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Lusa, a garota do Norte

Se você for pro Norte, me avisa e veja se ainda tem um time de futebol lá no Canindé.

Se você chegar na Marginal e enxergar um monte de camisas verdes e vermelhas, mande um abraço para cada uma. Abrace bem forte e nem diga o porquê.

Abrace.

Se você chegar lá e bandeiras estiverem tremulando, saiba que você está no lugar certo, mas com gente errada por perto. Não as que estão vibrando por nada que é tudo. Mas pelos errados e incertos que deixaram as coisas quebrarem em um mundo de quebradeiras econômicas e quebradas perdidas.

Se você for para o Norte da capital e enxergar uma arquibancada vazia, saiba que nunca foi assim. Não são muitos, mas parecem tantos. Serão cada vez menos, mas muito mais que muitos tantos.

Eles são fortes. Eles são de luta. Eles são Lusa.

Força a esses.

Forca àqueles!

Os que destorcem. Os que não torcem. Distorcem. Destronam. Detonam. Derrubam.

Os fortes são os que são Portuguesa sem saber como quando quanto com quem por quem porquê.

Quando você for para o Norte da cidade, talvez você encontre gente sem Oeste de Itápolis, sem Leste do Corinthians, sem Sul do São Paulo, sem Norte, bússola tonta, biruta besta, súmula adulterada.

Você vai ver no Canindé gente de verdade. Gente que está perdida, mas não vencida.

Muito menos vendida como os vendilhões do templo de segunda categoria e terceira divisão.

Você que vai pro Norte da capital vai ver gente que torce por um time que só sabe cair, só sabe sair.

Quando você chegar ao Canindé vazio de ideais e de gente, olhe bem. Você vai enxergar quem não está mais lá. Mas esteve lá para construir o estádio e o clube.

Gente que nem jogou por lá. Djalma Santos. Julinho. Ivair. Leivinha.

Estão todos lá em cada pedra perdida, em cada canto do campo de cimento amado.

Enéas está chateado com Badeco em um canto. Edu Marangon está lamentando com Jorginho. Zé Roberto e Rodrigo Fabbri só olham para o gramado.

Quando você for pro Canindé, diga àquele senhor que vende caldo verde e uns docinhos com nomes engraçados que eles são deliciosos. Mesmo que não sejam mais. Ou nunca tenham sido.

Nem lembro mais se eu comi docinhos por lá.

Tremoço, sim.

E como comi!

A memória é seletiva. A Lusa que não foi ao escolher quem a dirigiu e desgovernou e colidiu feio na Marginal.

Matando quem está dentro. Morrendo como no acidente de Dener.

Mas não é fatalidade. É fato. Foi mal feito. Foi desfeito. Fede. Apodrece.

Como o rio que não mais corre no Tietê. Morre por ali.

A Lusa não morreu. Mas vai matando.

Lembro a minha última visita ao Canindé para comentar algum jogo abaixo do nível da história do time de 1952, de 1955, de 1973, de 1985, de 1991, de 1995, de 1996, de 1998. O elevador parou de funcionar ao final da partida melancólica como um fado de Amália.

No mostrador de andar do último do elevador, tinha um ponto de interrogação.

O elevador não sabia onde estava. Para onde ia. Se estava. Se funcionava. Estava em dúvida. Dívida. Não sabia. Certamente não subiria mais. Provável que só descesse. E pra além do térreo. Pro segundo nível. Agora pra terceira.

Por quem a mandou das quintas do Pari pro quinto dos infernos.

Quem pariu o belzebu que pegue os lupas e os lanternas e vá viver e morrer nos idílios e llídios do fundo do tacho do STJD do capeta e dos capatazes incompetentes que foram além do poço. No fundo da fossa. Da vala comum onde enterraram nesse vale tudo gente que vale nada pela velhacaria que fez ou deixou fazer.

Não sei se é caso de polícia ou de incompetência.

Ou tudo ao mesmo tempo em dias de vacas macérrimas e burros acérrimos.

Só sei que eu peço pra quem for para o Norte nos próximos dias que prometem ser meses que deverão ser anos que abrace esses fortes.

Essa gente que não torce para ser campeã.

Torce para ser o que é – gente que gosta sem precisar de nada, nem de título, nem de vitória, nem de primeira, e, agora, nem de segunda.

É Lusa por ser Lusa. Basta.

Mas chega de tanta besta e de tanta bosta lá no Canindé.

Perdão pela palavra feia.

Mas tem mais coisa feia lá no Norte.

A queda da Portuguesa é mais que a derrota de um time e a derrocada de um clube.

É perda de uma identidade. De uma referência de luta. De uma reverência de clube.

De uma gente que tanto batalha, que Aljubarrota, que ajuda, que arrebata, que abarrota. Que perde o rei em Alcácer-Quibir, mas não a majestade, não a realeza, não a riqueza.

Dias pobres e podres no Canindé.

Não sei quando volto lá.

Para você que for ao Norte da cidade, mande um abraço a todos.

Eles estão precisando.

E se você não achar ninguém na terra arrasada, saiba que ali vai sempre ter muito amor. Um carinho que quem tem sabe.

Se você for para alguma feira lá pelo Anhembi ou pelo Center Norte, perto de onde o vento bate forte lá no alto do estádio e das cabines do Canindé, tente lembrar a quem anda vive e revive e resiste por lá que algumas vezes eles não foram o meu verdadeiro amor.

Mas que eles são o verdadeiro amor por um clube.

Bravos da Lusa, um brinde de vinho.

Verde, claro. 

 

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

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A TV aberta e a necessidade de desenvolver o jogo

A TV Globo exibiu na última quarta-feira (29) a vitória do Cruzeiro por 1 a 0 sobre o Santos em duelo válido pelas semifinais da Copa do Brasil. O jogo rendeu 19 pontos à emissora carioca no Ibope, e esse resultado fez com que o canal decidisse exibir ao vivo também a segunda partida entre mineiros e paulistas. E isso reativou um debate sobre o papel da televisão como agente desenvolvedor do futebol. Afinal, qual é a função da Globo?

 

Atualmente, a TV é responsável por pelo menos um terço do faturamento dos clubes de futebol no Brasil. É uma receita que tem peso preponderante no planejamento financeiro anual das equipes. Portanto, discutir isso é discutir a própria estrutura do futebol.

 

Essa estrutura mudou demais quando equipes brasileiras implodiram em 2010 o Clube dos 13, que funcionava como um fórum para discussões coletivas sobre direitos de transmissão. A instituição surgiu para ser muito mais do que isso, nunca cumpriu o propósito e tinha uma gestão extremamente discutível. O problema é: e depois?

 

O fim do Clube dos 13 deu lugar a negociações individuais das equipes com os interessados em direitos de mídia. Se antes havia alguém que pensava no todo (independentemente de fazer isso bem ou mal), hoje cada um briga pelo que acha melhor.

 

Entender isso é fundamental para pensar em como funciona a negociação. O time A conversa com empresas interessadas em seus direitos de mídia (a Globo, por exemplo) e recebe propostas por essas propriedades. A Globo teve de acertar individualmente com todas as equipes que disputam a primeira divisão do Campeonato Brasileiro – somados, esses contratos custam mais de R$ 1 bilhão por ano à emissora.

 

A Globo paga pelo futebol como paga por um filme ou uma série. Todos esses produtos formam a grade da emissora e brigam por espaços nas transmissões do dia. Então, a direção do canal pensa nas opções, avalia o público que acompanha cada horário e cria uma escala entre esse portfólio.

 

O futebol ocupa a faixa de 22h da quarta-feira porque esse é o horário preferido pelas pessoas que veem o jogo na TV. Além disso, o futebol não entra no lugar da novela ou do telejornal porque a novela e o telejornal dão mais resultado no Ibope. Simples assim.

 

O horário do futebol pode ser horrível para quem vai aos estádios e pode prejudicar a exposição das marcas que investem no jogo, mas a TV não se preocupa com isso. E nem precisa se preocupar. O que vale para a Globo é o que dá resultado para a Globo.

 

O mesmo vale para a quantidade de jogos de cada equipe. A Globo transmite muitas partidas de Corinthians e Flamengo simplesmente porque tem resultados melhores com esses times.

 

No Campeonato Brasileiro de 2014, por exemplo, a Globo exibiu todos os clássicos que o Corinthians disputou até aqui. Em contrapartida, o canal não mostrou nenhum confronto regional sem a presença da equipe alvinegra.

 

Os dois melhores resultados da Globo no Ibope com o Campeonato Brasileiro foram registrados em clássicos. A emissora conseguiu 21 pontos com Corinthians x São Paulo e 20 pontos com Corinthians x Palmeiras.

 

A audiência é expressiva, mas ainda é pior do que os resultados da Globo com filmes e novelas. E é muito melhor do que jogos sem o Corinthians – o canal perde média de um ponto no Ibope quando exibe partidas de outras equipes paulistas, e cada ponto equivale a 65 mil domicílios sintonizados.

 

E qual é o único caminho para isso mudar? A negociação, é claro. A Globo está certa ao defender o que é relevante para a Globo, e alterações só vão acontecer se os clubes souberem brigar pelos interesses deles.

 

Hoje em dia, o único interesse que eles apresentam na negociação é a receita. Enquanto for assim, a Globo vai adaptar o produto futebol aos interesses da emissora.

 

Os clubes precisam pensar de forma mais abrangente e têm obrigação de zelar pelo futebol como produto. E para facilitar isso, é fundamental que eles trabalhem pela evolução do esporte.

 

O primeiro passo, portanto, é pensar em como o futebol pode ser um produto de maior relevância para a televisão. O segundo passo é pensar em que tipo de exposição é melhor e brigar por isso. Esses interesses devem nortear a discussão sobre os direitos de mídia (e não apenas de TV aberta).

 

É nesse processo que se enquadram questões como o equilíbrio. O Campeonato Espanhol optou por um modelo de negociação de mídia que prioriza Barcelona e Real Madrid, entre outras coisas, porque entendeu que o sucesso internacional dessas equipes era comercialmente mais relevante do que a repercussão da competição. O Campeonato Inglês preferiu uma liga forte a superpotências.

 

O Campeonato Brasileiro precisa decidir urgentemente um caminho, e isso não vale apenas para a divisão de direitos de mídia. Hoje em dia, a TV prioriza Corinthians e Flamengo, mas o futebol nacional não tem um plano focado na superexposição ou no posicionamento dos dois acima do restante.

 

O futebol brasileiro precisa discutir o futuro ideal antes de cobrar que a TV pense em fomentar o desenvolvimento do esporte. Se quem vende não está preocupado com a qualidade do produto, não é o comprador que vai se preocupar.

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O desafio dos alojamentos nas categorias de base – parte II

No início do ano foi retomada a discussão inicialmente proposta pelo Dr Alcides Scaglia sobre os alojamentos nas categorias de base do futebol brasileiro (parte I). Se, de um lado, temos milhares de atletas em formação aspirando por uma das escassas vagas na elite do futebol brasileiro ou mundial, de outro, temos a certeza de que muitos ficarão pelo caminho e seguirão novos rumos profissionais.

Um dado estatístico indicado pela Universidade do Futebol aponta que a fábrica de sonhos das escolinhas e clubes, na verdade, pode ser muito mais uma fábrica de frustrações uma vez que somente 1 a cada 3000 crianças que querem ser jogadoras de futebol conseguem ingressar no alto rendimento.

Sendo assim, o compromisso pedagógico de todos os clubes e escolas de futebol, representado pelos seus coordenadores, professores, treinadores, assistentes e preparadores deve ser o de instigar uma educação para a vida além do desporto. Um conflito e uma tarefa um tanto difícil, pois comumente encaramos o jogo de futebol como uma atividade física e não humana.
Somamos a este fato também, os nossos interesses pessoais e profissionais muitas vezes alheios aos sonhos das centenas de crianças, jovens e adultos que formamos durante a nossa trajetória profissional.

Após a primeira parte da coluna, mais reflexiva do que propositiva, alguns leitores se manifestaram com ponderações e comentários importantes sobre o cenário e as possibilidades da predominantemente engessada combinação atleta-alojamento.

J. G., pós-graduado em Gestão Esportiva, fez o seguinte apontamento:

“Creio que o ambiente dos alojamentos seja o mais cruel de fato. Quando se fala de talentos, nunca podemos esquecer que devemos gerir pessoas e não atletas. Talentos têm angústias, ansiedades, medos e outros comportamentos típicos de qualquer ser humano. A gestão das categorias de base deve passar por profissionais capazes de fazer a gestão de pessoas. Não só atrair o talento, mas desenvolver suas potencialidades como ser humano. E aí é que estamos longe do que se busca. Lembrar que apenas minoria atingirá o topo da cadeia profissional de futebol nos remete a necessidade de criar condições para que a outra maioria não seja uma legião de frustrados. Quem alimentou o sonho de crianças deve, no mínimo, ser responsável pelas consequências dos sonhos não realizados. Clubes que não partilham essa ideia são lobos do próprio sistema.”

Já M. S., técnico de futebol atualmente fora do país, deu a seguinte opinião:

“Tenho assistido vários jogos de jovens e uma das coisas que mais me chama a atenção é a "marra" da maioria da molecada. Independente se jogam no …, …, … ou … usam boné de aba reta, óculos escuros, brincos de brilhantes nas duas orelhas, o cabelo quanto pior, melhor, tênis da La coste, Asics, etc. Futebol que é bom, muito pouco. Mas creio que isso reflete o atual momento de nossa sociedade e é aí onde entra o papel dos clubes e treinadores, já que podemos influenciar diretamente no ambiente que rodeia esses jovens (alojamentos). Esta no nosso raio de ação. Mas será que treinadores e diretores que não valorizam o estudo e autoqualificação, apoiarão medidas que tornem os jogadores de certa forma menos alienados?

Não seria essa alienação, excelente para quem manda? Fazendo um paralelo com nossos governantes, não é pelo mesmo motivo que nenhum político investe com seriedade em educação?

Ter bibliotecas/videotecas nos clubes, jogos de mesa (xadrez, dama, banco imobiliário) que estimulem o raciocínio e a tomada de decisão, aulas sobre investimentos financeiros, entrevistas de televisão (através de acordos com universidades de jornalismo, numa ação ganha-ganha), ações solidárias e comunitárias com os jovens seriam algumas das ideias que eu buscaria implantar. E, definitivamente, qualquer iniciativa nesse sentido faria um bem danado não só ao futebol como ao país como um todo, isso não tenho dúvida.”

E por último, R. F., que trabalhava com crianças de 11 anos (ainda sem idade para ingressar nos alojamentos), em um clube tradicional do estado de SP.

“Gostaria apenas de passar uma experiência que vivi em 2013 e que tem certa conexão com sua coluna sobre os alojamentos dos clubes. Os meninos não ficavam alojados, porém, eram constantemente estimulados a buscarem informações, sobre o jogo, música, cinema e outros diversos assuntos em conversas informais e até mesmo nas explicações antes e pós-treino. Após um determinado tempo de trabalho, a mudança comportamental dos meninos, o linguajar e até mesmo o interesse por literatura foram notáveis. Trouxe até mudanças consideráveis na parte cognitiva no que diz respeito ao entendimento de jogo e do jogo proposto pela comissão técnica. Isso deixou bem claro, ao menos em minha opinião, que se estimulados corretamente e dentro de um ambiente saudável, não seriam todos os jogadores que só ouviriam funk, usariam o mesmo boné com a aba para o lado, o mesmo kit de 18 correntes no pescoço para competir com as 18 tatuagens espalhadas pelo corpo e combinarem com os únicos 18 verbos mal conjugados que eles conhecem. E não entenda isso como um comentário jocoso e preconceituoso, pois a tristeza mora em perceber quanto talento e inteligência são escondidos e desperdiçados por trás dos estereótipos que esses jovens seguem!”

Outros contatos também foram feitos, inclusive de um leitor que tem opiniões a respeito da formação de atletas em Portugal, porém, os três comentários supracitados são suficientes para identificar o elemento central da tarefa profissional com os jovens: a educação.

A coluna desta semana foi iniciada mencionando o professor Alcides Scaglia, grande referência em minha atuação profissional, e será encerrada da mesma forma.

Para ele, a educação com os jovens futebolistas não dever ser justificada como prevenção em caso de não obtenção do sucesso esportivo. Nestes moldes, seria como se ensinássemos para a derrota profissional (mesmo ciente que ela é estatística e potencialmente certa).

Como professores e inspiradores, devemos permanentemente educar para o êxito. Sob este viés, a educação tem como finalidade tornar o homem (e atleta) cada vez melhor que ele mesmo. E, a cada dia, ser melhor que você mesmo, faz todo o sentido. No futebol e na vida…

Na próxima coluna sobre o tema, serão discutidos alguns planos de ação para os jogadores em alojamentos.

Abraços e até a próxima.