Categorias
Colunas

Grêmio e Atlético Mineiro fora da Libertadores?

O título do texto parece alarmante, mas o fato é que eventual sequência na Primeira Liga pode gerar punições pesadas aos participantes.
Os clubes filiados à CBF fazem parte do sistema federativo e, portanto, tem a obrigação de seguir as normas da Fifa, que no art. 18 de seu Estatuto proíbe a participação em competições não oficiais sem a devida autorização.
O descumprimento das normas da Fifa, nos termos do art. 12 de seu Estatuto é suscetível às seguintes penalidades (texto oficial em espanhol).
a) prohibición de efectuar transferencias;
b) jugar a puerta cerrada;
c) jugar en terreno neutral;
d) prohibición de jugar en un estadio determinado;
e) anulación del resultado de un partido;
f) exclusión de una competición;
g) derrota por retirada o renuncia;
h) deducción de puntos;
i) descenso a una categoría inferior.
O art. 28, por sua vez, dispõe que a exclusão de uma competição pode se referir à retirada do direito de participar de uma competição em curso ou futura.
Portanto, por mais que a Primeira Liga possa ser importante para o desenvolvimento do futebol brasileiro, a participação na competição, sem a autorização da CBF, pode trazer gravíssimos danos aos clubes, inclusive, a exclusão de Grêmio e Atlético da Libertadores da América.

Categorias
Colunas

A relação dos métodos de treino e das ideias de jogo

Caro leitor,
É sabido que a evolução da metodologia de treinamento pode trazer contribuições significativas à preparação das equipes e, consequentemente, elevar/qualificar o nível de jogo no contexto competitivo. Ao se referir sobre a evolução dos métodos de treino, três conceitos-chave devem ser considerados. São eles: visão de mundo, paradigma-emergente e especificidade.
Com estes conceitos bem compreendidos, que trazem novas abordagens sobre a interpretação da realidade (leia-se pensamento sistêmico) e buscam aproximar as situações-problema oferecidas aos jogadores nos treinamentos àquelas que irão se deparar na competição, a interpretação dos diferentes métodos de treino fica mais completa e a serviço da comissão técnica para utilização ao longo de um microciclo.
Na coluna desta semana, uma das reflexões que será proposta sobre a evolução dos métodos de treino (do analítico, ao integrado e, por último, o sistêmico) questiona a autossuficiência da mesma para o aumento da qualidade do nosso jogo.
Uma vez que estão cada vez mais frequentes e acessíveis as discussões sobre metodologia é preciso atentar-se ao fato de que a mesma não garante, por relação direta, um jogo mais elaborado e/ou qualificado.
Imaginemos, numa situação hipotética, uma comissão técnica que trabalhe sob um viés sistêmico, logo, respeitando o princípio da especificidade subordinado ao Jogo. Esta mesma comissão, conceitualmente atualizada em relação aos métodos de treino, tem como ideias de jogo poucas trocas de passes, poucos dribles, grande número de chutões/bolas em disputa, referências exclusivamente individuais de marcação, grandes distâncias entre as linhas da equipe e baixa mobilidade. Este exemplo, de certa forma extremo, retrata uma clara situação de que a evolução na aplicação dos métodos não garantem um melhor e mais belo desempenho de jogo.
E dos inúmeros desafios que o futebol brasileiro tem pela frente nos próximos anos, o de desenvolver grandes ideias de jogo, sem dúvida, é um deles.
Aliada à evolução da metodologia de treinamento, precisamos de profissionais em todas as esferas e contextos que se praticam futebol (da iniciação à especialização, da base ao profissional, dos clubes pequenos aos grandes, do futebol social ao de alto rendimento), dispostos a desenvolverem boas, belas e revolucionárias ideias de jogo.
Precisamos de ideias aplicadas que respeitem nossa cultura, nossa identidade, nossa história e ao mesmo tempo tenham capacidade de se adaptar às exigências e a dinâmica do futebol moderno.
Precisamos de jogos e jogadores de elevado nível técnico, ofensivos, de jogadas imprevisíveis e criativas para que possamos vislumbrar o retorno a hegemonia do futebol mundial.
Precisamos de jogos e jogadores cada vez mais coletivos, organizados e inteligentes. A pressão pelo resultado não deve ser um argumento para a pobreza de ideias. Ao contrário, deve ser um grande motivo para fazermos diferente, mais e melhor.
Temos todos os recursos disponíveis para associar a evolução da metodologia de treinamento às ricas concepções de jogo.
No alto nível do nosso futebol, quem conseguir desenvolver este processo com o máximo de sua potencialidade, seguramente criará uma nova ordem. Num país continental como o Brasil, precisamos de ideais da “nova ordem” surgindo e sendo aplicados em todas as esferas supracitadas.
Ouso arriscar quem pode ser um dos precursores para o surgimento de uma nova ordem no futebol brasileiro. No entanto, a princípio, deixo registrado somente em meus pensamentos.
Abraços, até logo e vamos em frente… Em direção à nova ordem, preferencialmente!

Categorias
Colunas

Primeira Liga sem CBF. E agora?

Programada para começar no dia 27 de janeiro, ainda pairam dúvidas sobre a ocorrência da Primeira Liga, e eis que a CBF informou que não a autoriza.
O futebol (e praticamente todos os esportes do mundo) organizam-se segundo um sistema federativo no qual uma federação internacional regulamenta a prática desportiva e recebe as filiações das federações nacionais que, por seu turno, recebem a filiação dos clubes.
Neste sistema, há um conjunto de normas e regulamentos aceitos pelos filiados e que devem ser cumpridos.
Dentre estas normativas federativas, há a previsão da Fifa de que quaisquer eventos desportivos envolvendo seus filiados devam ser autorizados.
Doutro giro, as ligas, nos termos do artigo 13 da Lei Pelé, fazem parte do Sistema Nacional do Desporto e, conforme o artigo 16 , são pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomo, podendo filiar-se ou vincular-se à CBF, que não pode exigir a filiação ou vinculação.
Ou seja, a Lei Pelé autoriza a criação de ligas independentes sem qualquer necessidade de autorização das entidades organizadoras.
Portanto, segundo a legislação brasileira, especialmente o artigo 20 da Lei Pelé, os clubes poderão organizar ligas regionais ou nacionais, simplesmente comunicando a sua criação às entidades nacionais de administração do desporto.
Tem-se, assim, um aparente conflito entre as normas federativas, de caráter privado, e as legislação brasileira, de caráter público.
O conflito é apenas aparente, pois os clubes não são obrigados a permanecerem no sistema federativo, ou seja, podem se desfiliar da CBF a qualquer momento e, assim, exercer o direito de criar ligas independentes.
A CBF, por sua vez, não é obrigada a aceitar a filiação de qualquer entidade, ou mantê-la em desacordo com as suas normas e as da Fifa, já que o artigo 5º da Constituição Brasileira estabelece que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, salvo em virtude de lei e a Lei Pelé ao mesmo tempo que autoriza a criação de ligas independentes, não obriga as Federações a aceitá-las.
Diante do exposto, caso os clubes sigam com a Primeira Liga em confronto com a CBF, estarão descumprindo as regras federativas que aderiram ao se filiar e estarão sujeitos a penas disciplinares da entidade nacional e da Fifa, que podem ir de uma simples multa até à desfiliação.

Categorias
Colunas

O custo do ídolo

Não saíram de dentro das quatro linhas as notícias mais relevantes do São Paulo em 2015. Foi uma temporada conturbada, com renúncia de presidente, uma série de escândalos de gestão e a aposentadoria de um dos maiores ídolos da história tricolor. A saída encontrada pelos paulistas para amenizar o luto pela falta de resultados e pelo fim da carreira do goleiro Rogério Ceni foi repatriar o zagueiro uruguaio Diego Lugano, referência da equipe na década anterior, que estava no Cerro Porteño. Mas Lugano vale a aposta que o São Paulo fez?
Lugano não foi contratado (apenas) como uma adição técnica. O zagueiro teve passagem vitoriosa pelo São Paulo e foi capitão da seleção uruguaia em um período de alta da equipe nacional, mas os atributos que a diretoria brasileira buscou nele não foram esses. Lugano volta ao São Paulo por ser líder, por ser um exemplo para os atletas mais novos e por mexer com o tão abalado emocional dos torcedores.
A chegada do zagueiro ao Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, foi uma demonstração do apreço que a torcida do São Paulo tem por ele. O incremento de vendas das camisas com o número 5, o que será usado por Lugano, também.
O São Paulo queria fazer uma apresentação grandiosa para Lugano. A ideia era colocar o zagueiro num espaço de grande porte (o estádio ou algo similar) e atrair um enorme número de torcedores para ver o ídolo. Em um cenário normal, essa seria uma oportunidade incrível para vender produtos licenciados e criar oportunidades de ativação de patrocinadores.
No entanto, o São Paulo não vive um cenário normal. O início da temporada 2016 é uma reconstrução para o elenco, que não perdeu apenas Rogério Ceni – Alexandre Pato e Luis Fabiano, dois dos principais atacantes da equipe, também saíram. Há carências técnicas, e tudo isso está nas mãos de um novo treinador – Edgardo Bauza, dono de dois títulos da Copa Libertadores.
Além disso, existe uma pressão colocada pelos torcedores. A temporada sem títulos também foi marcada por derrotas acachapantes para rivais – a mais elástica delas, para o Corinthians, por 6 a 1. A soma é cruel para um clube do porte do São Paulo: é preciso reagir logo, mas é preciso fazer isso com um elenco que perdeu seus principais referenciais e que tem pouco dinheiro para ser reconstruído.
É nesse contexto que entra Lugano, um zagueiro que nunca foi um virtuose no ponto de vista técnico. No auge, o defensor se destacava por aspectos como liderança e vigor físico. Desde 2011, porém, ele não disputa mais de 20 partidas em uma só temporada.
Lugano hoje não é o defensor que passou pelo São Paulo ou que liderou a seleção uruguaia. Não apenas pela queda física, mas por não ter encontrado meios de reconstruir seu jogo. Para usá-lo bem, o time paulista terá de saber explorar o atual estado do defensor e proteger suas deficiências.
E vale a pena construir um time pensando em todas essas questões para um defensor? Vale a pena ter todos esses asteriscos ao moldar a equipe? Vale a pena ter de pensar em tantos condicionais?
Mais: vale a pena fazer tudo isso e colocar em risco o ídolo? Se Lugano tiver uma temporada ruim em 2016, o que isso fará com a imagem que ele construiu na década anterior? Será que o São Paulo considerou em algum momento o valor do que o atleta representa?
O São Paulo vê em Lugano uma solução de curto prazo, mas ignora os riscos de médio e longo prazo. Afinal, debelar a imagem de um ídolo é um risco também para o valor de marca do próprio clube.
Todo o plano de comunicação e marketing que o São Paulo tem desenvolvido em torno de Lugano só tem aumentado a pressão. Nessa lógica, a postura mais sensata partiu do próprio uruguaio, que vetou uma apresentação de grande porte e preferiu fazer um evento “comum”, aberto apenas para jornalistas.
O melhor que o São Paulo pode fazer agora é preservar Lugano. E isso não vale apenas para aspectos como tática e técnica, mas também (e principalmente) para comunicação e marketing.
No esporte, o resultado é um alicerce fundamental para qualquer estratégia de comunicação ou marketing. É possível adotar outras prioridades, mas é remota a chance de sucesso ao ignorar esse item.
Quer um exemplo recente? É só ver o que aconteceu com Ronaldinho Gaúcho no Fluminense. O ex-melhor do mundo foi contratado no ano passado, com grande alarde, como parte de uma campanha interna para alavancar o capital político do vice-presidente de futebol Mario Bittencourt, que deve disputar no fim deste ano a eleição presidencial do clube.
Ronaldinho chegou a um elenco jovem, barato, liderado por poucos jogadores experientes. O grupo havia sofrido muito no começo do ano, quando o Fluminense perdeu a Unimed, que era a principal patrocinadora do clube e atuava como mecenas no futebol.
Era um perfil diferente, que atraía todos os holofotes, num elenco que havia se fechado em meio às dificuldades e que havia se acostumado com a condição de menos badalado.
Aqui não cabe nem a discussão técnica, mas Ronaldinho não “casou” com o Fluminense em momento algum. A imagem do astro não tinha nada a ver com o que aquele elenco representava – mesmo os jogadores mais experientes daquele grupo, como o goleiro Diego Cavalieri e o atacante Fred, eram mais associados ao “time de guerreiros” e tinham trajetórias de menos estrelato.
Usar a comunicação ou o marketing para potencializar o alcance de um reforço é tática extremamente legítima. Dissociar isso do restante do elenco, contudo, é um erro de grande proporção.
O que casos assim ensinam é que o sucesso de uma personalidade do esporte depende de contexto, e não apenas de passado ou de presente. O desafio para Lugano no São Paulo é exatamente esse.

Categorias
Colunas

Bem-vindo 2016 e Olimpíadas

Em outubro de 2009, o Rio de Janeiro venceu Madri, Tóquio e Chicago e conquistou o direito de organizar os Jogos Olímpicos de 2016. Desde então, esforços tem sido envidados para que tudo esteja pronto.
O Brasil é o quarto país a receber Copa do Mundo e Olímpiadas em sequência, já que México recebeu a Olimpíada de 1968 (Cidade do México) e a Copa de 1970, a Alemanha (Ocidental), Olimpíada 1972 (Munique) e a Copa de 1974, e os Estados Unidos, a Copa de 1994 e a Olimpíada de 1996.
Para receber os Jogos Olímpicos, o governo brasileiro preocupou-se em adequar-se normativamente com a criação da Lei n.12.035/2009 (Lei do Ato Olímpico), da Lei n. 12.462/2010 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas aplicável exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização dos Jogos), e da Lei n. 12.780/2013 (dispõe sobre medidas tributárias referentes à realização dos Jogos).
A julgar pelo sucesso da Copa do Mundo, seguramente o Rio de Janeiro será o palco de momentos que todos os brasileiros trarão para sempre em seus corações.
Os Jogos Olímpicos do Rio trarão um evento dentro do evento, eis que, após perder as Copas de 50 e 2014, a Seleção Brasileira tem a grande chance de conquistar o inédito ouro olímpico no gramado sagrado do Maracanã.,
Disputado por 16 seleções com atletas de até 23 anos (excetuando-se 3 sem limite de idade), a final está marcada para o dia 20 de agosto de 2016 e haverá partidas em Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Salvador e Manaus. Um detalhe, a Seleção Alemã, carrasca em 2014, estará nos Jogos Olímpicos.
Os Jogos Olímpicos já seriam suficientes para tornar o ano de 2016 inesquecível. Entretanto, 2016 será o ano de estreia da “Primeira Liga”, disputada por 12 equipes do Sul, Minas e Rio de Janeiro e que tem como expectativa ser o embrião de uma Liga Nacional de Clubes.
Junto a tudo isso, o Senado Federal criou comissão de juristas para elaborar um anteprojeto de modernização da Lei Geral do Desporto, hoje conhecida como Lei Pelé.
No intuito de se promover debates qualificados em torno das possíveis mudanças na Lei e elaborar propostas, será realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, com apoio da Academia Nacional de Direito Desportivo e do Instituto Mineiro de Direito Desportivo, no dia 25 de fevereiro workshop, cujo as inscrições poderão ser feitas pelo site do IBDD.
Portanto, 2016 já começou a todo vapor e nós somos parte dessa história.

Categorias
Colunas

Por que o êxodo de jogadores brasileiros não é apenas questão de dinheiro

Dois dos principais alicerces do Cruzeiro que venceu o Campeonato Brasileiro em 2013 e 2014, Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart também simbolizaram o esfacelamento do elenco celeste no início do ano passado – foram para o Ah-Ahli, dos Emirados Árabes Unidos, e Guangzhou Evergrande, da China, respectivamente, e tomaram caminho que foi seguido por Egídio, Marcelo Moreno e Lucas Silva. Uma temporada mais tarde, o sucesso colocou outro clube na alça de mira de equipes do exterior. Semanas após ter vencido o Nacional de 2015, o Corinthians perdeu Jadson (Tianjin Songjiang), Ralf (Beijing Guoan), Renato Augusto (Beijing Guoan) e Vagner Love (Monaco). A desconstrução alvinegra ainda pode ter Gil, Elias e Malcom, assediados por times de outros países. Em dois anos, o mercado deu lições perfeitas sobre alguns dos problemas mais contundentes do futebol brasileiro.
O êxodo de jogadores nacionais existe há décadas e não cresceu de forma expressiva nos últimos anos. No entanto, o que chama atenção é o perfil. Primeiramente, todos os destaques do futebol brasileiro nas últimas temporadas foram negociados. Além disso, de toda a lista citada, apenas Lucas Silva (Real Madrid) foi para uma das principais equipes do planeta. Dos quatro últimos protagonistas do Campeonato Brasileiro, um está nos Emirados Árabes (Éverton Ribeiro) e três foram para a China (Ricardo Goulart, Jadson e Renato Augusto).
É claro que a alta do dólar torna o mercado brasileiro mais suscetível às negociações. O Fluminense recebeu 16 milhões de euros (R$ 60 milhões) da Roma pelo meia Gerson, por exemplo. Em uma transação, o time tricolor amealhou o dobro do que o Corinthians recebeu da Caixa Econômica Federal em 2015 pelo patrocínio máster (R$ 30 milhões). A variação cambial interfere diretamente no peso que a cessão de atletas tem para o faturamento das equipes – sobretudo as que têm maiores dívidas de curto prazo ou menor potencial de receita.
Também é claro que há uma onda causada pela ascensão da China como mercado comprador. O país asiático conviveu durante muito tempo com políticas restritivas a esportes coletivos, mas o atual presidente é entusiasta do futebol. Existe um plano de longo prazo para evolução na modalidade, e isso passa diretamente pela compra de mão de obra qualificada no curto prazo. Tudo isso num cenário em que os clubes têm situação econômica estável e são controlados por empresas ou empresários com enorme poder financeiro.
Contudo, é chocante notar a fragilidade dos clubes brasileiros, que não conseguem sequer endurecer negociações de seus principais jogadores – Roberto de Andrade, presidente do Corinthians, falou abertamente sobre isso em entrevista coletiva concedida na semana passada. Também é estranho ver que os protagonistas do futebol nacional não encontram espaço nas equipes mais fortes do planeta e acabam concentrados em mercados periféricos, sem alto nível de competitividade ou disputa técnica. A consequência direta disso é a queda de desempenho, o que afastou nomes como Diego Tardelli, Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart da seleção brasileira.
O cenário escancarado pela atual janela de transferências mostra algumas características relevantes dos jogadores que dominam o alto nível do futebol brasileiro atualmente. Os atletas que vivem auge técnico e físico estão longe do país, que tem predominância de jovens em estágio de formação ou atletas em curva decadente. Não é por acaso que Lucas Silva (22) e Gerson (18) são os únicos citados no texto que foram para mercados relevantes. As equipes de maior poder técnico do planeta não investem em atletas que tenham mais de 25 anos e que estejam longe da Europa.
Ao negociar jogadores que ainda estão em estágio de evolução, o Brasil se priva de viver a maturidade desses atletas. Neymar teve uma ascensão extremamente precoce, mas é inegável o quanto ele evoluiu – e está evoluindo – na Espanha. O auge do camisa 11 do Barcelona não aconteceu no Santos, time que o moldou e que aproveitou por pouco tempo um talento em quem investiu tanto – e que trouxe resultados nesse curto prazo, diga-se.
Principalmente em períodos de Real em baixa, é impossível para um clube brasileiro competir financeiramente com equipes de outros países. Também existe uma questão de característica do mercado local, que sempre tratou a negociação de atletas como fonte de receita relevante. O que todas essas cifras oferecem, entretanto, é uma chance para o Brasil olhar além do dinheiro e da distância econômica para outros centros.
O caso de Renato Augusto é exemplar. Há dois meses, o meia do Corinthians chorou ao fazer um gol pela seleção brasileira – não apenas pelo feito, mas por ter chegado à titularidade da equipe nacional após temporadas de irregularidade e lesões. Na última semana, trocou tudo isso por um salário de R$ 2 milhões (livre de impostos) na China.
Como qualquer profissional, Renato Augusto deve ter colocado as coisas na balança quando recebeu a proposta da China. De um lado, a chance de ter uma condição financeira estável por muito tempo e alguns ganhos pessoais – contato com uma cultura nova, por exemplo. De outro, perda técnica, distanciamento da seleção, nível de competitividade mais baixo e qualidade de vida inferior (Pequim é uma cidade com nível de poluição mais alto, e a China tem questões como um governo menos democrático).
A lista dos argumentos contra a transferência poderia ser bem mais eficiente se houvesse algo a pesar no Brasil além da seleção (que perdeu relevância em termos de carreira) e qualidade de vida. O que falta nessa equação é plano de carreira.
No Brasil, nos acostumamos a entender plano de carreira como um projeto para aposentadoria ou para o longo prazo. Na verdade, o que falta em casos como o de Renato Augusto é uma ideia de como ele pode ser aproveitado (e valorizado) no mercado nacional.
O meio-campista talvez não tenha um potencial para faturar com marketing ou venda de propriedades comerciais. Talvez não seja nem essa a ideia do Corinthians para ele. No entanto, é simplista entender a saída dele apenas como uma equação financeira. Nenhum profissional decide uma mudança tão drástica na carreira apenas por dinheiro, ainda que esse seja o fator mais relevante.
Existe uma discussão sobre antecipação de riscos no caso – a multa rescisória do contrato dele era baixa, fruto de uma política errada do Corinthians, e o clube precisava se desfazer de atletas para equacionar receitas. No entanto, a discussão mais pertinente no caso é o que o time tem a oferecer a seus principais atletas. Se não por dinheiro, por que Renato Augusto poderia ficar?
Enquanto não se preocupar com isso, o Brasil seguirá chorando por não poder concorrer com outros mercados. Caso contrário, talvez o país entenda que a NBA está longe de ser a única liga de basquete com dinheiro no planeta. Aliás, está longe de ser a liga com mais dinheiro no planeta. Contudo, não é apenas por dinheiro que todos os jogadores de basquete do mundo querem jogar nos Estados Unidos.
E sem contar o dinheiro, algum jogador ainda tem o futebol brasileiro como sonho de carreira?

Categorias
Colunas

Banfield acionará Atlético na Fifa por Cazares; Entenda

Na segunda-feira, o Banfield divulgou em seu site e nas redes sociais nota oficial na qual informou que acionará na Fifa o atleta equatoriano Cazares, o Atlético Mineiro e o Independiente del Valle. A demanda teria como fundamento o art. 18 do Estatuto de Transferências da Entidade.
Segundo o clube argentino, o Atlético teria aliciado o atleta, o que é vedado pela Fifa.
Cazares pertence ao clube equatoriano Independiente del Valle e estava emprestado ao Banfield, da Argentina, até 31 de julho de 2015. O clube argentino possuía direito de preferência na aquisição do atleta.
Interessado no jogador, o Atlético, em atenção ao item 3, do art. 18 do Estatuto de Transferências, contatou dirigentes do Banfield e do Independiente del Valle.
Assim estabelece o dispositivo citado:
O clube que pretenda celebrar um contrato com um jogador profissional deve, em momento prévio às negociações e por escrito, informar o clube atual do jogador. Um jogador profissional só é livre para celebrar um contrato com outro clube se o contrato com o seu clube atual tiver caducado ou caducar no prazo de seis meses. A violação desta disposição está sujeita a sanções apropriada. (Tradução livre realizada pela Federação Portuguesa de Futebol)
Durante as negociações, o clube argentino informou ao Atlético que exerceria seu direito de preferência, razão pela qual o clube brasileiro cessou as tratativas.
Entretanto, com o fim do contrato de empréstimo, o time equatoriano informou ao Atlético que o Banfield não exercera seu direito de preferência.
Diante disso, o Atlético tratou e fechou o negócio com o clube equatoriano, detentor dos direitos sobre Cazares, e com o próprio atleta.
O aliciamento alegado pelo clube argentino teria como consequência a não renovação de contrato por parte do atleta por se sentir seduzido por uma proposta melhor.
No entanto, o atleta não permaneceu no Banfield por se sentir seduzido, mas por culpa exclusiva deste clube que não exerceu no prazo contratual o direito de preferência na compra do atleta, que retornou do empréstimo para o Independiente del Valle.
Assim, o Atlético tratou diretamente com o detentor dos direitos sobre o atleta que, mediante pagamento do valor combinado, liberou o atleta para negociar bases salariais e viabilizar a transferência.
Vale ressaltar que o Atlético em total atenção ao princípio da boa-fé contratual cessou as tratativas quando informado pelo Banfield de seu direito de preferência e somente as retomou mediante informação do Independiente de que o clube argentino não havia exercido sua prerrogativa.
Portanto, não teria havido a ruptura contratual alegada pelo Banfield, mas, a negociação direta entre Atlético, Independiente e Cazares, diante do fim do vínculo do atleta equatoriano com o clube argentino, razão pela qual, a expectativa é de que a Fifa rechace o pedido.

Categorias
Colunas

Andragogia no esporte

Bem, estamos iniciando uma nova temporada esportiva no país, num ano repleto de competições, inclusive uma Olimpíada a caminho.
Sempre que novos ciclos esportivos se iniciam, o trabalho de montagem de equipes, seleção de atletas e composição de novos elencos, muitos se perguntam como acelerar o aprendizado dos atletas recém-chegados. Então, hoje resolvi compartilhar sobre um conceito muito importante quando falamos de aprendizado do adulto: a andragogia.
Conhecido como a arte ou ciência de orientar adultos a aprender, segundo a definição creditada a Malcolm Knowles, na década de 1970. Este termo remete a um conceito de educação voltada para o adulto, em contraposição à pedagogia, que se refere à educação de crianças (do grego paidós, criança).
Para alguns educadores como Pierre Furter (1973), a andragogia pode ser compreendida como um conceito mais amplo de educação do ser humano, sendo sua aplicação propícia em qualquer idade. A Unesco, por sua vez, já utilizou o termo para referir-se à educação continuada.
De acordo com Franklin Wave, a “Andragogia é a arte de causar o entendimento.”
Esta é uma ciência que estuda as melhores práticas para orientar adultos a aprender. E pode muito bem ser utilizada na elaboração de programas de desenvolvimento para atletas adultos, uma vez que sua aplicação facilitará o desenvolvimento destes atletas.
Isso torna-se possível quando compreendemos que os adultos são motivados a aprender conforme vivenciam necessidades e interesses que a aprendizagem satisfará em sua vida.
Para entendermos melhor o modelo andragógico, vale conferir os princípios que o baseiam.
1. Necessidade de saber: adultos precisam saber por que precisam aprender algo e qual o ganho que terão no processo. Tem que fazer sentido para ele o novo aprendizado.
2. Autoconceito do aprendiz: adultos são responsáveis por suas decisões e por sua vida, portanto querem ser vistos e tratados pelos outros como capazes de se autodirigir.
3. Papel das experiências: para o adulto suas experiências são a base de seu aprendizado. As técnicas que aproveitam essa amplitude de diferenças individuais serão mais eficazes.
4. Prontidão para aprender: o adulto fica disposto a aprender quando a ocasião exige algum tipo de aprendizagem relacionado a situações reais de seu dia-a-dia.
5. Orientação para aprendizagem: o adulto aprende melhor quando os conceitos apresentados estão contextualizados para alguma aplicação e utilidade.
6. Motivação: adultos são mais motivados a aprender por valores intrínsecos: autoestima, qualidade de vida, desenvolvimento.
Ou seja, agora compreendendo melhor o conceito da Andragogia, vejo cada vez mais sua importância no aprendizado do atleta na idade adulta. E você amigo leitor, o que acha?
Até a próxima.

Categorias
Entrevistas

Renato Rodrigues, do DataESPN, defende mudança cultural no futebol brasileiro

Responsável por transmitir a informação ao torcedor, a mídia esportiva é uma agente fundamental para a mudança cultural e quebra de paradigmas no futebol nacional. Mas, sem conhecimento e qualificação dos profissionais da área, essa lacuna ficará em aberto, impedindo a evolução.
Renato Rodrigues se formou em jornalismo e segue estudando desde então. Trabalhou no LANCE! e, como setorista do Corinthians, se aproximou de Tite e da comissão técnica. A prospecção de atletas que fazia paralelamente a sua atividade, aliada à vontade de aprender – simbolizada pelas conversas frequentes com Tite -, renderam a ele convite para reforçar o setor de análise de desempenho do clube paulista.
Condicionado a ter um olhar diferente do futebol, Rodrigues se incomodava como a imprensa tratava o jogo e apresentou um projeto para a ESPN Brasil, que à época já havia incorporado ferramentas de análise. Foi naquele momento que surgiu o DataEspn, há cerca de seis meses.
“Mantive amizade com muitas pessoas de diversos veículos e colocava essa minha insatisfação de como o futebol era passado para o público. Via que a qualidade era muito baixa. Claro que não estou generalizando, mas era algo que realmente me deixava inquieto. Um destes meus amigos, que na época estava na ESPN, viu em mim um perfil legal para uma ideia totalmente nova dentro do canal”, recorda.
Nesta entrevista à Universidade do Futebol, o jornalista explica como funciona o departamento, fala sobre a rotina de trabalho, que inclui alinhamento com os comentaristas do canal, e a preocupação constante de não fragmentar o conteúdo. “Com a minha chegada e a implantação do departamento de análise de desempenho, deixamos de lado as análises somente de lances pontuais. A minha busca é sempre por padrões dentro do modelo de jogo de cada equipe analisada, tentar mostrar que para a bola entrar no gol, existe toda uma estrutura e um trabalho até este ato final. A busca é sempre qualitativa”, explica.
Renato Rodrigues se anima com o retorno positivo dos telespectadores, mas tem noção de que o objetivo ainda não foi alcançado. “Quero que o setor de análise de desempenho do canal seja referência em estudo de futebol e uma ferramento que ajude na mudança cultural do futebol brasileiro. O Brasil só terá um futebol melhor quando todos os brasileiros entenderem o futebol melhor”. Confira a entrevista:
Universidade do Futebol – Explique como você chegou ao Corinthians e descreva como era o seu trabalho no setor de análise de desempenho do clube.
Renato Rodrigues A minha relação com o futebol é bem estreita desde pequeno. Sempre busquei um entendimento mais profundo dele, de início acompanhando jogos de várzea aqui por São Paulo. Mesmo quando não era para jogar, gostava de participar de todo o processo e anotar tudo o que acontecia nos campos batidos. Por isso, inclusive, busquei estudar jornalismo e ingressar na mídia esportiva. Passei quatro anos no Diário LANCE!, onde fui setorista do São Paulo (um ano) e Corinthians (dois anos e meio). Neste tempo, fazia um trabalho de prospecção de atletas paralelamente. Justava dados, gerava relatórios, arquivava tudo que se tratava destes jogadores… Claro que se tratava, principalmente no início, de apenas um hobby. Sem grande profundidade.
Conforme foram passando os meus dias de repórter, fui buscando sempre uma literatura ligada ao futebol. Também comecei a participar de cursos e palestras para me aprofundar. Com isso, minhas coberturas jornalísticas já começavam, cada vez mais, ter um olhar mais tático/técnico do futebol. Creio que criei essa imagem dentro do meu ambiente de trabalho na época. Tanto que ganhei um blog dentro do próprio LANCE! para escrever sobre estas observações que eu fazia no dia a dia.
Enquanto isso, eu já tinha uma boa abertura dentro do Corinthians por conta da cobertura diária que fazia. Eu sempre buscava aprender observando os treinos, conversando com técnicos e auxiliares… O professor Tite mesmo, sempre muito atencioso, por vários momentos tomou um pouco de seu tempo para me explicar conceitos e ideias dos treinamentos. Em um momento destes, tive a oportunidade de mostrar o meu trabalho de prospecção para o então diretor de futebol na época Ronaldo Ximenes. O observador técnico Mauro da Silva também gostou da forma em que eu trabalhava essa observação de atletas, mesmo que sem grande estrutura para tal. Com isso, fui apresentado para o coordenador do CIFUT, Fernando Lázaro, e daí surgiu a oportunidade de me juntar ao Corinthians. Estes três profissionais, aliás, foram de extrema importância neste meu crescimento profissional.
Ao chegar ao CIFUT, me deparei com um ambiente totalmente novo, mas, graças a Deus, com muita gente de qualidade disposta a me ajudar na minha adaptação. Tinha comigo que eu teria que superar as expectativas, principalmente por vir de um ambiente totalmente contrário ao deles. Os analistas Raony Thadeu, Luis Felipe Batista, Denis Luup e Leonardo Baldo rapidamente me incorporaram a todo o processo. Me passaram muito conhecimento, tanto teórico como prático. O clube, através do gerente de futebol Edu Gaspar, também investiu na minha qualificação profissional e me proporcionou ter acesso a cursos mais aprofundados, inclusive com a Universidade do Futebol. Sou muito grato a todos lá do Corinthians.
Na época da minha chegada, ainda sob o comando do professor Mano Menezes, fiz brevemente o trabalho de observação dos adversários, estudando os últimos jogos, achando padrões das equipes e ajudando a comissão técnica na montagem das reuniões e preleções. Já em 2015, com o professor Tite, ficou delegado a mim cuidar da prospecção de atletas e monitorar possíveis contratações. Neste tempo, criamos toda uma metodologia e organização na observação de jogadores, geramos relatórios quinzenais de competições e mercados diversos, e criamos uma relação de muita confiança com a diretoria e comissão técnica, que sempre nos apoiou muito e nos direcionou esse olhar.
Vivi em um ambiente bem dinâmico, onde participei da filmagem de treinos, palestras e grupos de estudo no próprio CIFUT e absorvi muito conhecimento com todos. Uma experiência que mudou totalmente minha vida e a forma que eu via o futebol.
Universidade do Futebol – Como surgiu a ideia do DataESPN?
Renato Rodrigues Ainda no Corinthians, agora com um olhar totalmente diferente do futebol, começou a me incomodar a forma como a imprensa tratava o futebol de uma maneira geral. Por mais que eu estivesse feliz lá, via em mim a possibilidade de ajudar em uma transformação também da mídia esportiva. Mantive amizade com muitas pessoas de diversos veículos e colocava essa minha insatisfação de como o futebol era passado para o público. Via que a qualidade era muito baixa. Claro que não estou generalizando, mas era algo que realmente me deixava inquieto. Um destes meus amigos, que na época estava na ESPN Brasil, viu em mim um perfil legal para uma ideia totalmente nova aqui dentro do canal.

Renato Ferreira está na ESPN há seis meses
Após trabalhar no Corinthians, Renato Ferreira está na ESPN há seis meses

Me explicou que a empresa tinha uma estrutura legal e que não usava a fundo ferramentas de análises que havia incorporado no dia a dia. Insistiu que eu montasse um projeto e apresentasse para alguns editores do canal. De cara, senti que deixei uma boa impressão. Coloquei minhas ideias de ajudar a aprofundar os debates com materiais mais conceituais, que fugiam da mesmice de todo santo dia. A ideia era ter um departamento que deixasse toda a discussão dos programas mais rica, mais didática e, principalmente, rica em conteúdo de um futebol que quase ninguém via atualmente. Sempre frisei que o futebol brasileiro precisava de uma transformação. Mas que a imprensa, de um modo geral, também tinha que passar por uma mudança. Desde o começo, entendi que a ESPN seria um lugar que daria espaço a estes novos conceitos, que pouco atingiram a imprensa até então.
Universidade do Futebol – Como funciona atualmente este departamento? Qual a rotina e a quantidade de profissionais envolvidos diretamente neste trabalho?
Renato Rodrigues O DataESPN ainda é um departamento com pouco tempo de vida, mas que já vem rendendo bons frutos para o canal. Tenho tido um retorno legal tanto internamente quanto externamente sobre o projeto. São só seis meses de trabalho. Atualmente respondo ao Edu Souza, editor do canal e gestor do DataESPN. Eu coordeno todo o trabalho de análise e tenho o auxílio de Ricardo Spinelli, que cuida exclusivamente da parte de pesquisa e estatísticas. A tendência é que em breve eu já tenha mais alguém para me ajudar no estudo das equipes e materiais mais voltados para a individualidade dos jogadores.
No início da semana fazemos uma reunião para definirmos as prioridades da semana. Vemos em nossa grade quais são os principais jogos que serão transmitidos e damos uma grande atenção a eles, para enriquecer ainda mais os “esquentas” durante a programação e trazer conteúdo diferenciado nos momentos pré-jogo. Tentamos sempre balancear entre partidas internacionais e nacionais, para atingir todos os gostos.
Definidos os jogos que iremos atacar e preparar análises, começo a estudar equipe por equipe. Normalmente assisto três ou quatro jogos de cada uma delas, onde vou observando padrões ofensivos, defensivos, de bolas paradas e transições… Conforme estes padrões vão ficando mais claros, vou separando imagens para trabalhar as ilustrações que deixam a ideia ainda mais didática para o fã de esporte. É um trabalho muito parecido com o de um analista de desempenho de clube. A grande questão é ter a noção que o público que vai ter acesso ao meu conteúdo é diferente. Não se trata mais de atletas, comissão técnica e afins, mas sim de pessoas que não têm um conteúdo futebolístico diferente. A grande chave disto é deixar o conteúdo sempre direto.
Com o conteúdo pronto, vem a parte de como passá-lo ao telespectador, que é através do comentarista. Por exemplo, fiz uma análise de uma equipe que em três jogos marcou escanteios defensivos das três diferentes maneiras: individual, zona e mista. Trago o comentarista até minha sala e tento explicar, da forma mais clara possível, as diferenças dos três diferentes conceitos de marcação na hora da bola parada. É de extrema importância que estas ideias estejam bem alinhadas, para que o vídeo e a explicação ao vivo se encaixem e criem um entendimento novo à pessoa que está do outro lado da tela. Até então a relação com os comentaristas tem sido bem legal e de uma maneira geral, todos têm entendido e apoiado a causa. Tem situações em que mostramos um padrão bem definido da equipe e momentos depois, durante o jogo, ele acontece e resulta em gol, por exemplo. Digamos que é o momento do “nosso gol”.
O volume dos materiais também muda de acordo com a relevância das partidas e equipes que estão em jogo. Para as finais da Copa do Brasil, por exemplo, usamos uma câmera panorâmica para fazer as análises. Algo pouco usado pela mídia. Também implantamos o estudo de pênaltis durante a transmissão… O grande barato de tudo é a liberdade para criar que a empresa me dá e a confiança que todos têm em mim para tocar essa ideia.
Todas estas análises também vão para o nosso site e, uma vez por semana, tento fazer uma coluna abordando de forma ainda mais aprofundada, um dos materiais produzidos. Estes textos, inclusive, estão tendo uma boa audiência. Sinal de que existe gente buscando este tipo de entendimento.
Universidade do Futebol – Como as informações obtidas pelo DataESPN podem contribuir com as análises dos jornalistas nos diversos programas da empresa? É realizada somente a análise quantitativa dos jogos ou o departamento também faz análises qualitativas das equipes?
Renato Rodrigues Creio que neste momento estão contribuindo muito. Com a minha chegada e a implantação do departamento, deixamos de lado as análises somente de lances pontuais – muitas vezes aleatórias, inclusive. Deixamos de analisar um gol só porque ele foi bonito, qual a velocidade da bola, a velocidade do atleta… Claro que tudo isso também é usado e tem sua curiosidade, mas a ideia é levar mais que isso para o telespectador. Por isso a minha busca é sempre por padrões dentro do modelo de jogo de cada equipe analisada. Buscamos sempre que a análise não seja apenas de “linhas e bolinhas desenhadas na tela”, mas que elas tenham conceitos e ideias de jogo dentro delas. Tentar mostrar que para a bola entrar no gol, existe toda uma estrutura e um trabalho até este ato final. Como a iniciação de jogo de uma equipe na 1ª e 2ª etapa de construção, tão importante quanto a entrada no último terço do campo e o momento alto da finalização.
A minha busca é sempre qualitativa. Obviamente que um padrão só é um padrão depois de aparecer por vezes na mesma situação. E cabe a mim observar estes momentos. Mas a minha ideia é de nunca cravar o certo e o errado dentro de um modelo de jogo. Claro que tenho opiniões sobre as diversas situações que analiso durante o meu dia a dia. Mas acredito que no futebol tudo se trata de escolha. E elas podem te trazer coisas boas e ruins dentro de uma só partida ou temporada. A grande chave é como você vai potencializar as coisas boas e como vai resolver os problemas que esta escolha te trouxe na hora da adversidade. Isso que é realmente decisivo em um jogo ou campeonato.
DataESPN se notabiliza por fazer análises qualitativas
DataESPN se notabiliza por fazer análises qualitativas

Por isso nada de ficar apontando se é melhor jogar com a linha defensiva alta ou baixa, por exemplo. A ideia é achar o padrão e mostrar o que está acontecendo. Sempre buscando bons argumentos e uma maneira didática para quem estar assistindo tirar sua própria conclusão e passar a ter suas próprias escolhas do bom ou ruim.
A questão quantitativa têm relevância em poucas situações do meu dia a dia. Usamos números, mas tentamos fazer isso no momento certo e buscando alguma relevância dentro de um confronto. Por exemplo: uma determinada equipe tem uma média de 525,7 passes certos por jogo. Bom, para mim, isso não quer dizer nada. Neste momento, prefiro qualificar esta estatística e ver qual foi a porcentagem de passes para frente e que furaram linhas. Quantos deles foram para o lado? E quantos foram para trás? Quantos destes passes dados o portador da bola estava pressionado? Aí sim já seriam números que eu daria uma maior relevância. Tenho uma certa resistência quanto a isso.
Universidade do Futebol – Em geral, as análises gerais do jogo realizadas pela mídia reforçam a tese de que olhamos apenas para a parte, sem compreender o todo e a complexidade da integração entre todos os fatores do desempenho esportivo? Como o DataEspn pode contribuir para esta mudança?
Renato Rodrigues Sem dúvida alguma. De modo geral, falta qualidade nos comentários e nas análises da mídia esportiva. A grande questão é que os formadores de opinião precisam se qualificar minimamente antes de falar para milhões de pessoas sedentas por conhecimento. Uma palavra mal colocada pode induzir milhares de pessoas a pedir a saída de um técnico, muitas vezes com poucas semanas de trabalho, não? Isso pode virar uma verdade absoluta. Tratam-se de situações muito perigosas e de difícil reversão. Por isso sou totalmente a favor de que estes profissionais, e eu me incluo nisso, busquem conteúdos que são estudados por treinadores, auxiliares, preparadores físicos, analistas de desempenho como eu…
A minha grande motivação com o DataESPN é tentar quebrar estes paradigmas. Não quero que sejamos “apenas” o primeiro departamento de análise de desempenho dentro da televisão brasileira. Quero que aqui seja referência em estudo de futebol e uma ferramenta que ajude na mudança cultural do futebol brasileiro. Ao colocar conteúdo aprofundado no ar, queremos atingir o torcedor e o dirigente (muitas vezes torcedor também). O Brasil só terá um futebol melhor quando os brasileiros entenderem o futebol melhor.
Universidade do Futebol – Em sua opinião, de que forma os jornalistas que não foram atletas fazem para compensar a falta de conhecimento prático? Qual é a importância da teoria e da prática para a capacitação profissional do jornalista esportivo?
Renato Rodrigues – Acredito que quem jogou futebol não necessariamente entende de futebol. E que também quem entende de futebol também não precisa ser um bom praticante de futebol. Temos ex-jogadores que, além da experiência de grande parte de sua vida dentro do campo, também buscam o conhecimento teórico que tem sido cada vez mais importante dentro do Brasil. Já outros se acomodam em seus nomes e os conteúdos abordados não passam de histórias curiosas que viveram em sua carreira. Assim como tem jornalistas que nunca foram em um treino e que cobram um treinador com o mês de trabalho.
Existem bons e ruins nos dois seguimentos. O que diferencia uns dos outros é o quanto eles se interessam em explicar futebol e não só contar de futebol em rede nacional. O quanto eles buscam de conhecimento para o seu dia a dia. Aqui na ESPN mesmo temos ex-jogadores que, mesmo em seus tempos de campo, buscavam entender melhor o funcionamento da engrenagem que participavam. Por isso, estes caras já trazem um conteúdo diferente para quem os assiste. No caso de jornalistas, temos um grande exemplo aqui dentro. Quem frequenta cursos voltados para profissionais do futebol como os que fiz quando eu estava no Corinthians, vira e mexe encontra com o Paulo Calçade, um dos nossos comentaristas. É um dos caras que tem profundidade ao analisar uma partida por entender que precisa se especializar cada vez mais. Ele, inclusive, tem sido o grande apoiador do DataESPN deste o início da ideia. É um cara que vive e luta por mudanças no nosso futebol e um dos “soldados” do DataESPN.
Universidade do Futebol – A cobertura jornalística esportiva tem um formato predefinido, seja no rádio, TV ou internet, e geralmente temas mais complexos não são abordados no dia a dia. É possível quebrar esse paradigma para que o grande público tenha acesso a uma informação mais analítica e qualificada, ampliando, dessa forma, a cobertura tradicional?
Renato Rodrigues – Claro que é possível. Estive há alguns dias rapidamente com o professor Roger Machado, técnico do Grêmio, e lhe contei sobre o DataESPN. Ele me disse: “Joga análise e conceito de futebol para o povo ver! Na primeira ele pode não entender, na segunda também… Mas na terceira você faz com que ele entenda e melhore seu olhar crítico”. Então, tem que haver uma quebra de cultura, não tem jeito. E claro que não adianta somente a ESPN fazer isso. Precisamos ver rádios, sites e jornais também remando para o mesmo lado.
Os veículos vivem muito dentro de um regime de buscar audiência e por vezes se perdem na qualidade que está oferecendo ao seu público. Por isso é uma mudança que tem que atingir todos os seguimentos. Assim tudo tende a melhorar e atingir nosso bem maior, que é o futebol.
Apesar das minhas críticas, vejo que este cenário tem mudado. Dentro dos clubes já vemos treinadores dessa nova geração ganhando espaço. Analistas de desempenho mais valorizados, preparadores físicos novos, fisiologistas com espaço e poder de decisão no dia a dia. E já começo ver a imprensa vindo para o mesmo lado. Caras como Paulo Massini e Mario Marra no rádio, Rafael Oliveira, Gustavo Hofman e Leonardo Bertozzi aqui mesmo na ESPN… Todos caras que eu já vejo que buscam um entendimento do jogo para ajudar nesta revolução tão necessária. A própria Universidade do Futebol hoje é um espaço de referência para todos. Para mim, a tendência é de melhora…
Universidade do Futebol – Quais são as formas possíveis de atualização para jornalistas esportivos? É importante conhecer ciências atreladas ao esporte?
Renato Rodrigues – Quem se propõem a falar de futebol, tem que entender de futebol. Pelo menos o básico. Entender os princípios ofensivos e defensivos, conseguir enxergar um sistema tático, entender um erro coletivo e não individual… E quem melhor se prepara, melhor vai passar a informação e argumentar. É preciso ter um pouco mais de convívio no futebol, assistir treinos, acompanhar in loco um pouco do trabalho do treinador antes de criticá-lo. Literatura, cursos, palestras, seminários… Tem muita coisa acontecendo por aí que pode ajudar nesta evolução.
Nós jornalistas às vezes reclamamos muito que os técnicos e jogadores falam sempre a mesma coisa em suas entrevistas. Mas nós só perguntamos a mesma coisa, oras! Em minha experiência como repórter vi várias situações em que perguntas mais técnicas/táticas, com um pouco mais de profundidade, foram bem respondidas por treinadores. E vi prazer neles em respondê-las, inclusive.
Resumindo, um jornalista não precisa ter licença do curso da UEFA para comentar sobre futebol. Mas existem várias maneiras de se aprofundar e elevar o nível dos debates. Estamos todos acostumados e acomodados em cima dos nossos rabos. É mais fácil ficar apontando para os rabos dos outros. Quando todos entendermos que somos parte importante para uma grande mudança do futebol brasileiro, que tanto cobramos, o cenário vai melhorar.
Universidade do Futebol – O Sócrates costumava dizer que se as pessoas acharem que o futebol é aquele da TV, o mesmo iria paulatinamente acabar. Você concorda com esta opinião?
Renato Rodrigues – Nunca concordei tanto. Comecei deste lado do futebol, fui para dentro dele e hoje volto com outra cabeça para a imprensa. Acho, inclusive, que tem muito a ver com política. Muita gente diz não gostar e por isso não entender de política. Se não entendermos minimamente de um assunto, como vamos cobrar melhoras em cima dele? Ou então vamos cobrar errado, que é o que fazemos para os dois seguimentos.
O torcedor precisa ser reeducado. O futebol que ele se acostumou, mudou. Quando quem gosta de futebol entender melhor dele, vai conseguir cobrar melhor e apontar os erros de forma mais justa e clara. Vai muito da nossa cultura no Brasil. Aqui reclamamos muito e fazemos pouco. Esta crítica precisa ser melhor apontada e, de preferência, buscando soluções. Acredito que a TV é o maior canal para isso. Se mudarmos o futebol e a mídia esportiva, também mudamos a quem formamos opinião.
E acho que uma nova geração de torcedores já buscam esse entendimento. Cabe a nós, dar isso a eles.