prazo sem uma qualificação dos profissionais que caminhe na mesma direção e com trocas tão frequentes no comando do trabalho. Gabriel Puopolo, que é psicólogo das categorias de base do São Paulo Futebol Clube destaca a necessidade da formação integral, ou de uma priorização do desenvolvimento humano dos jogadores e jogadoras nas categorias de base e como esse trabalho pode render frutos aos clubes, “falar de desenvolvimento humano não é sobre criar um PHD em física, tampouco lordes ingleses, mas sobre o desenvolvimento da capacidade de processar informação, de compreender a relevância do papel do jogador na sociedade, que ele aprenda a trabalhar em equipe, a ser autônomo e a tomar decisões em sua vida. Tudo isso impacta dentro de campo, principalmente na perenidade e manutenção desse desempenho ao longo do tempo. Se eu quero que um jogador renda por bastante tempo, de maneira mais sustentada, preciso estar atento ao desenvolvimento dele como pessoa”, defende.

Pensar mais nas pessoas, tanto nos jogadores, como nos demais profissionais envolvidos direta ou indiretamente no que acontece dentro do campo de jogo, pode ser o caminho para a necessária evolução do futebol brasileiro.

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A polêmica criação da Superliga Europeia e seus entraves legais e morais

No dia 18/04/2021, o mundo do futebol foi surpreendido com a notícia de que 12 (doze) dos principais clubes da Europa se uniram para criar uma competição, a chamada Superliga Europeia.

AC Milan, Arsenal FC, Atlético de Madrid, Chelsea FC, FC Barcelona, FC Internazionale Milano, Juventus FC, Liverpool FC, Mancheser City, Manchester United, Real Madrid CF e Tottenham Hotspur seriam os clubes fundadores desta nova competição. Contudo, até a redação deste artigo, apenas Real Madrid e Barcelona resistem oficialmente à continuidade do projeto.

De acordo com o anúncio, a Superliga está sendo criada em um momento no qual a pandemia global acelerou a instabilidade no modelo econômico atual do futebol europeu, sendo alegado que, por anos, os clubes fundadores têm tido o objetivo de melhorar a qualidade e intensidade das competições europeias e de criar um formato para que os principais clubes e jogadores pudessem competir com regularidade, o que proporcionaria um crescimento econômico significativamente maior do que com o atual modelo da Champions League.

Diferentemente da Champions League, principal campeonato do futebol europeu e um dos principais do mundo, a Superliga possui poucos critérios esportivos para definição dos participantes, sem um sistema de rebaixamento para divisões inferiores, em que os clubes fundadores teriam “vagas eternas” no campeonato, não podendo ser rebaixados, o que vai totalmente de encontro, contrariamente à prática futebolística profissional em quase todos os países afiliados à FIFA.

Não é de assustar que o anúncio da criação da Superliga irritou a UEFA, a qual já se posicionou oficialmente contra o projeto, assim como várias Federações Nacionais. Em nota oficial, a UEFA, organizadora da Champions, principal concorrente da Superliga, declarou que espera que não seja dado seguimento ao projeto de criação deste novo campeonato, afirmando que a Superliga trata-se de um projeto cínico e que visa privilegiar o interesse particular das equipes envolvidas, justamente em um momento que a sociedade precisa de solidariedade, declarando, ainda, que pretende tomar as medidas cabíveis para impedir a criação do campeonato.

Mas afinal de contas, os gigantes da Europa podem criar um campeonato de futebol?

A FIFA afirmou que “só pode desaprovar uma Liga Europeia fechada e dissidente fora das estruturas do futebol” e que está “firmemente posicionada em favor da solidariedade no futebol e de um modelo de redistribuição justo”. O presidente da FIFA, Gianni Infantino, reprovou fortemente a criação de uma superliga fechada, afirmando que “está fora do sistema e que é uma ruptura em relação às federações, à FIFA, à UEFA e demais instituições”.

A UEFA ameaçou punir os clubes envolvidos na Superliga, tanto esportivamente quanto judicialmente, assim como com o banimento das competições nacionais e internacionais, além da proibição dos jogadores desses times defenderem as suas respectivas seleções.

Alguns governos europeus também se posicionaram contra a criação da Superliga. O governo do Reino Unido, por exemplo, ameaçou até criar impostos aos clubes ingleses que estariam entre os fundadores da competição.

Com base no julgamento de casos parecidos nos Tribunais Europeus, que discutem monopólio, a livre concorrência e as regras de participação em campeonatos, a Superliga poderá ser legalmente praticável, desde que esteja em conformidade com o direito europeu de concorrência e com as estruturas do futebol.

Caso a nova competição não esteja em conformidade com o direito europeu da concorrência, os outros clubes poderão iniciar um batalha jurídica para que a Superliga não possa ser oficializada.

O que estaria realmente em jogo seria a questão moral na criação deste novo campeonato. Não é razoável criar uma liga apenas com fins econômicos, sem critérios desportivos básicos, que poderá impactar negativamente toda a estrutura do futebol europeu e do mundo, até mesmo a carreira dos jogadores.

Até o momento, a possibilidade de cooperação entre este novo campeonato e os outros torneios nacionais e internacionais e as principais organizações desportivas é mínima, quase nula, o que bem provavelmente irá ocasionar a ruína da Superliga.

A verdade é que a repercussão negativa da criação da Superliga, não apenas entre a UEFA e outros campeonatos europeus importantes, mas entre os torcedores e a grande mídia, esfriou o sonho dos clubes fundadores.

A briga entre a Superliga e os outros principais campeonatos europeus pode até parecer interessante em um primeiro momento, mas a longo prazo, poderá fazer com que os clássicos entre os gigantes, que hoje é considerado um duelo especial e que atrais os olhares e fascina todos os amantes do futebol, algo monótono e recorrente, tirando toda a magia dos clássicos, além do grande impacto financeiro negativo.

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Jogar futebol sem a bola

Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Não me canso de falar de cultura, ambiente e contexto ao analisar futebol. A intervenção de uma comissão técnica, por exemplo, deve ponderar sobre tudo que circunda determinado clube para ser mais eficaz. E pesam, também, conceitos macro. O que está por trás do jogar de determinado país?! Como o futebol foi praticado até então?! O que está enraizado na cultura, no inconsciente coletivo?

Quero trazer essa discussão para o futebol brasileiro sob a ótica do jogador sem a bola. Tanto defensiva como ofensivamente. Já ouvi de vários técnicos a dificuldade em implementar sistemas mais complexos de jogo pela falta de entendimento e  vontade dos nossos atletas em atuarem distantes do centro de jogo. A explicação mais palpável para mim vem da cultura. Isso porque esses mesmos jogadores quando vão para a Europa cumprem papéis táticos muito bem definidos. Mas aqui são engolidos pelo contexto.

O contexto histórico é muito importante para entendermos o presente e projetarmos o futuro: o jogo se desenvolveu no Brasil pautado na individualidade. O bom jogador era aquele que driblava muitos adversários. O bom treinador era aquele que não ‘atrapalhava’ o talento. E isso está enraizado até hoje. Aparece nas crianças que brincam na rua e na escola. Nos adolescentes que jogam nas categorias de base. Até no cenário profissional há  uma complacência dos próprios companheiros com aquele jogador mais habilidoso, liberando-o de atividades mais intensas de marcação. E claro que esse cenário todo desemboca na forma de o torcedor enxergar o jogo e até na maneira com que a imprensa retrata os acontecimentos.

Sei que uma cultura não se muda da noite para o dia. Leva-se anos, décadas, gerações. E vejo boas sementes sendo plantadas por aqui. Espero muito em breve ver jogadores habilidosos satisfeitos por participar de um gol, mesmo não tocando na bola, apenas guardando uma posição para atrair a atenção da marcação adversária, gerando espaço para outros companheiros. Ou então esse mesmo jogador fechando uma linha de passe quando está sem a bola, e até recompondo um setor do campo para impedir a progressão do rival. Quanto não ganharíamos com essas situações?! Quanto não seria benéfico a quebra do dogma de que se um atacante voltar para marcar ele não teria ‘força’ (?) para cumprir suas obrigações ofensivas…evolução é tudo! O mundo mudou e, claro, o futebol também. Que nossa cultura seja preservada. Sempre. Mas evoluindo para sermos mais eficazes, abandonando aquilo que não nos aproxima mais da vitória.

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O que preciso saber sobre a Legislação Desportiva no Brasil?

Nessa coluna iremos explorar, de maneira objetiva, as principais normas e preceitos no tocante a legislação Desportiva no Brasil. Nesse contexto, não há dúvida que o esporte, principalmente o futebol, envolve e fomenta a paixão de milhões de pessoas e interesses, sendo certo tratar-se de um dos acontecimentos socioculturais mais importantes que existem, influenciando todos os campos de atuação humana, desde o lado financeiro até a área científica. Fenômeno desta dimensão deve possuir legislação e normas claras, visando traçar diretrizes de funcionamento e organização.

O Decreto-Lei 3.199 de 14 de abril de 1.941 foi a primeira legislação que regulamentou matérias relacionadas ao desporto no Brasil. Há época, o estado brasileiro vivia um regime centralizador e autoritário, sendo que Poder Executivo acumulava as atividades e funções de gestor e fiscalizador do desporto e das entidades desportivas.

Essa pioneira legislação estabeleceu as bases de organização dos desportos em todo o país, sendo assinada por Getúlio Vargas em 14 de abril de 1.941.

Peço a permissão para citar os ensinamentos trazidos por Carlos Migues Aidar (Direito Desportivo, editora Mizuno, 2003, p.17):

“Na era Vargas, em meados de 1.930 a 1.045, inicia-se o período do direito desportivo, com o primeiro decreto, pois até então, o desporto era entendido como algo lúdico, nada profissional, e neste período cessa a segregação racial, existente até aquela época na sociedade, onde o desporto era tão somente praticado por filhos da elite”.

Poucos de nós vivenciamos esse momento histórico no Brasil, e a citação acima nos remete a tempos não democráticos, em que, também, o preconceito e racismo eram ainda mais presentes e acentuados. Impossível, assim, não voltarmos ao ano de 1.914, com o surgimento da história do “pó-de-arroz”. Mesmo não sendo o primeiro negro a vestir as cores do Fluminense, Carlos Alberto jogava contra o seu ex-clube pela primeira vez, o América (data: 13/05/1914), jogo este que originou o conto.

Em seguida, a Lei 6.251 trazia e instituía normas gerais sobre o desporto, no entanto, foi posteriormente revogada pela LEI ZICO (Lei nº 8.672/1993). O fato mais importante a ser destacado sobre esta legislação, refere-se ao fato de que a mesma surgiu com o objetivo inicial de fortalecer, financiar e incentivar o desporto no Brasil.

Posteriormente, a lei 6.354/1976, em suma, tratava sobre as relações de trabalho do atleta profissional de futebol, sendo que podemos concluir ser a legislação no Brasil que consolidou e tratava especificamente da profissão de atleta profissional de futebol, possuindo como principal objetivo a proteção de clubes e atletas.

A presente lei foi REVOGADA integralmente em 2011, mediante a promulgação da Lei 12.395 pela ex-presidente Dilma Rousseff. No entanto, o “Passe” propriamente dito foi extinto em 1.998, mediante a Lei Pelé, sobre a qual também trataremos mais à frente na presente coluna.

Continuando acerca da evolução da legislação nesse sentido, não há qualquer dúvida que a Constituição Federal de 1.988 é um marco para o Direito Desportivo no Brasil, sendo um marco inicial para a sua autonomia, tornando-se, posteriormente, um ramo próprio do Direito. Certamente, a CF/88 é a importante fonte do Direito Desportivo.

E ainda, a Constituição e o início do processo democrático no Brasil proporcionaram oportunidades para o ramo do Direito Desportivo, resultando na instituição da Lei 8.672/1993 – Lei Zico, criando, inclusive, cenário e espaço para discussão da relação entre atletas e clubes.

A lei 8.672 foi sancionada em 6 de julho de 1993 pelo presidente Itamar Franco, e provocou alterações importantes na estrutura do esporte no Brasil. Referida legislação reduz o poder dos órgãos de administração do esporte (confederações e federações) e dos dirigentes, e fortalece os clubes e os atletas.

A Lei Zico também estabelece regras claras para as eleições nas federações e confederações. Ela impossibilita casuísmos e democratiza a escolha dos presidentes. Elaborada a pedido do ex-jogador Zico (secretário de Desporto do governo Collor), a lei foi bastante alterada no Congresso. Entraram pontos polêmicos, como bingos de clubes, tribunais especiais e efeito suspensivo. Outro importantíssimo aspecto trazido pela Lei Zico refere-se à transferência para o setor privado de muito mais prerrogativas e poderes ligados ao setor, diminuindo a interferência do Estado nas relações desportivas.

Posteriormente, com a Lei Pelé, a qual até hoje é a principal fonte do Direito Desportivo após a Constituição Federal, possibilitou-se a criação de um Sistema Nacional do Desporto, além de ter aberto o caminho para a autonomia das ligas, conforme já previa a CF/88. A Lei Pelé sofreu algumas alterações nos anos de 2000, 2001 e 2003 com os objetivos de modernização, adequação aos casos concretos, solucionar questionamentos de inconstitucionalidade, além de finalmente extinguir o “Passe”, terminando com a relação para muitos desigual que existia.

“A Lei Pelé foi um baita avanço e acho que não teve nenhuma influência na saída de jogadores.

Nada justifica, no final do século XX, que alguém seja propriedade de outra coisa. Era uma lei escravagista” – (Kfouri 2005 apud Fávero 2008).

O “Passe Livre” ou “Lei Áurea” dos jogadores de futebol significam, para muitos, a liberdade pleiteada pelos atletas, os quais a partir de então não tiveram mais seus passes vinculados a nenhum clube.

Assim, grande parte dos atores do futebol entendem e defendem que a Lei Pelé proporcionou mudanças significativas principalmente no que se refere aos seguintes temas: contratos de trabalho dos jogadores de futebol, entre elas as alterações no prazo de duração dos contratos, o decreto do fim do passe, o estabelecimento da cláusula penal obrigatória para os casos de rescisão contratual, os direitos da entidade desportiva formadora do atleta, as indenizações por formação e promoção do atleta, entre outras.

Concluindo, a Lei Pelé foi criada visando maior transparência e profissionalismo ao esporte no Brasil, instituindo, inclusive, o Direito do Consumidor nas práticas esportivas, estabeleceu a prestação de contas por dirigentes de clubes, assim como determinou a independência dos Tribunais de Justiça Desportiva.

Por fim, apesar de ainda termos muito a evoluir, o Estatuto do Torcedor é uma importante legislação trazida para os amantes do futebol, notadamente os apaixonados torcedores. Apesar de no Brasil a estrutura e conforto do torcedor ainda merecer grande evolução, a presente lei veio praticamente estender os direitos do consumidor para os eventos esportivos, notadamente o futebol.

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Praticando a visão sistêmica e o pensamento complexo no futebol

Crédito imagem – Rafael Vieira/AGIF/CBF

Tivemos a oportunidade de introduzir em textos anteriores – aqui e aqui – o tema da complexidade no futebol, buscando alguns referenciais para uma reflexão crítica que nos permitisse enxergar o futebol em uma perspectiva distinta daquela adotada pelo senso comum.  Nesta visão tradicional, calcada no paradigma cartesiano, linear, mecanicista, existe uma predisposição para que, ao se buscar aprofundar o conhecimento em torno de um determinado objeto ou fenômeno, divide-se o todo em partes, muitas vezes fragmentando-o e impedindo uma compreensão mais geral e contextualizada do todo, aqui entendido por meio de seus sistemas.  

Portanto, desenvolvemos algumas ideias procurando demonstrar que a compreensão da realidade (do futebol, da sociedade, da natureza, do mundo) pode ser ampliada e melhorada se adotarmos o paradigma da complexidade em nossa cosmovisão ou visão de mundo, onde o pensamento sistêmico e o pensamento complexo são referências indispensáveis a serem adotadas.

Dentro desta abordagem, temos que entender a realidade através de princípios que caracterizam o próprio sistema. Destacaremos aqui alguns deles:

  • O sistema possui vários elementos que interagem entre si, de forma dinâmica, penetrante e não-linear.
  • Esses elementos são abertos e atuam ou interatuam entre si, influenciando e sendo influenciados pelo seu entorno e ambiente.
  • Todo sistema vivo e não mecânico funciona de forma recursiva (circular), incerta e imprevisível.
  • Também funciona longe do equilíbrio estático, confrontando-se com forças contrárias o tempo todo.
  • Os sistemas orgânicos – e, por extensão, toda a realidade que envolve o ser humano, a sociedade e a natureza – são sempre permeados pela subjetividade e a intersubjetividade.

Todos sabemos que somos seres biopsicossociais que interagimos permanentemente entre nós mesmos, bem como com a sociedade e a natureza das quais somos parte integrante. Porém, pouco pensamos sobre o como estas interações se dão e o quanto somos capazes de influenciar e sermos influenciados pela nossa cultura e nossa história. Muitas vezes não nos damos conta sobre o fato de que somos ao mesmo tempo produtos e produtores de cultura e história. Ou seja, ao mesmo tempo que somos frutos de todo um contexto cultural e histórico, também nele podemos atuar dialeticamente modificando nosso próprio ambiente cultural e histórico. Todo ser humano vive e é capaz de se desenvolver dentro de todas as suas dimensões (materiais, biológicas, psíquicas, intelectuais, morais, espirituais etc.), procurando dar sentido às suas vidas e podendo, assim, se regenerar ou se degenerar a cada momento da existência. Aqui vale citar a frase do sociólogo e pensador Edgar Morin que afirma “o que não se regenera, se degenera”, como fonte inspiradora do nosso pensar e do nosso agir.   

Dito isso, podemos considerar alguns pressupostos que nos permitirão elaborar as nossas estratégias na direção de colocarmos em prática o nosso pensar sistêmico e complexo no universo do futebol.

PRESSUPOSTOS:

  1. Não se pode entender as partes de um sistema de forma descontextualizada do todo e nem entender o todo desconectado de suas partes constitutivas.
    Exemplo: A condição atlética de um jogador de futebol só faz sentido se analisada e percebida dentro do contexto de sua participação integral em uma partida. Também o jogo não pode ser visto dentro de toda a sua realidade e complexidade, sem considerarmos todos os elementos internos e externos que o constitui.
  2. Todo sistema é formado por um conjunto de elementos interagindo entre si, influenciando-se mutualmente e influenciando o sistema como um todo que, por sua vez, interfere em seus elementos fazendo emergir permanentemente novas situações, instáveis e imprevisíveis. Diante desta dinâmica é mais sensato pensar que os fenômenos, as coisas, as pessoas mais “estão” do que “são”. O movimento da vida é constante, intermitente e muda a cada instante.
    Exemplo: O pressuposto linear e mecanicista – ainda tão comum no futebol – que afirma que “em time que está ganhando não se mexe” não serve para este pressuposto sistêmico, pois como já destacamos, tudo muda a cada instante dentro de um sistema. Ainda dentro desta perspectiva não podemos afirmar que um jogador (ou um time) é bom ou ruim, mas sim que este jogador (ou time) está bem ou mal dentro de determinadas circunstâncias.
  3. A vida humana é permeada incessantemente por relações interpessoais e subjetivas (intersubjetividade) que precisam ser entendidas e acolhidas para que se possamos caminhar juntos, identificando-se os propósitos comuns entre as pessoas.
    Exemplo: A formação, participação e engajamento de uma equipe de futebol que busca a alta performance depende fundamentalmente de como os seus elementos se identificam e se comprometem com os objetivos comuns traçados. Para isso é essencial que as lideranças identifiquem as diferentes visões em torno dos seus propósitos comuns, potencializando-os.
  4. Na perspectiva sistêmica e complexa, todo conhecimento deve ser entendido como algo precário e provisório e que pode nos induzir a erros, ilusões ou até a alucinações. Por isso, o exercício em busca do conhecimento lúcido e amplo deve ser sempre acompanhado de cuidados, balizado por nossos limites ou limitações.
    Exemplo: Um especialista (treinador, preparador atlético, fisiologista, psicólogo, nutricionista etc.) pode ser facilmente induzido ao erro se não tiver uma noção – a mais clara possível – do todo, ou seja, de todos os fatores (além dos inerentes à sua especialidade) que podem interferir no desempenho dos atletas e da equipe de forma geral, incluindo-se aqui os macro e microssistemas que interferem no treino, no jogo e na vida de cada um e de todos.

A expectativa é que estes pressupostos e os exemplos apresentados, possam servir de inspiração ao contínuo exercício e desenvolvimento em busca de uma visão de mundo emergente capaz de abarcar os fenômenos do futebol e da vida, minimizando-se os eventuais erros que cometemos e fazendo-nos refletir com mais sabedoria sobre nossas ações individuais e coletivas.     

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A posse de bola é meio, e não fim no futebol

Crédito imagem – Site oficial Manchester City

O futebol é pautado por tendências e atualizações que vão se renovando e são cíclicas. Tudo muda, tudo evolui, apesar de a lógica e o objetivo do jogo serem os mesmos desde os primórdios. A atual geração tem em Pep Guardiola um treinador que mudou o curso das coisas. O Barcelona dele ditou o rumo de todos os estudos táticos e metodológicos dos últimos dez anos. E as aulas do treinador catalão não param. O Manchester City dele ainda é uma pós-graduação que a cada dia traz coisas novas. Porém, Guardiola apresentou uma maneira de se chegar ao êxito.Não a única. Nunca nenhuma equipe jogará exatamente como outra. Mesmo com as mesmas ideias, mesmos conceitos e mesma metodologia de treinamento. Isso porque quem executa e toma as decisões são os jogadores. E cada jogador tem suas particularidades e a sinergia entre onze atletas nunca será igual a nenhuma outra.

Não descarto ter inspirações. Mas no mundo peculiar do futebol, com tanta complexidade – não só essa de jogadores que citei – como também de ambiente, contexto e relações interpessoais entre departamentos tanto de clubes como de seleções, é contraproducente buscar princípios e subprincípios de jogo para seguir a ferro e fogo, custo o que custar. 

Se convencionou no Brasil que apenas é bonito e refinado jogar com a posse de bola. Há treinadores que buscam estar embalados por esse rótulo apenas para estar ‘na moda’. Mas se a posse for um fim e não um meio voltamos à estaca zero e não cumprimos a lógica do jogo, que já citamos que é imutável desde a criação do futebol. 

Ter uma ideia clara do jogo a ser desenvolvido é fundamental. Mas ela tem que ser flexível e adaptável. Caso contrário continuaremos a ver equipes buscarem o número de mais posse de bola na estatística final do jogo sem que isso as aproxime da vitória. A posse que vale é aquela no último terço, agressiva, que gere situação real de gol. O número final pode ser dez por cento no total, por exemplo. Mas o que dá três pontos na tabela é marcar mais gols que o adversário e não porcentagem maior de posse. Questão de foco, entendimento e até personalidade. 

*As opiniões de nossos parceiros não correspondem, necessariamente, à visão da Universidade do Futebol

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Governança Corporativa – a controladoria

Créditos imagem: Kely Pereira – AGIF – CBF

Dando sequência ao tema Governança Corporativa no Futebol, neste 3º artigo iremos dissertar sobre a importância e o papel da área de controladoria nas organizações e os desafios a serem superados pelo respectivo profissional dentro dos clubes esportivos.

Cesar Grafietti defende que não há um modelo de gestão certo ou errado, independentemente do tipo e tamanho da organização. Concordamos com ele, mas indago sobre a atuação de um Controller ou gerente de controladoria em grandes instituições, especialmente naquelas em que o gestor trabalha após o horário comercial, o exercício de seu mandato possui curtíssimo período (três anos), mas o mandatário supracitado anseia por resultados esportivos paralelos ao exercício de seu poder, e, como observamos em algumas entidades de práticas esportivas, o orçamento e o potencial financeiro são ignorados ou inexistentes.

É de conhecimento comum que, de modo reduzido, o gerente de controladoria é responsável pelo planejamento, coordenação, direção e controle de atividades de curto, médio e longo prazo executadas nas áreas de planejamento, controladoria e finanças. Este profissional deve extrair e materializar informações pertinentes e legítimas, elaborando relatórios que auxiliem no processo decisório dos gestores de cada área, até mesmo dos diretores da organização. Os boletins informativos oriundos da gerência de controladoria devem conter elementos das atividades internas da corporação como do mercado no qual a instituição atue.

Gestores autocentrados são opinativos têm palpites excessivos, demitem técnicos, contratam inadequadamente atletas, desconsiderando as diretrizes orçamentárias. Tudo isso dificulta ou até mesmo anula a gerência de controladoria. Obviamente, não são demônios os gestores eleitos, muitos executam trabalhos primorosos, mas tantos outros colocam seu ego e sua vaidade além dos interesses do clube, comprometendo a governança.

O clube deve ser gerido para ser sustentável no longo prazo em um ambiente extremamente competitivo, e toda organização interessada na longevidade deve primar por boas práticas gestão e capacidade de execução dos planejamentos, o que invariavelmente exige como prerrogativa: avaliação, correção e compliance, convergindo aos valores organizacionais.

Imperativamente, sem esses passos a discussão sobre a implantação de uma área de controladoria será frívola. Não obstante, a existência de departamento de controladoria ainda não é pertencente à cultura organizacional (Figura 1 e 2) dos clubes de futebol. Em contraposição às demais organizações (Figura 3).

Figura 1: Organograma do Botafogo Futebol Clube (SP). Fonte: Bressan, Lucente e Louzada. Análise da estrutura organizacional de um clube de futebol do interior paulista: o estudo do Botafogo Futebol Clube, 2014.
Figura 2: Organograma de um Clube Europeu. Fonte: Bezerra, Feitosa e Gomes. Internacionalização de clubes de futebol: paralelo entre clubes europeus e brasileiros, 2017.

Figura 3: Posicionamento da Controladoria no Organograma Organizacional. Fonte: Lunkes, Schnorrenberger, Rosa e Alexandre. Funções da Controladoria: um estudo sobre a percepção dos gestores e do controller em uma empresa de tecnologia, 2015.

Lunkes, Gasparetto e Schnorrenberger apoiados na realidade organizacional alemã defenderam que a controladoria deve contribuir ao planejamento, sistema de informação, controle, gerência de pessoas e organizacional sem permitir a existência de lacunas com as funções primárias.

Concluindo, a controladoria favorece positivamente a administração ampla de qualquer organização, contribuindo à elevação da credibilidade, imagem positiva e alinhamento aos valores e propósito institucionais. Portanto, caracterizada como uma engrenagem necessária à governança.

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Governança Corporativa – Os órgãos de governança – Ler mais