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A seleção brasileira e o consumo

A seleção brasileira de futebol venceu os Estados Unidos por 4 a 1 na última terça-feira (08), em amistoso disputado na casa do rival. No entanto, apertado entre assuntos como a luta pela liderança do Campeonato Brasileiro e movimentações de dirigentes para criar ligas regionais na próxima temporada, o jogo acabou sendo um dos assuntos menos relevantes na semana. Sintomático, afinal: quem é o consumidor da equipe nacional e que tipo de produto ele deseja encontrar?

No modelo atual, a seleção brasileira é o principal foco da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A entidade também organiza as competições nacionais, é verdade, mas a equipe que representa o país é o que demanda mais esforço, tem mais gente envolvida e gera mais receita para a instituição. É o time que justifica a enorme quantidade de patrocínios e que atrai receitas crescentes.

Ora, então por que os jogos da seleção repercutem cada vez menos no Brasil?

A resposta tem a ver com o público que a seleção tem abraçado. Nas últimas décadas, a CBF adotou a prática de vender a organização dos jogos da equipe nacional para empresas estrangeiras. Essas companhias pagam um cachê ao time verde-amarelo por jogo e definem aspectos como adversários, datas e locais (tudo isso com aval posterior dos brasileiros).

Foi por causa de acordos assim que a seleção passou anos jogando na Inglaterra. É por causa de acordos assim que o Brasil hoje atua mais nos Estados Unidos do que em casa.

Atualmente, a organização dos jogos da seleção brasileira é da International Sports Events (ISE), empresa que paga à CBF um valor superior a U$ 1 milhão por amistoso. A agência pode explorar todas as receitas das partidas (como bilheteria e negociação de mídia) e exige convocação de força máxima (a cláusula 9.1 do contrato, que fala sobre isso, foi publicada pelo jornal “Estado de S. Paulo” em maio deste ano).

Não é por acaso: as receitas da ISE estão diretamente ligadas à promoção dos amistosos, e a promoção dos amistosos depende das estrelas. É uma relação que pode ser discutida do ponto de vista moral, mas que comercialmente não tem qualquer problema. O problema nessa história é a CBF abrir mão da organização dos jogos de seu principal produto.

Ao fazer isso, a CBF se submete a interesses de uma empresa que tem mercados consumidores muito diferentes dos que a entidade gostaria de explorar. A seleção não apenas joga fora, mas tem uma comunicação totalmente voltada para centros que não são o território local.

A consequência desse afastamento é que a seleção gradativamente tem perdido espaço e interesse no mercado local. É um processo que não é tão simplista assim (a dissociação entre público e equipe também tem a ver com estilo de jogo, resultados, relevância dos atletas e fatores similares), mas é inegável que a CBF, ao abrir mão do controle sobre seu principal produto, perdeu também a chance de dar a ele um perfil adequado aos brasileiros.

Num mercado como o do entretenimento, com uma concorrência tão ferrenha, o que a CBF fez foi apenas adiantar uma parte da receita. No médio e no longo prazo, a estratégia da entidade foi um gigantesco tiro no pé.

Um exemplo disso foi dado na semana passada por uma reportagem publicada pelo jornal “Folha de S. Paulo”. O texto relata o fechamento da loja oficial da CBF dentro da sede da entidade, que havia sido inaugurada em 2014. O ponto de venda de produtos da equipe nacional tinha faturamento inferior a R$ 10 mil por mês.

Hoje em dia, a melhor comunicação sobre a seleção brasileira é feita pela própria ISE. Em mercados locais, os jogos da equipe canarinho têm promoção e ações para atrair o público. E a CBF, o que faz para ter algo similar em âmbito nacional?

A CBF não faz um trabalho similar sequer com as principais competições que ela organiza, como o Campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil. Um pouco pela falta de cultura do país, não há promoção por jogo e não há um enorme esforço de comunicação em torno desses eventos.

Por isso, as discussões sobre ligas regionais no Brasil não são apenas gritos por mudanças no atual modelo de calendário do futebol nacional. Clubes estão insatisfeitos com algo que é muito maior do que isso: a inépcia e a inércia de uma entidade que relega a eles todo o esforço de comunicação de eventos de grande porte.

A CBF ainda não entendeu que é responsável por despertar interesse das pessoas para os produtos que ela oferece. A camisa amarela nem sempre é suficiente para isso.