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O estádio de futebol não é feito para você

Poucas coisas são mais mentirosas no Brasil do que “pesquisas” sobre torcidas. São números inflados, que disseminam conceitos distorcidos e atrapalham qualquer análise sobre potencial dos clubes nacionais. E isso tem reflexo direto nos estádios.

Segundo pesquisa “Lance!/Ibope” de 2014, por exemplo, o Flamengo tem 32,5 milhões de torcedores. O Corinthians, segundo colocado no ranking, possui 27,3 milhões. Somados, os dois representam quase 25% da população brasileira. Mesmo assim, nenhum deles consegue ocupar totalmente o estádio.

Na soma de toda a temporada, a ocupação média do Corinthians como mandante é de 67% – no Brasil, o time alvinegro perde apenas para o rival Palmeiras, que tem registrado 68% de lugares tomados em sua arena. O Flamengo atua num estádio maior e preenche apenas 36% dos assentos.

Líder nacional em receita bruta com bilheteria neste ano, o Corinthians já amealhou R$ 59 milhões. Ainda que esse montante seja destinado a um fundo para custear a construção do estádio da equipe paulista, isso representa 22,8% da arrecadação de 2014 (R$ 258,2 milhões). O percentual não é tão diferente da realidade do Real Madrid, dono do maior faturamento do futebol mundial (549,5 milhões de euros, ou R$ 2,4 bilhões, dos quais 21% são oriundos de match day e incluem venda de ingressos).

O incremento de receita é uma das necessidades prementes no futebol brasileiro. Para aumentar o bolo e manter a relevância da bilheteria, é fundamental que os clubes trabalhem em duas frentes: ocupar mais os estádios e fazer com que as pessoas ali gastem valores maiores.

Aí entra uma transição que tem gerado ruídos no Brasil. Desde a profusão de novas arenas para a Copa do Mundo de 2014, surgiu um movimento contra a elitização e a higienização dos estádios. As necessidades comerciais e o perfil advindo disso simplesmente não eram condizentes com o público que sempre frequentou esses espaços.

Em vez de uma simples preocupação, porém, esse movimento foi abordado quase sempre com viés saudosista. Sobretudo porque os formadores de opinião no esporte são provenientes de uma das menores faixas entre os torcedores, que é o grupo composto pelos verdadeiramente apaixonados e devotos – algo como 5%, segundo as “pesquisas”.

A mudança de perfil dos estádios abriu uma série de possibilidades. É um processo que ainda não foi concluído e que está longe de render aos clubes o que é possível ou necessário. A receita de match day no Brasil ainda é risível – quantas pessoas saem de um estádio com um souvenir do jogo ou de seu time?

Entretanto, enquanto a discussão for apenas sobre o modelo, seguiremos aquém do potencial. Aqui entra uma lógica difícil, mas necessária: o estádio não é feito para você. Você pode tratá-lo como segunda casa, mas não é um espaço pensado para necessidades individuais ou perfis menos numerosos. A inclusão não pode ser feita pela falta de qualidade.

A transformação dos estádios no Brasil tem de ser acompanhada de um pensamento mais inclusivo. As arenas precisam comportar pessoas com diferentes perfis se os clubes quiserem ocupação e faturamento. A questão é que atender aos interesses de todos esses grupos passa por modelos mais genéricos.

O torcedor fanático pode reclamar de um estádio que tem “câmera do beijo”, “telão HD” ou “comidas refinadas nos bares e restaurantes”. O novo torcedor pode reclamar dos assentos duros, do serviço precário e da limpeza deficiente. Nenhum deles está sendo bem atendido, e a lógica individualista só aumenta essa insatisfação.

O estádio é um ambiente coletivo, e os clubes precisam disso. O tíquete médio cobrado no Brasil pode ser abusivo e pode contribuir para a elitização, mas a discussão não é apenas sobre isso. O ingresso é caro, o serviço não é condizente com o valor, mas a ótica do torcedor também precisa ser preparada.

É aí que entra uma questão nevrálgica para a comunicação nos estádios. A torcida precisa ser preparada para entender essa mudança de perfil como algo positivo, e não apenas como uma tentativa de mudar o perfil do público que frequenta as arenas. Hoje temos um ranço contra qualquer tentativa de entretenimento como se residisse aí a natureza da elitização do futebol.

A inflação do custo de ingressos no Brasil é fruto de uma série de outras coisas. Clubes cobram muito porque não conseguem obter outras receitas nos estádios, porque não conseguem encher as arquibancadas e porque têm dificuldade para arrecadar em outras fontes, por exemplo. Cobram mais porque é mais fácil. Mas de quem eles cobram mais? Que perfil de público eles querem atrair ao estádio? E o que é feito para explicar aos antigos torcedores que essas mudanças são benéficas?

Infelizmente, o futebol brasileiro segue trabalhando com lógica de crescimento orgânico. Apresentamos um espaço diferente ao público e esperamos que as pessoas se adaptem – que muitos deixem de frequentar o espaço e que outros mais afeitos a esse ambiente percebam naturalmente a melhora, talvez.

Para o torcedor, o momento agora é de entender esse processo e começar a conceber o estádio com uma lógica coletiva. Eu posso preferir as arenas de antigamente, mais populares e menos voltadas ao comércio, mas não posso ignorar as necessidades financeiras dos clubes e o perfil de gente que isso atrai para o ambiente.

O estádio de futebol não é feito para você. O estádio de futebol é um espaço para gerar negócios, e por isso precisa ser inclusivo e atender a necessidades de diferentes perfis de público. Os clubes estão errados também por não fazerem algo para que os torcedores abandonem a lógica individualista.

O erro de não falar

Zeca fez um pênalti escandaloso em Vagner Love no clássico Corinthians x Santos, no último domingo (21). O árbitro Flavio Guerra não viu o lance, mas anotou a infração após ter sido avisado por um auxiliar. Depois errou ao expulsar o zagueiro David Braz.

Imagens mostradas pela “TV Globo” e pelo canal fechado “Sportv” são indícios fortíssimos de que Guerra expulsou David Braz porque achou que a infração tinha sido cometida pelo zagueiro. Na súmula, porém, o árbitro disse que deu o vermelho direto ao defensor por causa de reclamações e xingamentos.

O erro dos santistas é gritante. Zeca deveria ter assumido a infração. Os companheiros dele deveriam ter indicado o autor. O silêncio da “malandragem” só contribuiu para que um erro fosse consolidado e prejudicasse um inocente.

Em sequência, Guerra errou. As câmeras mostram que a versão da súmula foi criada posteriormente para preencher lacunas e explicar algo q
ue não aconteceu. Mais uma vez, a honestidade perdeu feio.

Nas arquibancadas ou nos campos, passou da hora de entendermos de que não podemos pensar apenas no próprio umbigo. Precisamos entender que a vida em sociedade pressupõe pensamento voltado ao bem coletivo, e a honestidade é uma das bases para isso.