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Mais discussões sobre a Periodização Tática: por vezes, ela não se distancia do jogo?

Discutir a Periodização Tática no atual cenário futebolístico brasileiro é significativamente polêmico. Um grupo de profissionais do futebol tem aversão aos conteúdos científicos ou a quaisquer outros que necessitem muitas horas de estudo e leitura.

Então, mencionar essa expressão para este nicho, pode afastá-lo de um networking necessário no mercado. Outro grupo, influenciado pelas literaturas acadêmicas acerca do treinamento desportivo tradicional, não consegue compreender, devido a uma crença limitante, a dimensão física do jogo vista e treinada sob outra perspectiva.

Existe ainda o pequeno grupo que “bebeu da fonte” e pode aprender sobre esse modelo de periodização diretamente com o seu mentor, Vítor Frade, em Portugal e, por último, um grupo de profissionais, que mesmo do Brasil, tem acesso aos materiais publicados referentes à Periodização Tática e os utilizam para pensar a prática.

Ao compor este último grupo, fica o receio de abordar superficialmente o conteúdo teórico desenvolvido por Frade, que é objeto de estudos de muitos universitários portugueses, e ser duramente criticado por aqueles que são peritos na operacionalização da PT em seus cotidianos de trabalho.

Receio à parte, como estudioso do futebol (e não pesquisador) e treinador que busca a melhor atuação possível, preciso assumir o risco e propor novas discussões que permitam trocas de conhecimento, evolução da intervenção prática de todos e, consequentemente, melhorias futuras no futebol brasileiro (pois, no presente, muitos que estão à frente de grandes equipes do nosso país compõem o grupo dos que são avessos ao conhecimento científico).

Meus estudos aprofundados sobre a PT iniciaram em 2010 e, desde então, procuro correlacioná-los com minha prática, que tem grande influência dos estudos coordenados pelo doutor Alcides Scaglia e que evoluiu para o desenvolvimento da metodologia futebol arte. Tal metodologia é aplicada nas categorias de base do Paulínia-SP e, em 2012, também foi aplicada no profissional do Grêmio Novorizontino-SP.

Para a Periodização Tática, todo exercício de treino deve ser realizado em função do modelo de jogo pretendido. Sendo assim, de acordo com o dia da semana referente ao morfociclo padrão, estimulam-se os princípios, ou sub-princípios, ou sub-sub-princípios de jogo que, respeitando os princípios metodológicos, proporcionam o aumento de performance individual e coletiva.

Por tudo que vi e li acerca da PT, é possível afirmar que não são todos os exercícios que são jogos apesar de manterem a devida relação com o modelo de jogo.

Deixo, então, uma questão para discutirmos: se o futebol, em essência, é jogo (com todos os elementos que o constitui), quando a PT “abre mão” deste ambiente, criando exercícios analíticos, sem oposição, com pouco estorvo ou previsíveis, não está se distanciando significativamente do jogo de futebol?

Não pretendo com essa discussão privilegiar a metodologia futebol arte em detrimento da PT, uma vez que a primeira ainda dá seus primeiros passos com Alcides Scaglia e Cristian Lizana na Unicamp (campus Limeira), e enquanto a segunda possui muito material qualificado publicado. Pretendo, somente, provocar reflexões dos exemplos práticos que podem ser observados nas apresentações, congressos, blogs, livros, monografias e que “perdem força” quando analisados sob o princípio da especificidade.

Quando vejo um exercício analítico de finalização, por mais que mantenha a estrutura posicional dos jogadores e lhes orientem quanto ao posicionamento dentro da área, confronto-o com o jogo de futebol e os constantes desafios que lhe são impostos. Desafios estes inexistentes num treino de finalização como o mencionado.

Quando leio sobre um treino de um grande princípio de jogo, como o de circulação da posse, por exemplo, com troca previamente combinada de passes, questiono-me sobre a imprevisibilidade que é inerente ao jogo e também inexiste na atividade em questão.

São apenas dois exemplos de muitos outros que poderiam ser identificados, inclusive sobre os outros pressupostos para o ambiente de jogo: representação e desequilíbrio.

Não tenho dúvidas que o domínio conceitual da Periodização Tática é indispensável para uma boa atuação de qualquer gestor de campo. Sua fundamentação teórica emerge do pensamento complexo, o que justifica a necessidade de compreensão.

Que fique claro, também, que a PT não é o único modelo de periodização sistêmico. Rodrigo Leitão, com a Periodização Complexa de Jogo, a Periodização de Jogo que está sendo desenvolvida por Alcides e Cristian, ou até algum outro modelo de periodização ainda não sistematizado, mas que seja desenvolvido por algum treinador numa perspectiva ecológica, devem ser considerados.

Que as respostas e reflexões de vocês, leitores, sirvam para fomentar novas discussões como a que provocarei em algumas semanas com o tema “Combinação dos métodos de treino: necessidade ou dificuldade para planejar os treinos?”

Abraços e até a próxima semana.

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br