Aos poucos a comunidade que trata as questões do futebol, de forma séria e profissional, vai se distanciando do senso comum e entendendo que o jogador talentoso, o craque, o “fora de série” não é mais aquele que apenas reúne algumas habilidades motoras específicas para a prática do esporte.
Até a década de 60 o futebol era baseado essencialmente na técnica e, portanto, aquele que dominava alguns fundamentos tais como drible, chute, passe, cabeceio etc. conseguia se destacar em sua equipe e em relação aos demais jogadores, sem necessitar de outras qualidades.
Passado este período de predomínio da técnica, tivemos uma fase onde a preparação física passou a ocupar, literalmente, quase todos os espaços. O futebol se tornou mais veloz, mais corporal, com disputas físicas mais intensas. A Copa do Mundo da Inglaterra em 1966 foi um marco neste sentido.
O mundo do futebol, através de seus especialistas, começou a investir neste fator. Grandes transformações começaram a ocorrer. Os jogos, a certa altura, passaram a ser demasiadamente violentos, tal a importância que se deu ao empenho físico aplicado pelos jogadores.
Já a partir da década de 80 notou-se uma evolução acentuada em relação aos esquemas táticos, as estratégias de jogo. Por conseqüência os treinadores começaram a ter maior importância na performance das equipes. Estes, juntamente com suas comissões técnicas, cada vez mais multidisciplinares, começaram a buscar uma integração dos fatores físicos, técnicos e táticos para conseguirem melhores resultados.
Neste alvorecer do século 21, sem desprezar estes fatores físicos, técnicos e táticos, vivemos um momento onde se destaca a necessidade de cuidadosos planejamentos de curto, médio e longo prazo e, sobretudo, de investimentos na atitude, envolvendo aspectos psicológicos, emocionais e sociais dos atletas. Exige-se que sejam cada vez mais profissionais sem, porém, perderem seu potencial técnico criativo. Este parece ser um dos grandes desafios dos especialistas interdisciplinares nestes tempos atuais.
Os grandes clubes do Brasil e do mundo, que possuem técnicos e profissionais qualificados, estão procurando superar a visão ainda espontânea e empírica de formação do atleta de futebol, substituindo-a por um novo modelo, ainda em construção, apoiado na interdisciplinaridade, entendida aqui como a integração das diversas áreas científicas que dão suporte à performance dos atletas e das equipes, tais como a fisiologia, a nutrição, a psicologia entre outras.
Nesta perspectiva, o entendimento sobre o que seja o talento esportivo começa a sofrer alterações, em relação ao sentido mais tradicional que vínhamos dando a ele. Não podemos mais considerar talentoso o atleta que apenas possui a virtude para realizar alguns movimentos técnico-motores de inegável plasticidade.
O verdadeiro craque ou talento, mais do que nunca, passa a ser aquele que é capaz de transformar suas qualidades não só técnicas, mas também físicas, psicológicas, emocionais, espirituais e sociais em resultados práticos em termos de ganho de performance da equipe da qual faz parte.
Para interagir com o autor: medina@universidadedofutebol.com.br