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Experiência

Um evento-teste. Menos de 30 dias. Muita coisa a ser feita. Inaugurado oficialmente no último domingo, o novo estádio do Corinthians, situado na Zona Leste de São Paulo, passou pela maior prova antes de 12 de junho, quando receberá a abertura da Copa de 2014. A partida contra o Figueirense, válida pela quinta rodada do Campeonato Brasileiro, escancarou muitos aspectos que precisam ser ajustados até o início do Mundial. Mas a operação do evento também mostrou que a casa não será suficiente para ter depois da competição um novo patamar de evento.

O jogo entre Corinthians e Figueirense teve 36.123 pagantes, com uma renda de R$ 3,02 milhões. O time paulista amealhou R$ 2,3 milhões em receita líquida (valor que considera os descontos em impostos, taxas e despesas do evento), maior lucro do futebol brasileiro em 2014.

Houve muitos pontos positivos – o transporte público mostrou-se alternativa viável para o estádio, os orientadores funcionaram e o gramado foi elogiado por atletas e técnicos, por exemplo. Mas o primeiro jogo oficial também escancarou falhas da arena: goteiras, sinal intermitente de telefonia, falhas na conexão com a internet, elevadores que deixaram de funcionar e longas filas nos poucos bares que estavam em funcionamento.

O torcedor que foi ao estádio também saiu frustrado com o que aconteceu em campo. O Corinthians mostrou futebol pobre de ideias, com poucas alternativas ofensivas, e perdeu por 1 a 0 para o Figueirense, que ocupava a lanterna do Campeonato Brasileiro e ainda não havia anotado um gol sequer na competição.

Entre o que não funcionou, é possível que muito seja acertado até a Copa do Mundo. O estádio teve muitos problemas decorrentes de uma operação incipiente, e isso pode ser revisto antes de 12 de junho. Elevadores deixaram de funcionar por quedas de energia e manutenção, por exemplo. Sinais de telefonia e internet terão reforços até 12 de junho.

Mas um estádio é apenas uma casca, e o jogo é apenas um trecho do produto que ela envolve. O torcedor não compra uma partida de futebol, mas uma experiência. E isso é o que os organizadores precisam entender sobre a nova casa do Corinthians.

O torcedor precisa ser visto como um consumidor comum. E a experiência de um consumidor comum não se limita ao tempo em que ele está dentro do estádio. A avaliação sobre o aparato está intrinsecamente ligada ao que acontece antes e depois.

A preocupação com o torcedor, portanto, deve começar com um exercício de promoção dos eventos. Quem sabia, afinal, qual seria o jogo em Itaquera no último domingo e em quais condições o Corinthians enfrentaria o Figueirense? Onde estava a comunicação visual no bairro e nas zonas em que o público-alvo mais circula?

Depois disso, é importante convencer as pessoas a comprarem o evento. Isso envolve oferecer condições, prover serviços e entregar a elas os ingressos. Também é fundamental planejar deslocamentos e a experiência que os torcedores terão no interior da arena.

Tudo isso faz parte do tal “padrão Fifa”. A entidade estabelece uma série de parâmetros para assegurar prestação de serviço e uma parte da experiência do público – é por isso que o posicionamento de cadeiras no interior dos estádios de Copa é sempre similar.

A questão é: e o intangível? Em que pontos o torcedor foi surpreendido e recebeu mais do que o pacote padrão? O que ele teve, do momento da compra até a hora em que voltou para casa, que fez o jogo ser um evento inesquecível?

É isso que os organizadores de jogos no Brasil precisam considerar. Planejar a experiência do torcedor não pode ser apenas zelar pela excelência de serviços, mas criar realmente um ambiente que transforme o significado do evento.

Essa é a lógica que os parques da Walt Disney ensinam para o mundo há anos. Os brinquedos de lá também têm filas, mas aproveitam o momento de espera para bombardear os usuários de vídeos, atividades e informações. Até o posicionamento de lixeiras é pensado para balizar a experiência de quem frequenta as atrações.

A Fifa segue algumas dessas premissas ao criar padrões para a Copa do Mundo, mas o futebol ainda está longe da realidade que os parques vivem há décadas. E se o futebol de Copa sofre, o esporte do cotidiano tem uma necessidade ainda maior de assimilar esse tipo de conceito.

O novo estádio do Corinthians pode ter um público orgânico nos primeiros jogos, formado por curiosos e carentes por outros tipos de espetáculo. Depois, porém, a sobrevivência do aparato dependerá muito do que for proporcionado ao espectador.

Nesse caso, vale para o estádio a lógica de um bar ou restaurante: a inauguração pode ser um sucesso e atrair muita gente. Depois, alguns curiosos podem querer conhecer e ver as atrações locais. O desafio é segurar esse fluxo.

E fluxo, em qualquer empreendimento comercial, só se constrói com experiências. É isso que o futebol precisa aprender a vender. 

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Minha casa, minha vida em Itaquera

Guerrero, autor do gol mais internacional da história corintiana, deu o primeiro toque na bola da mais corintiana casa.

Assim começou o primeiro jogo alvinegro no estádio de todo o povo (para os muitos que não aceitam dinheiro público em sua construção, e para os que jamais imaginaram que um dia “eles” teriam estádio).

E que belo estádio. A casa do Corinthians começou a ser usada segundos antes de uma chuva de granizo derrubar troncos na região do Morumbi – onde tantas vezes o Corinthians foi Timão, como em 13 de outubro de 1977, como na conquista do primeiro Brasileiro, em 1990, como no início da campanha do primeiro Mundial, em 2000.

No Pacaembu, 16h33 do domingo de estreia em Itaquera, chovia como havia dias não chovia tanto e tão feio.

É a hora desta foto que mostra as torres de iluminação que ficam atrás da arquibancada central do velho Paca. De onde saíram os fogos de artifício em 4 de julho de 2012, na celebração da Libertadores que, como a casa do tamanho da torcida alvinegra, parecia que nunca aconteceria. Nunca existiria.

“Nunca serão”?

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Em Itaquera, quando esta foto foi tirada, eram 31 minutos de jogo ruim. Corinthians estreando em sua casa, sua vida, contra o Figueirense.

Chuva fortíssima nos estádios onde mais jogou o Corinthians em São Paulo. Tarde feia, fria. Sem vida como ficou o estádio de todos os paulistanos, e ainda mais dos corintianos. Não tinha nada além de água no Paulo Machado de Carvalho numa tarde de futebol (por mais que não tenha jogado futebol o Corinthians em 90 minutos inaugurais em Itaquera).

Só sei que tudo que não se via no Pacaembu era saudade.

Só sei que aquela água toda pela cidade não era comum.

Não vou tentar explicar. Não sei. Como também não sei como o Corinthians jogou tão mal contra um rival tão frágil. Vai ver que a Fifa pediu para poupar o gramado, as traves, sei lá.

Só sei que não importa tanto a derrota feia para o Figueirense na festa tão bonita. O que vale, depois de décadas de tentativas frustradas, de gozações alheias, de dinheiro mal empregado, de negociações bizarras, e de um estádio erguido a toque de caixa (e que caixa, e que toques), o corintiano tem sua casa, sua vida.

Onde, depois do primeiro toque de Guerrero, ele verá outros batalhadores em português guerreando, lutando, brigando, corintianando.

Para o bem dos corintianos, para o mal dos adversários, Itaquera não é logo ali. É bem longe daqui.

Mas vai ficar cada vez mais perto. Não vai ter em campo tanta gente ótima de Neco e Neto, de Luizinho a Rivellino, de Marcelinho a Tevez, de Rincón a cada canto do novo campo. Mas surgirão novos nomes próprios e muito comuns de uma paixão inominável. De um estádio que não gostam que chamem de Itaquerão e nem de Arena de São Paulo. De uma praça multiuso que é Arena do Corinthians enquanto não se vende o nome de direito.

Mas que é de cada José, Maria, João, Pedro, Mariana, Wallyson, Shirley. Nomes que vão contar muita coisa no novo lar. Nomes que ainda não sabemos como serão, quando serão, quantos tantos serão.

Só sabemos que tantos serão como nunca. Ou como sempre.

Bem-vindo à casa, Corinthians. 

 

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

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O jogo de futebol, a saída jogando e a posição do corpo

O jogo de futebol moderno exige, cada vez mais, qualidade nas decisões e ações sob pressão espaço-temporal. É tendência no jogar das equipes de alto nível o adiantamento coletivo das linhas de marcação e a indução do adversário ao erro na tentativa de recuperação da posse de bola mais próxima da meta oponente.

Em resposta ao pressing do adversário, equipes que priorizam o jogo construído, e não a ligação direta, necessitam de mecanismos individuais e coletivos devidamente ajustados às circunstâncias do jogo para retirar a bola do setor de pressão e dar sequência ao momento ofensivo na tentativa de concluir a jogada com finalização.

Tais mecanismos individuais e coletivos, como abertura de linhas de passe, desmarcações, ampliação do espaço efetivo de jogo, formação de triângulos e qualidade técnica de passes curtos e longos, são competências que, se aplicadas, minimizam a ocorrência de perda da posse de bola e, estatisticamente, aproximam a equipe da vitória (se aliadas às demais ações relativas ao cumprimento da Lógica do Jogo).

O treinamento de todas estas ações em especificidade, como habilidade aberta, imprevisível, logo semelhante às situações-problema que acontecem no jogo, pode potencializar os acertos no ambiente competitivo. Uma tarefa complicada tanto na formação quanto no profissional se inserirmos no contexto a pressão por resultados (e o consequente detrimento do espetáculo), o risco de perder a posse de bola em regiões do campo próximas à própria meta e a qualidade técnica contextualizada especialmente de zagueiros e goleiro que, em linhas gerais, são pouco estimulados em fases sensíveis de aprendizado das competências essenciais (relação com a bola, estruturação do espaço e comunicação na ação).

Os treinadores que mesmo cientes do referido contexto e, respaldados ou não, optam pela saída jogando com qualidade precisam atentar-se a todos os detalhes que darão efetividade a esta ação ofensiva.

Um detalhe que, recorrentemente, necessita de ajustes refere-se ao posicionamento corporal dos jogadores responsáveis pelas ações iniciais de construção.

O goleiro tende a ficar com o tronco de frente para a bola, semelhante ao posicionamento para defender. Desta forma minimiza a participação na saída jogando, pois reduzem o campo de visão e, consequentemente, as possibilidades de ação caso receba um passe.

Bolas recuadas para goleiros, geralmente, exigem dos zagueiros um posicionamento corporal que deixem suas costas voltadas para a linha de fundo ou para a linha lateral. Caso estejam próximos à linha da bola a primeira opção é a mais recomendada, caso estejam à frente da linha da bola, a segunda opção tende a ser mais efetiva. Em ambos os casos o posicionamento ideal busca um maior alcance da visão para o processo de decisão-ação. É muito comum observar em bolas recuadas para o goleiro, os zagueiros correrem de costas para o gol adversário, esta ação restringe sistemicamente as opções de passe do goleiro que acaba forçado ao chutão.

Laterais e volantes também necessitam de ajustes constantes no posicionamento corporal. Laterais que recebem a bola de costas para a faixa lateral do campo tendem a perder boas opções de progressão vertical no campo de jogo por condução ou passe. Se optarem por voltarem o corpo para a meta adversária após receberem o passe, perdem segundos preciosos na busca por desequilíbrio na organização defensiva adversária.

Do mesmo modo, volantes que recebem a bola de costas para a meta adversária têm como opção predominante o passe para trás, que distancia a equipe da meta adversária. Logo, movimentar-se para receber em diagonal pode facilitar a percepção da chegada de adversário e se é possível girar o corpo (para ficar de frente para a meta adversária) para dar sequência à ação ofensiva.

Como sabemos, a equipe é um organismo vivo em que suas ações influenciam e são influenciadas por todos os elementos do sistema, inclusive os adversários. Posicionar bem o corpo para sair jogando é apenas mais um dos milhares de ajustes que devem ser feitos em uma equipe para a boa prática do jogo de futebol.

Já cansamos de ouvir que futebol é um jogo de detalhes. Então, é melhor não duvidarmos e treinarmos todos eles.

Abraços e até a próxima semana.