Faz alguns anos (8 anos eu acho), escrevi um texto publicado aqui na Universidade do Futebol, dissertando sobre a dificuldade de algumas equipes, especialmente brasileiras, de aproveitarem situações de vantagem numérica por ocasião da expulsão de um ou mais jogadores adversários em uma partida de futebol.
Enfatizei, naquele momento, as mudanças intuitivas favoráveis na organização coletiva das equipes quando elas tinham jogadores expulsos (ou seja, desvantagem numérica) – e como essas mudanças dificultavam o trabalho dos seus adversários.
No final do texto, propus algumas referências de ação e de ocupação do espaço (soluções práticas) que poderiam auxiliar equipes com vantagem no número de jogadores, para que essa vantagem pudesse efetivamente se reverter em resultado concreto (gols e vitórias propriamente ditas) – havendo tempo para isso nos jogos, é claro.
Particularmente, como treinador, em 100% das experiências com esse tipo de situação, as referências propostas, aplicadas na prática, sempre se mostraram excelentes soluções.
Pois bem.
Nunca duvidei que as exigências impostas pelo nível de organização dos adversários em desvantagem numérica fosse uma variável muito importante e de grande peso no desenrolar de um confronto – ao se tentar colocar em prática propostas para tirar proveito da desvantagem deles (dos adversários).
E é claro, da mesma forma sempre soube, que a inteligência coletiva de jogo da equipe em vantagem numérica era variável determinante para que mudanças organizacionais levassem aos melhores efeitos.
Recentemente tivemos um jogo muito interessante, na UEFA Champions League, no que diz respeito a essas coisas (tirar proveito da vantagem numérica, gerir a desvantagem numérica, propor mudanças organizacionais, aplicar mudanças organizacionais, nível de inteligência coletiva de jogo, etc.).
Interessante por dois motivos em particular:
1) o jogo em questão envolveu uma classificação para as quartas de final da competição (UEFA Champions League);
2) porque o time que ficou em vantagem numérica logo aos 32’ do 1º tempo na partida foi o Chelsea, do experiente, premiado e vencedor treinador português José Mourinho.
Falo do jogo Chelsea 2 x 2 Paris Saint-Germain (PSG), na Inglaterra (partida de volta das oitavas de final da UEFA Champions League 2014/15, após empate por 1 a 1 na França).
É aceitável partirmos do pressuposto que nesse jogo os jogadores em campo representavam parte daquilo que há de melhor em termos de prática futebolística, porque estão familiarizados com confrontos de altíssimo nível, porque estão habituados a decidir-agir em altíssima velocidade e sob muita pressão espaço-tempo, e porque coletivamente são capazes de interagir num nível de excelência invejável com a organização de jogo, estando aptos a responder com eficiência às nuances estratégicas mais elaboradas.
E isso tudo quer dizer, em outras palavras, que sob o ponto de vista de um confronto em que uma das equipes fica em desvantagem numérica ainda no 1º tempo do jogo, é de se esperar que ambas nesse caso, tanto a que está em vantagem e quanto a que está em desvantagem, sejam capazes de propor os melhores problemas organizacionais ao seu adversário, e da mesma maneira, as melhores soluções – e aqui cabe lembrar algo muito importante: o Chelsea, além de ficar com um jogador a mais na partida, tinha a vantagem do placar, já que o zero a zero lhe era favorável.
Então, apesar de todas as colocações anteriores nesse texto serem “ocorrências e fatos de fácil observação”, é concreta e honestamente provável – por toda atmosfera conceitual criada nesse artigo – a hipótese de que a missão do PSG, time francês, era um tanto quanto mais complicada do que a da equipe do treinador José Mourinho.
Mas o que sabemos sobre o jogo, nos mostra um incontestável argumento contrário: o PSG conseguiu fazer dois gols (um no tempo normal e outro na prorrogação), depois de ficar duas vezes atrás no placar, e obteve a classificação!
A equipe em desvantagem (numérica, regulamentar e ambiental) conseguiu levar vantagem… (e claro, cabe aqui um debate sobre o fato dos gols, todos eles no jogo, serem oriundos de bola parada – mas deixemos isso para outro texto).
No altíssimo nível competitivo, ter um jogador a mais deveria ser uma grande frente sobre o adversário – e estatisticamente, nos campeonatos europeus para as grandes equipes, normalmente é.
Mas há, como foi esse jogo, exceções…
O próprio Mourinho, quando treinava o time italiano da Inter de Milão, em uma Champions League conseguiu parar o fortíssimo FC Barcelona de Guardiola e perder de apenas 1 a zero (placar pelo qual sua equipe poderia perder) após ter um jogador expulso no 2º jogo do confronto, na Espanha (eliminando assim o FC Barcelona, e sendo na sequência campeão da competição).
O futebol é um esporte em que a defesa sobressai ao ataque. É fato!
Então de certa forma, é de se esperar que mesmo a vantagem no número de jogadores seja algo que não desequilibre tanto assim a “balança do jogo” …
É de se “esperar”, não de se “aceitar” …
Por isso, se não entendermos quais os ajustes (finos e/ou grossos) podem ser feitos, e mais do que isso, que tipo de mudança será geradora de certo tipo de resposta dentro do jogo, estaremos entregues à espera (ou à desculpa de que, se aconteceu com o Chelsea, do José Mourinho, é normal… – Mas não deveria ser!).
Ser sujeito da ação e senhor do jogo é expressão da capacidade de interagir com o jogo e com sua lógica inexorável, interferindo nele!
Claro, não há respostas e soluções prontas… O jogo de futebol é um jogo de estratégias simultâneas…
Mas mesmo que não sejamos capazes de alterar totalmente uma tendência organizacional durante uma partida, é necessário, no mínimo, que mostremos capacidade e conhecimento para mudá-la (visivelmente).
As vitórias não são dádivas do acaso… Se fossem, teríamos que aceitar que o acaso gosta mais de alguns treinadores do que de outros…