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Futebol e dialética

Leio, ainda, sem tê-lo finalizado, a biografia “The King of the World”, sobre Muhammad Ali.

Em português, encontra-se a versão “O Rei do Mundo”.

Escrito pelo ganhador do Prêmio Pulitzer nos EUA, David Remnick, o livro busca abordar a importância de Ali como grande ícone social, cultural, político e, obviamente, esportivo, no país.

Mais do que se preocupar com situações comezinhas da vida do lutador, conhecido como The Greatest (“O Maior”), a narrativa desconstrói o papel dos boxeadores na sociedade, o racismo, luta pelos direitos civis, suas relações com a máfia que controlava o esporte, e o protagonismo de Ali, como representante de transformações a partir de sua carreira profissional vitoriosa.

E o autor adotou um caminho muito interessante para alcançar esse desafio.

Inicia o livro descrevendo os dois grandes lutadores que antecederam Ali como número dos Pesos-Pesados do boxe mundial: Sonny Liston e Floy Patterson.

Sonny cumpria o papel de o “Negro Bom”. Essencialmente, isso significava que era tido como bom moço pela opinião pública; que ascendera socialmente através do esporte; que não se envolvia em polêmicas dentro ou fora dos ringues; que não contestava esse papel, pois com ele se conformava.

Já Patterson era o “Negro Mau”. Infância e juventude turbulentas; problemas e desajustes familiares; delitos como agressão, porte ilegal de armas; perfil agressivo com a imprensa; revoltado com a sociedade que lhe criara dessa maneira; envolvimento umbilical com a máfia que controlava o esporte.

Um deles poderia ser a tese do que se deveria esperar de um boxeador na teia social. O outro, a antítese, não apenas no aspecto moral, mas como grande diferença que havia em comparação ao seu par.

E Ali surge para ser a síntese dos dois lutadores, transcendendo a figura de cada um deles para se tornar o maior.

Consciente de sua influência, ele foi contestador das desigualdades e dificuldades sociais, raciais e religiosas nos EUA; combativo politicamente, particularmente ao defender a luta pelos direitos civis; provocador dos seus adversários; domador da imprensa enlatada que cobria o esporte à época; desafiador do Estado que lhe queria impor o serviço militar no Vietnã; insurreto junto à máfia.

Jamais se curvou perante alguém. Defendeu ativamente seus pontos de vista, suas decisões e suas ações.

Esse foi seu grande e inspirador legado, já há algum tempo muito bem administrado e compartilhado pelo Ali Center, fundação em Louisville, Kentucky.

Resumidamente, a transcendência representada por Ali, em sua trajetória, pode ser bem compreendida pelos “seis princípios básicos para inspirar jovens e adultos para alcançar a grandeza em suas vidas, comunidades e países”:

1. Confiança: acreditar em si, em suas habilidades e em seu futuro;

2. Convicção
: firme crença que lhe dá coragem para sustentá-la, apesar da pressão para fazer o contrário;

3. Dedicação
: o ato de devotar toda energia, esforço e habilidade para determinada tarefa;

4. Doação
: agir voluntariamente sem esperar nada em troca;

5. Respeito
: estima, ou senso de valor e excelência, por si e pelos outros;

6. Espiritualidade
: senso de veneração, reverência e paz interior, inspirado por uma ligação com toda a criação e/ou com aquilo que é maior que a si mesmo.

Convido a uma reflexão a respeito do que poderíamos extrair como exemplo, ou, até mesmo, criar, construir, em nosso futebol.

Penso que o ponto de partida seria seguir tentando chamar a atenção, criticamente, para o importante papel do futebol como meio de transformação social no Brasil e no mundo.

A partir disso, construir teses que, por sua vez, provocariam o surgimento de antíteses, sintetizando a evolução social. Que se converteriam em novas teses.

Num contínuo processo dialético em que o futebol seria protagonista.

Já passamos por períodos “bons” e períodos “maus”.

Podemos começar a imaginar um cenário que os transcenda.
 

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

 

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A formação, o futsal e a especificidade

Dia após dia, a discussão sobre a formação de atletas no Brasil vem ganhando força. Do viés administrativo, relacionado à necessidade de investimentos de infraestrutura e aperfeiçoamento gerencial, ao técnico, correspondente à qualificação do corpo técnico e consequente evolução dos métodos de treino, é nítida a movimentação de pessoas, clubes e instituições que buscam e aplicam novos processos no futebol de base.

Diante deste cenário (que não será modificado mesmo com exemplos recentes de incompetência), dentre os inúmeros temas, um sempre gera calorosas discussões: a importância do futsal na formação de atletas.

A corrente de profissionais que defende a prática deste esporte nas idades iniciais da formação, entre 11 e 15 anos, é vasta. Como argumentos a favor da modalidade, referem-se à grande quantidade de ações com bola devido ao menor número de jogadores que o futebol de campo, a necessidade da tomada de decisão mais rápida e o ambiente propício ao surgimento de jogadores habilidosos em função das resoluções de problemas em espaços reduzidos.

Os argumentos utilizados seriam inquestionáveis se não estabelecessem comparativos com o futebol de campo. Ou seja, praticar futsal pode proporcionar um bom número de ações com bola, melhorar a tomada de decisão e favorecer o aparecimento de jogadores habilidosos, porém, comparar o efeito da prática desta modalidade com o futebol significa desconsiderar o princípio básico do treinamento esportivo: a especificidade.

As competências exigidas para jogar bem futsal são distintas das exigidas para jogar bem futebol de campo. Para exemplificar, a frequente pisada na bola para recepcionar um passe e a ausência da regra do impedimento são dois dos elementos que diferenciam, significativamente, um jogo do outro.

Sabemos que um dos objetivos das categorias de base é aumentar o nível de inteligência de jogo dos praticantes de acordo com as tendências do futebol moderno, para que, concluído o período formativo, o atleta esteja apto a jogar em alto nível no futebol profissional. Se, durante o referido período de formação um atleta concorre à aprendizagem do futebol de campo com a prática do futsal, horas preciosas para a expertise serão perdidas.

Então, se o futsal é prejudicial (ou menos benéfico) na formação de atletas, qual é a solução?

A solução consiste em adaptar o futebol formal (alterando regras, número de jogadores, espaço, forma de pontuar, etc) criando jogos que favoreçam a aquisição de competências específicas do futebol. E isso é bem diferente de jogar futsal…

Dos 11 aos 15 anos, os atletas devem aprender sobre o funcionamento da unidade complexa (equipe) progressivamente, se aproximando do 11×11. Sendo assim, quanto melhor a compreensão do jogo coletivo, melhor a manifestação das competências essenciais (relação com a bola, estruturação do espaço e comunicação na ação). E tal manifestação deve compreender elementos incomuns no futsal; eis alguns deles: reposição do goleiro com os pés; sair jogando com goleiro, linha de defesa e volantes; circular a bola com volantes, meias e atacantes; defender e atacar em bolas paradas; variação das plataformas de jogo com três linhas de jogadores, além do goleiro; realização de ações táticas de ultrapassagem, penetração e tabelas; organização ofensiva e defensiva em cruzamentos; cumprimento de uma posição no campo de jogo (que não é fixo, ala ou pivô).

O processo de ensino-aprendizagem-treinamento é maximizado se os atletas são submetidos a estímulos adequados. A aplicação destes estímulos exige um profundo conhecimento teórico-prático de quem assume o compromisso pedagógico de, como afirma João Batista Freire, ensinar bem futebol a todos.

Para os críticos que defendem que o surgimento de inúmeros craques brasileiros advém do futsal, não esqueçam que durante a iniciação esportiva (até os 10 anos de idade), todo e qualquer ambiente que seja possível brincar de bola com os pés é enriquecedor para o aprendizado do futuro esportista e, passada esta faixa etária, na transição da iniciação para a especialização, para formarmos grandes jogadores de futebol, precisamos de praticantes de futebol. Se muitos craques vieram do futsal, imaginem quantos mais não teríamos na atualidade se ensinássemos melhor o próprio futebol de campo?

A mínima fração de tempo que envolve a precisa tomada de decisão do craque aliada à capacidade de resolver problemas imprevisíveis circunstancialmente deve ser muito estimulada. No futsal, os estímulos são de outro jogo, que exige outras competências e, acima de tudo, tem outra lógica! Que façamos como muitos clubes, pessoas e instituições e não desperdicemos o precioso tempo da formação!

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br

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A tragédia em Santa Maria e as lições para os eventos esportivos

A semana começou nebulosa com a morte de quase três centenas de jovens em razão de um incêndio ocorrido em casa noturna da cidade universitária de Santa Maria, Rio Grande do Sul. As autoridades ainda estão no início das investigações, mas, algumas causas são bem evidentes e relacionam-se com a falta de medidas de segurança adequadas.

Sabe-se que o Brasil está na iminência de organizar a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 e, para tanto, está construindo novos cenários esportivos e reformando os antigos.

Um grande evento esportivo é capaz de reunir em um curto espaço mais de dez vezes mais pessoas que havia na boate de Santa Maria e, uma tragédia poderia ser ainda maior. Por essa razão, os cenários esportivos devem seguir padrões internacionais de segurança, atentando-se com medidas anti-incêndio, anti-violência, dentre outros.

As construções devem permitir que um estádio de futebol ou um ginásio seja esvaziado em, no máximo, oito minutos em caso de alguma necessidade. Ademais, deve haver acesso aos gramados/quadras, razão pela qual as fossas devem ser extirpadas.

Considerando que as escadas e corredores constituem vias de acesso e, portanto, devem ficar desobstruídas para que, em caso, de tumulto ou necessidade de escoamento, os caminhos estejam livres.

Os portões dos cenários desportivos devem abrir para o exterior e ser passíveis de serem abertos sempre por dentro, a fim de se minimizarem os riscos de emperramento.

Finalmente, as escadas devem ser rodeadas de corrimãos e de com mecanismos anti-fogo, como extintores e canos de água acionáveis por calor.

Para que tudo seja cumprido é imprescindível que o poder público, ao contrário do lamentável caso de Santa Maria, exerça a sua função constitucional de poder de polícia administrativa, fiscalizando todos os cenários esportivos e aplicando-se as penalidades cabíveis àqueles inadequados para que tragédias como as do Rio Grande do Sul, ou as de São Januário (2000) e da Fonte Nova (2007) sejam extirpadas eternamente de nosso país.

Para interagir com o autor: gustavo@universidadedofutebol.com.br