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Demagogias no mundo esportivo (parte 02)

Como falado na semana passada sobre a situação do entorno do Maracanã e as demagogias acerca do estádio de atletismo Célio de Barros e o Museu do Índio, em que se comprovou que o problema não é a quantidade mas sim os projetos relacionados ao atletismo, e que o tal antigo museu virou, na realidade, um local de ocupação ilegal de famílias indígenas, temos agora o caso do antigo e o novo estádio do Grêmio de Foot-ball Porto Alegrense.

No final de dezembro, apareceram algumas notícias que davam conta do tombamento do estádio Olímpico. Ora, imediatamente após a inauguração da moderna Arena Grêmio, concebida em uma plataforma de negócios consistente entre duas empresas privadas – o Grêmio e a OAS – vem agora o poder público interferir a ponto de prejudicar as pretensões do principal investidor do empreendimento?

Para rememorar, a OAS negociou com o Grêmio a permuta do terreno onde hoje está o estádio Olímpico pela construção da Arena. Pela troca, a OAS projetou suas receitas com a construção de um empreendimento comercial no lugar do antigo estádio, localizado em região central e nobre da capital Porto Alegre. É sabido que um "tombamento" como patrimônio histórico limita em muito qualquer pretensão de intervenção imobiliária naquele bem.

O vereador que propõe o tombamento é conselheiro do Grêmio e esteve na assembleia de aprovação do negócio com a OAS. Além dele, alguns dirigentes gaúchos reforçam um posicionamento que entra no limiar da quebra de contrato de um negócio legítimo.

Não se respeitam contratos. Não se respeitam estudos. Não se leva em conta o investimento realizado, o fluxo de caixa de um projeto grandioso, as possibilidades de receitas e os riscos tomados para entregar uma arena moderna no prazo estipulado.

E a cada leitura de notícias sobre este tema nos meios de comunicação, chegamos à conclusão que parece ser mais saudável para a iniciativa privada manter, de fato, distância de qualquer tentativa de negócio que vá além de um mero patrocínio na camisa de jogo. Uma pena, pois, para o bem do futebol e das empresas, as oportunidades de negócios lucrativos para ambos são enormes.

Em suma, percebe-se que constantemente lutamos por coisas erradas, fugindo do foco da discussão. O cerne dos problemas, mais das vezes, não é tangível e carece, principalmente, de uma percepção mais global sobre os anseios e as expectativas de todos os envolvidos.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br

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Demagogias no mundo esportivo (parte 01)

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A escolha de Guardiola

Em 2003, Josep Guardiola havia decidido que deixaria o futebol da Itália. Revelado pelo Barcelona, time em que construiu grande parte da carreira, o volante defendeu Brescia e Roma no país do calcio. Durante semanas, o nome dele recheou listas de notícias sobre mercado – as especulações mais frequentes eram sobre uma mudança para o Manchester United. E o jogador espanhol escolheu o Al-Ahli, do Qatar.

Dez anos depois, uma decisão de Pep voltou a causar furor. Ele estava em período sabático depois de uma vitoriosa passagem como técnico do Barcelona, e o nome do espanhol passeou por projeções sobre o futuro de algumas das maiores e mais ricas equipes da Europa. E Guardiola escolheu o Bayern de Munique, da Alemanha.

As duas histórias têm pouco em comum, mas mostram que Guardiola nunca teve receio de arriscar na carreira. A própria mudança para o Brescia, quando ele tinha 30 anos e havia acabado de terminar um longo contrato com o Barcelona, é um exemplo disso.

Como técnico, Guardiola começou no Barcelona B. Ele ascendeu ao time principal em 2008 e comandou um dos períodos mais vitoriosos da história da equipe catalã. Foram 18 títulos em quatro anos, com três troféus do Campeonato Espanhol e dois da Liga dos Campeões da Uefa.

Mais do que os títulos, Guardiola incutiu no Barcelona um jeito de pensar futebol. Ele resgatou conceitos que fazem parte da história do clube, como a profusão de passes curtos e a prioridade total à posse de bola. O time de Pep marcava no campo de ataque, mudava posições constantemente e usava muito bem os deslocamentos em diagonal – marcas, aliás, que permanecem na equipe a despeito da saída do treinador.

As vitórias e o encantamento que Guardiola produziu no Barcelona transformaram o espanhol na maior aposta do futebol mundial em muito tempo. Em 2012, quando deixou o time catalão, ele iniciou um período sabático. Longe do mercado, Pep fomentou especulações. Equipes tradicionais, novas ricas, seleções e torcedores… O mundo queria o treinador.

O primeiro aspecto a ser considerado na decisão de Guardiola, portanto, é o que isso representa para a carreira dele. O espanhol assumirá o Bayern de Munique no início da temporada 2013/2014, quando terminar o tal ano sabático.

Na temporada 2010/2011, segundo estudo da consultoria Deloitte, o Bayern de Munique foi o quarto time europeu que mais faturou. O time alemão amealhou 321,4 milhões de euros, montante que foi superado apenas por Real Madrid, Barcelona e Manchester United.

Outro estudo, feito pela consultoria Brand Finance, aponta a marca do Bayern de Munique como a segunda mais valiosa do futebol mundial em 2012. O clube foi avaliado em US$ 786 milhões, evolução de 59% em comparação com a temporada anterior. Perde apenas para o Manchester United (US$ 853 milhões).

O Bayern de Munique tem dinheiro. O Bayern de Munique tem uma marca poderosa. Mas o time bávaro também tem um elenco forte, que decidiu a Liga dos Campeões contra o Chelsea na temporada passada – o time inglês foi campeão.

Guardiola encontrará no Bayern de Munique um elenco forte, com jogadores rápidos e um meio-campo muito habilidoso. De cara, o espanhol terá três enormes desafios: criar uma hegemonia nacional na Alemanha, liga que tem sido uma das mais imprevisíveis entre as grandes da Europa, voltar a vencer a Liga dos Campeões da Europa e encantar. A sombra do Barcelona, belo e eficiente, estará sempre à caça do treinador.

Sobretudo porque o Barcelona pós-Guardiola é igualmente forte. O time catalão segue dominando a bola, acuando adversários e vencendo. Apesar de ter sofrido um revés no último fim de semana, registrou o melhor início na história do Campeonato Espanhol. Além disso, a equipe de Tito Vilanova está viva na Copa do Rei e na Liga dos Campeões da Uefa.

Há vários desafios para Guardiola no Bayern, mas o maior deles é pessoal: mais do que vencer ou encantar, o espanhol precisa mostrar que não é apenas um produto da estrutura e da qualidade do Barcelona.

É aí que a decisão de Guardiola começa a se mostrar acertada em termos de planejamento de carreira. O técnico não escolheu um novo rico ou um time em que a participação dele seria teria de ser mais incisiva. Pegou uma equipe ajeitada, com dinheiro, torcida e estrutura, mas que não conquista o título nacional há duas temporadas.

O atual bicampeão alemão é o Borussia Dortmund. O Bayern não passava duas temporadas sem erguer a taça nacional desde o intervalo de 1994 a 1996, quando o Dortmund conquistou outros dois títulos. Na temporada 2012/2013, porém, esse hiato deve acabar. A nova equipe de Guardiola lidera com folga, com 45 pontos em 18 jogos – o segundo colocado é o Bayer Leverkusen, que tem 36.

A equipe que chegará às mãos de Guardiola, portanto, também deve estar mais leve por ter acabado de conquistar um título. Ou mais de um, já que o Bayern de Munique também está na disputa da Liga dos Campeões da Uefa.

A trajetória desta temporada mostra que vencer não será suficiente para Guardiola. Não foi suficiente para Jupp Heynckes, o atual comandante do Bayern de Munique.

Guardiola precisa ser no Bayern de Munique o combustível que ele representou no Barcelona. Os dois times têm várias similaridades, como o bom uso das categorias de base.

Para isso, a comunicação terá papel fundamental. José Mourinho, técnico do Real Madrid, chegou a dizer certa vez que nunca trabalharia na Alemanha porque o idioma seria uma barreira intransponível para ele. No Barcelona, Guardiola trabalhava com uma base de espanhóis, com participações de vários sul-americanos.

Além do idioma, Guardiola terá de aprender as diferenças culturais entre Espanha e Alemanha. Se tivesse assumido um time da Itália, por exemplo, poderia aproveitar a vivência como atleta.

A escolha de Guardiola reuniu qualidade, dinheiro, força de marca, atual momento, características do clube e até o tamanho do desafio. O espanhol precisa criar numa equipe diferente, com um idioma diferente e com jogadores de perfis diferentes, um modelo parecido com o que ele instituiu no Barcelona.

Se a informação que circulou na mídia alemã estiver correta, o caminho de Guardiola já começou bem. Jornais germânicos disseram que o contrato do espanhol com o Bayern de Munique estava fechado desde o ano passado, mas a equipe soube blindar a notícia e anunciou para público, imprensa e elenco apenas quando julgou conveniente.

A comunicação correta começa por saber quando falar. A decisão de Guardiola é totalmente compreensível, mas só os resultados dirão se foi um acerto tão grande quanto a condução do negócio.

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br