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O Brasil pode ser maior

O roraimense Thiago Maia é, provavelmente, a revelação do Campeonato Brasileiro 2015. Recentemente, ao Globoesporte.com, o volante santista detalhou os primeiros passos de sua história no futebol. Deixou a região Norte rumo a São Paulo ao lado da mãe, aos 13 anos, para testar no Corinthians. Foi reprovado, bateu à porta de clubes, passou necessidades, morou em um motel e, por sorte, encontrou o futuro na Vila Belmiro. Não é uma trajetória tão rara assim.
Hoje, no futebol brasileiro, as oportunidades não estão concentradas em todos os estados. Migrar como Thiago Maia fez, muitas vezes, é uma aposta a ser feita no país que não aproveita suas dimensões continentais para alcançar a excelência no esporte. Mas pode haver, a médio prazo, um futuro diferente.
Em Porto Velho (RO), as obras para um centro de treinamento bancado pela Fifa, com lucros provenientes da Copa do Mundo 2014, estão em andamento. Serão 15 estados contemplados em um orçamento total de 100 milhões de dólares. Exatamente, as capitais que não receberam jogos do Mundial. É a chance de se mudar, de alguma forma, uma parte da história do futebol brasileiro.
Entre os 23 jogadores convocados por Luiz Felipe Scolari para a Copa, apenas nove estados brasileiros foram contemplados com representantes. Não havia ninguém nascido no Norte, com mais de 17 milhões de habitantes. Do Nordeste, vieram, além do baiano Daniel Alves, o paraibano Hulk, o pernambucano Hernanes e o também baiano Dante. Desses três últimos, em comum, o fato de que não se afirmaram como esportistas nos clubes de seus estados. Também precisaram migrar em algum momento.
Na prática, o Brasil aproveita apenas uma parte de seu potencial como país com dimensões continentais. Em sua passagem como coordenador das seleções de base, entre 2010 e 2012, Ney Franco diagnosticou o problema. Eram raros os casos de jogadores chamados de clubes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com exceção da dupla Bahia e Vitória. A ideia de Ney era estimular todos os estados com visitas e convocações, o que também fez Alexandre Gallo.
Mas, a rigor, pouco se evoluiu para que jovens como Thiago Maia pudessem ser encontrados em Roraima, sem precisar atravessar o País em aventuras incertas e arriscadas. Além disso, quantos jogadores com potencial renunciaram a esse sonho? Atingir cada garoto que deseja ser jogador é uma das margens para crescimento no futebol brasileiro. O exemplo vem justamente do país que nos aplicou 7 a 1.
Além de criar mais de 360 centros de treinamento como os 15 que a CBF pretende construir, a Federação Alemã (DFB) fechou parceria com a Mercedes-Benz para um projeto chamado DFB Móvel. Com 30 viaturas da montadora, técnicos visitaram semanalmente as cidades onde não há um campo da Federação. Em cinco anos, segundo dados oficiais, 10 mil visitas foram realizadas atrás de garotos talentosos, além de dar noções de formação aos treinadores locais.
Desenvolver políticas desse tipo, que aumentem a abrangência do país, mudaria o futebol brasileiro de patamar. Os centros de treinamento em 15 estados seriam o pontapé ideal. Tudo dependerá do plano de administração que a CBF dará a eles.
PS.: Em aparições na Universidade do Futebol, propostas como essa serão apresentadas para o crescimento do futebol brasileiro.

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Quando o esporte é menos importante

O presidente da França, Fraçois Hollande, estava no Stade de France quando houve a primeira explosão. Uma bomba no portão J matou três pessoas e deixou uma série de feridos – o artefato foi parte de ação terrorista deflagrada naquela tarde, que matou pelo menos 129 pessoas em Paris. Em campo, França e Alemanha deram sequência à partida amistosa – os gauleses venceram por 2 a 0. Continuou o futebol, continua a vida. A vida pode continuar?
Existe questões a serem consideradas: não havia qualquer prova de que o interior do estádio estava em perigo, a evacuação poderia ser complicada e aumentar o clima de terror, empresas de mídia e patrocinadores pagaram por aquela partida e obter um consenso entre federações nacionais demandaria algum tempo.
Também existe uma questão moral: dar sequência ao jogo naquele instante era uma forma de não alastrar ainda mais o clima de terror e mostrar aos terroristas que eles não conseguiriam interromper a rotina de toda a cidade.
O esporte não pode ser maior do que a vida. Como disse o italiano Arrigo Sacchi, técnico da seleção vice-campeã do mundo em 1994, o futebol é a coisa mais importante entre as coisas menos importantes.
No entanto, é uma questão de contexto: o jogo não podia ter continuado porque o futebol é só isso, afinal: um jogo.
Da mesma forma, é até difícil condenar o zagueiro brasileiro David Luiz pela atuação desastrosa no empate por 1 a 1 contra a Argentina, em Buenos Aires, na mesma sexta-feira 13. O jogador defende o Paris Saint-Germain, mora em Paris e certamente tem um círculo de convivência na capital francesa – incluindo a namorada. Como estaria a sua cabeça se você soubesse dos atentados e tivesse um compromisso profissional horas depois?
Depois do jogo – e de ter sido expulso de forma infantil no segundo tempo –, David Luiz disse que não sabia sobre os atentados. Talvez tenha tentado minimizar uma ligação entre as duas coisas ou talvez tenha sido realmente blindado, mas a ameaça estava lá. Jogadores de futebol são profissionais como os de qualquer outra categoria, e como qualquer profissional também são afetados por todo tipo de influência externa.
É por isso que o desabafo do meia Diego Souza, do Sport, tem tanto sentido. Depois de uma derrota por 3 a 0 para o Cruzeiro no último domingo (15), o jogador reclamou da arbitragem de forma veemente: “A gente sai como chorão, infelizmente, mas eles [juízes e auxiliares] têm de entender que a pressão não é apenas para eles. A gente representa milhões aqui dentro. Com um resultado como esse, não posso nem sair para jantar ou levar meu filho para a escola. Sofremos as mesmas pressões”.
De uma forma geral, com jogadores, árbitros ou outras classes envolvidas no futebol, temos um grau de tolerância extremamente baixo. Consideramos inaceitáveis os erros do comentarista, do narrador, do técnico, do zagueiro, do goleiro, do dirigente, do bandeirinha…
O futebol tem de ser levado a sério, é claro, mas não pode admitir toda essa pressão. Não pode admitir que seus elementos sejam vistos como infalíveis ou que sejam cobrados por isso.
O futebol é uma válvula importante para uma série de imperfeições da vida, é verdade, mas também é feito de gente. E gente é algo muito mais complexo do que o que acontece nas quatro linhas.