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Armadilhas do baixo desempenho esportivo

Tenho ouvido muito falar sobre os problemas cotidianos dos clubes de futebol.
Convivemos com as famosas trocas de treinadores, dispensas e contratação de atletas e o desempenho geral muitas vezes não se altera para melhor, como esperam os gestores envolvidos no ambiente esportivo.
Pois bem, tenho feito palestras nas organizações sobre um tema chamado satisfação e plenitude profissional e me parece que este assunto se torna bem adequado para o universo corporativo.
Hoje vivemos numa situação em que poucas vezes percebemos uma sensação de satisfação ou plenitude profissional ao final dos nossos dias de vida. Deitamos a noite no travesseiro e poucas vezes nos sentimos plenos, parece que sempre nos falta algo e predomina a sensação de que estamos aquém do desempenho que um dia já apresentamos em nossas atividades profissionais.
No esporte me parece acontecer algo semelhante na atualidade, pois os clubes conseguem em muitos casos obter atletas de desempenho reconhecido para incorporar ao elenco a qualidade desejada, mas na prática tudo não acontece como se espera. E aí, na sequência, se dispensa o jogador ou a comissão técnica.
Eu acredito que algumas armadilhas que impedem o melhor desempenho estão cada vez mais presentes no dia a dia do esporte, isso por consequência impede que os envolvidos percebam a sensação de satisfação e plenitude profissional. O pior é que eventualmente os atletas podem ficar perdidos nas armadilhas por longos períodos de tempo, fazendo com que sua performance caia cada vez mais e com isso sua confiança nas capacidades profissionais chega quase a zero.
As armadilhas que percebo são:
Repetição de comportamentos
Fazer sempre as mesmas coisas nos condiciona que repetir estas ações podem garantir a nossa sobrevivência. Por isso chegamos até onde chegamos em termos de sobrevivência da espécie humana. Isso se exemplifica na metáfora dos animais, dos mamíferos principalmente, pois quando eles descobrem uma fonte de água por exemplo, não procurarão mais outra a não ser que ela seque! Não correrá riscos de ser agredido por um predador ao procurar outras fontes de água. Somos programados para repetir comportamentos. E para mudar precisamos ter uma energia a mais, ou seja, necessitamos estabelecer uma meta ou um objetivo.
Dar poder excessivo ao outro
Nós eventualmente passamos a dar mais poder aos outros do que a nós mesmos. Muitas vezes nós deixamos de realizar algo ou nos limitamos pela crítica do outro, dando a ele um poder para decidir sobre o que devo ou não fazer e realizar. Um atleta que deixa de se empoderar para empoderar ao outro pode ficar com suas capacidades esportivas seriamente comprometidas, tendo em vista que deixa de ser criativo e arriscar durante a prática esportiva. Com isso se deixa de materializar muitas coisas pelo simples fato de ter medo de não conseguir a adesão desejada às nossas ideias, sonhos ou desejos.
Contrariar a natureza humana
O ser humano possui uma essência criativa, inventiva, sonhadora e cooperativa por natureza. Porém, quando nos limitamos pela repetição de comportamentos ou pelo poder excessivo dado ao outro, acabamos por contrariar essa natureza e deixamos de ter ou compartilhar nossas ideias ou sonhos. Ficamos restritos a concordar com os demais e eventualmente discordar, mas nunca com coragem ou capacidade suficiente pãoara irmos além. E esta limitação mental no esporte pode ser fatal para a carreira de qualquer atleta.
Não assumir responsabilidade
Como consequência das armadilhas anteriormente citadas, acabamos por não assumir algumas responsabilidades e deixamos de protagonizar em nossa vida. Preferimos por assumir posturas mais vitimadas nas quais podemos nos proteger do outro. Para um atleta de alta performance, o protagonismo é condição essencial para o seu desempenho profissional, não existe espaço para a baixa performance e para a falta de confiança que permitiria a aparição do lado extraordinário dos talentos esportivos.
Ou seja, amigo leitor, quando os atletas ou qualquer um de nós permanecemos envolvidos nessas armadilhas, o ciclo vicioso da não plenitude se fecha em nós, pois repetimos comportamentos (bons e ruins), damos poder demais ao outro, o que nos faz contrariar nossa natureza humana de criatividade e cooperação, e passamos a não ser mais protagonistas de nossas vidas, seja na face profissional ou pessoal.
Então, cuidado com essas armadilhas e vamos buscar uma vida mais plena e satisfatória no universo esportivo! Até a próxima.

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Reflexões sobre remuneração e promoção às comissões técnicas nas categorias de base

Alguns paradigmas demoram para serem quebrados no futebol. Um deles, sem dúvida, se refere às promoções e remunerações das comissões técnicas das categorias de base do futebol brasileiro.
Sob a perspectiva do crescimento vertical, quanto menor a categoria menor o salário do profissional. Outrossim, diz respeito ao crescimento dentro da instituição que, na grande maioria dos clubes, obedece uma progressão hierárquica sequencial. Sob este viés, um funcionário do clube que almeja chegar ao cargo de treinador da equipe sub-20 deve ter passagens como comandante das categorias menores. Exceções feitas às contratações.
Quem acompanha o mercado das categorias de base do país pode se certificar do que fora mencionado e, provavelmente, terá exemplos concretos de profissionais que vivenciaram ao menos uma destas situações.
O objetivo da coluna desta semana será trazer algumas reflexões sobre este modelo vigente, que se mal coordenado pode trazer impactos negativos importantes para toda a estrutura formativa do clube e, consequentemente, ao futebol profissional.
Logicamente não se pretende ignorar a complexidade dos elementos nos processos decisórios que envolvem as composições das comissões técnicas, tampouco desconsiderar o contexto técnico-político-administrativo que compreende cada clube e influencia as decisões. Pelo contrário, pretende-se trazer mais argumentos e ponderações para serem inseridos e debatidos pelos responsáveis por gerenciar as categorias de base dos clubes brasileiros.
Se, de fato, acreditamos no processo de formação, deveríamos relativizar a importância que se dá as diferentes categorias, do sub-11 ao sub-20. Pois, se de um lado o trabalho com a categoria mais velha é fundamental dada à proximidade e semelhança dos conteúdos em relação ao profissional, de outro, o trabalho com as categorias mais novas é indispensável para desenvolver o potencial cognitivo dos jovens jogadores. Quando se trata de formação, um trabalho de qualidade inferior a ideal em quaisquer etapas do processo traz consequências negativas significativas. Para exemplificar, se é praticamente consenso a queda de performance de Renato Augusto pela seleção brasileira (que tem recebido estímulos nos últimos meses de um futebol muito menos competitivo daquele que o levou à primeira convocação), o que dizer de um jovem de 15 anos recebendo maus estímulos ao longo de uma temporada inteira?
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Muitas vezes as diferenças de salário (que indiretamente estabelecem importância à função) entre os profissionais das categorias supracitadas são astronômicas. Desta forma, o clube corre o risco de estimular os treinadores de resultado. Sob um objetivo oculto de ser melhor remunerado, o treinador pode adotar a prática da vitória a qualquer custo, avessa a boa formação. Isso ocorre pois o treinador entende que uma das únicas formas de ser melhor remunerado pelo clube é subindo de categoria. Além disso, o cenário está montado para o pouco envolvimento dos profissionais inter-categorias. Afinal, o insucesso de uma categoria pode garantir a promoção do profissional da categoria imediatamente abaixo.
E é justamente sobre as promoções nas categorias de base que continuaremos as reflexões. Será que uma progressão sequencial é a melhor das alternativas para estimular um ambiente de melhoria contínua, produtividade e comprometimento com a instituição, maiores do que o envolvimento com uma única categoria?
Quais as justificativas para um profissional poder ser contratado no mercado para a categoria sub-17 mas um profissional do próprio clube, que exerce a função de auxiliar técnico da categoria sub-15, não poder ascender, desde que capacitado, diretamente para tal função?
Será que a promoção que privilegia uma ordem hierárquica não gera uma acomodação nos profissionais da instituição?
Esforço, dedicação, comprometimento, didática, planejamento e qualidade dos treinos são elementos que permitem análise e, minimamente, podem oferecer vantagem competitiva ao profissional que busca ascensão.
Para concluir, serão deixadas alternativas para os problemas apresentados. A primeira, que diz respeito à remuneração, sugere a definição de um piso para o cargo de treinador ou então qualquer outra função da área técnica de campo do clube. A partir dele, o salário será complementado em função de uma série de competências que o profissional pode possuir (curso de treinador, idioma, experiência como ex-atleta, graduação, especialização, mestrado, nível de jogo apresentado pela equipe, participação em congressos, etc.). Em linhas gerais, quanto mais competências o treinador possuir, melhor será a sua remuneração, independentemente da categoria.
Já em relação à promoção, sugere-se um acompanhamento detalhado da performance de cada um dos profissionais do clube ao longo da temporada. Para as categorias de base, o resultado de campo é apenas uma das variáveis que compõem as análises. Caso um profissional das categorias menores tenha se destacado o suficiente, vale a sua promoção. E tal promoção não está necessariamente relacionada à dispensa do outro profissional.
A evolução do futebol brasileiro pede mudanças em todos os seus segmentos. Na gestão das categorias de base estão muitas delas. Por um futebol sem “muros” entre as categorias, que privilegie a competência e com melhor distribuição dos recursos!
Aguardo a sua opinião…

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Invasões bárbaras

Historicamente, a expressão “invasões bárbaras” refere-se aos ataques sofridos por territórios dominados pelo Império Romano no século IV. O termo “bárbaro” era usado de forma genérica para todos os que não tinham capacidade de assimilar a língua e os costumes dos romanos, e vários povos foram atraídos por uma combinação entre terras férteis e defesas insuficientes – o sucesso das incursões dos romanos criou um império vasto, mas dificultou sobremaneira o controle das fronteiras.
O cineasta Denys Arcand tomou a expressão emprestada em 2003, quando lançou o filme “As invasões bárbaras”. A obra acompanha os mesmos personagens de “O declínio do império americano”, até então o longa mais famoso do diretor. Após um hiato de 15 anos, o professor de história Rémy está hospitalizado em Quebec (Canadá). O tratamento de um câncer o reaproxima do filho, Sébastien, e essa retomada de contato serve como estopim para discussões que são cotidianas apenas na primeira camada. Mais do que o estranhamento de parentes distantes, a história reflete um choque de gerações e de culturas.
O futebol brasileiro tem vivido um período de invasões bárbaras. Na última semana, torcedores de Flamengo, Palmeiras, Ponte Preta e Portuguesa entraram nos treinos de seus times e cobraram jogadores. Em alguns casos, a cobrança evoluiu – ou regrediu? – para agressões. O ônibus que levava o elenco alviverde foi apedrejado, e o elenco da equipe de Campinas foi ameaçado.
Em primeiro lugar o absurdo: qualquer profissional, independentemente da categoria, tem direito a um ambiente seguro para trabalhar. Isso influencia na tomada de decisão e no rendimento, e o que os torcedores fizeram em todos os clubes listados só pode jogar contra o desempenho das próprias equipes. A tática do “joga no amor ou joga no terror” não é apenas ultrapassada, mas ineficaz – e que bom que seja, aliás.
Invasões de torcedores em treinamentos não são novidade no futebol brasileiro, infelizmente. São fatos recorrentes, que muitas vezes contam com a conivência da diretoria, da comissão técnica ou de funcionários das equipes. São táticas que muitas vezes refletem acordos espúrios ou que simplesmente servem para eximir algumas pessoas de responsabilidade. Ao abrir o clube e criar um canal direto entre torcedores e atletas, a cobrança passa a ser direcionada.
A invasão bárbara que está em jogo no Brasil atual, contudo, se assemelha mais à guerra tácita do filme de Arcand. Ainda que os torcedores, quase sempre oriundos de organizadas, tenham táticas de terror psicológico e cobrem apenas como ameaça, esses episódios lamentáveis mostram diferenças de perspectivas e a dificuldade que temos para lidar com isso.
Vivemos um momento de polarização atualmente. Uma polarização que é mais bem retratada no contexto político, mas que permeia quase toda a formação de senso crítico. Desde a década de 1990, quando o Google popularizou o uso de algoritmos para identificar o comportamento do usuário e personalizar a experiência web, cresceu constantemente a sensação de que as pessoas vivem em bolhas de ressonância. Diversas pesquisas comportamentais mostram que esse contato limitado a pessoas que concordam com você contribui para aumentar o extremismo. O incremento do extremismo, por sua vez, amplia a busca por opiniões que sejam condizentes com isso. É um ciclo, portanto.
Em sociedades maduras, com grau suficiente para discutir, esse ciclo cria apenas polarização ideológica. No Brasil atual, esse é o cerne do “se não for como eu quero, não pode ser”. Não há ideias ou defesa de posição; há apenas um combate ao que não faz parte da bolha.
Sem querer fazer nenhuma análise sociológica ou extrair da equação os reflexos de anos de desigualdade em diferentes âmbitos, mas o surto de torcedores tem tudo a ver com falta de capacidade de diálogo. Se for analisada apenas como uma ação passional, a invasão é apenas um grito de discordância em relação ao que é apresentado pelos atletas em campo.
Torcedor quer se sentir representado. Treinadores e jogadores cansam de repetir lugares comuns sobre a essência de cada clube ou a necessidade de entregar isso ao público que frequenta as arquibancadas. Mas qual é a forma mais correta para cobrar quando o retorno não acontece?
Está aí a responsabilidade do clube nesse processo. Não é novidade dizer que vivemos num contexto de polarização. Não é novidade dizer que temos histórico paupérrimo de diálogo ou de discussão em alto nível. Não é novidade dizer que o torcedor quer se sentir representado. Por que isso não acontece, então?
Porque os clubes não conseguem criar projetos futebolísticos que retratem sua essência, e aí reside um erro de conceito. Sabemos de cor o estilo do Barcelona e sabemos dizer que isso jamais funcionaria no Real Madrid, historicamente acostumado a ser mais agudo e contundente. E no Flamengo, o que seria mais adequado? Como jogaria o Grêmio dos sonhos? O Cruzeiro ideal trocaria passes ou seria um time de contragolpes?
Para entender a essência ou para medir o retorno do que é apresentado aos torcedores, clubes precisam promover diálogo. Não durante os treinos, não com ar de terror, mas é fundamental ouvir o que os torcedores têm a dizer. Um ambiente de conversa só tem a acrescentar.
Vivemos as “Invasões Bárbaras” de Arcand porque temos choques culturais latentes e não sabemos lidar com isso. Evoluímos em uma série de aspectos – o jogo ficou mais corrido, a medicina tem procedimentos mais precisos e todo mundo tem noções táticas mais claras, por exemplo. Ainda assim, contudo, não soubemos medir se a evolução está ocorrendo no sentido que a essência nos pede.
Afinal, essência é isso: mais do que refletir o que fizemos no passado, diz as rotas mais adequadas para o futuro. E se quisermos conhecer a essência, precisamos conversar mais. Não há necessidade de invasão para isso.

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Formação de atletas: versatilidade ou especialização na posição?

Olá amigos!
Convido-lhes para mais uma discussão sobre um tema intrigante aqui neste espaço. Quem vive o ambiente de formação sabe que, invariavelmente, por motivos diversos, deparamo-nos com o problema exposto no título desta coluna. Atento ao fato de que, novamente, não irei propor simplesmente a defesa de uma das ideias, e sim provocá-los a mergulhar (fugindo da superfície) numa análise mais aprofundada.
Primeiramente, nosso principal papel é contribuir com a formação de pessoas. Pessoas estas que podem vir (assim imaginamos) a se tornar futebolistas de alto nível. Penso que aqui cabe a primeira observação: a especificidade do jogador de futebol é jogar futebol! E isso passa por entender o jogo, conseguir jogá-lo e fazê-lo bem.
Olhemos para o futebol de alto nível, e perguntemo-nos: como se joga o futebol hoje? Se buscarmos referência nas principais equipes do mundo, poderemos enumerar diversos jogadores que fazem mais de uma posição em campo (inclusive em diferentes setores), e isso torna-se uma virtude na resolução de problemas de uma ou mais partidas. Pep Guardiola faz esta manipulação com maestria, tanto no Barcelona quanto no Bayern, trazendo volantes e laterais para o centro da defesa (ou primeiros atacantes) afim de melhorar o processo de construção ofensiva; no Barcelona trouxe Mascherano para trás, utilizou Lionel Messi em várias funções (inclusive de “falso 9”), também alterou constantemente o posicionamento de Iniesta, entre outros. Poderíamos citar aqui uma grande quantidade de outros atletas (no Brasil e na Europa) que foram muito bem aproveitados em mais de uma função em campo – Lucas Leiva, David Luiz, Alaba, Di Maria, Philip Lahm, Zé Roberto, Jadson, Danilo, Renato Augusto. Em contraponto, alguns atletas foram, ao longo de sua carreira, especialistas em somente uma posição – Ibrahimovic, Ronaldo, Adriano.
Voltemos nosso olhar para a formação de atletas. Quando pensamos em formar para o alto nível (lembrando que o topo da pirâmide é restrito a pouquíssimos), obviamente estamos pensando em atletas que vão se destacar por algum ponto forte, muito claro aos olhos dos espectadores. Porém, os motivos para oferecermos a versatilidade na formação são mais relevantes. Lidamos com pessoas e, como professores, temos a obrigação de oferecer um ambiente rico de possibilidades, além de incentivar o desenvolvimento da autonomia. Proporcionar variadas vivências durante treinos e jogos na formação permitirá um desenvolvimento rico do repertório essencial para se jogar futebol (relação com bola, leitura de jogo, estruturação de espaço) e também contribuirá para que o atleta pense, crie, erre e vá se tornando cada vez mais autônomo nas decisões necessárias para resolver os problemas do jogo. A partir destas vivências, naturalmente, ao longo do processo ele tenderá a contribuir em melhor rendimento em um leque menor de posições no campo – salvo exceções. Saliento aqui que estimular diferentes vivências nos treinos e jogos não elimina orientações voltadas para regras de ação predominantes para cada posição.
Ao final do processo de formação devemos ter atletas que compreendam e joguem em alto nível o jogo de futebol, da maneira mais inteligente possível. Muitos são os exemplos de jogadores que ganham grandes oportunidades durante contratações ou trocas de técnico nas equipes principais, atuando em outras funções, e isto só é possível a partir de uma formação realmente enriquecedora para o seu repertório de jogo. Acredito ser inadmissível que um atleta transite da formação para a equipe principal tendo passado todos os anos anteriores jogando só numa função. Nós, formadores, não somos “deuses” para determinar tão cedo o que é e o que fará aquele ser humano. Portanto, proponho que constantemente façamos reflexões sobre o quanto nosso treino e nossas escolhas em jogos estão sendo favoráveis para criar um ambiente rico e desafiador, visando o desenvolvimento de cada um dos nossos atletas.
E você, leitor, o que acha deste tema? Escreva para rafael@universidadedofutebol.com.br e vamos debater!
Um grande abraço e até a próxima!

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CBF acerta com Câmara de Disputas

Nesta semana a CBF regulamentou sua Câmara Nacional de Resolução da Disputas.
O órgão tem a função de julgar todos os litígios, segundo o artigo 3, envolvendo clubes, atletas, intermediários e técnicos.
A Câmara é paritária e terá um representante de cada área, como estabelece o artigo 5.
Sob o ponto de vista jurídico, trata-se de juízo arbitral especializado em demandas jusdesportivas (exceto questões disciplinares que são de competência da Justiça Desportiva) que atuará de forma mais célere que o Judiciário.
A arbitragem é, sem dúvidas, o futuro dos litígios, eis que as partes, em comum acordo, conferem a um árbitro a legitimidade para julgar seus conflitos.
A Câmara de Disputas da CBF segue a tendência europeia e possui em suas atribuições o julgamento de questões trabalhistas.
Entretanto, as questões trabalhistas tendem a ficar de fora da Câmara, um vez que o ordenamento jurídico brasileiro classifica os direitos trabalhistas como indisponíveis e limita o estabelecimento da cláusula arbitral.
De toda sorte, a CBF dá um passo imenso rumo à modernização jurídica e na atenção aos direitos de seus filiados que não precisarão mais se submeter a longas demandas no Poder Judiciário.
A CBF acerta e o futebol brasileiro agradece.

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As estruturas móveis e as potencialidades do sistema

Nos últimos tempos, as concepções de vida e, consequentemente, do futebol, evoluíram. As contribuições científica-teórico-práticas do paradigma emergente, que analisa os fenômenos sob o ponto de vista da complexidade se estendem ao futebol, proporcionando novos olhares para o jogo e para o treino da modalidade.
Sob a perspectiva sistêmica, as equipes de futebol devem ser compreendidas como um sistema (conjunto de elementos em interação) que, através da gestão dos seus processos de configuração, liderados pelo treinador, apresentam estrutura e função muito bem definidas, independentemente dos julgamentos de valor que podem ser estabelecidos.
Dentre os processos de configuração do sistema, é missão do treinador dar ordem à equipe num contexto de imprevisibilidade e caos permanentes, uma vez que no sistema Jogo a mudança contínua do local da bola e o sistema adversário exigem reajustes que tendem ao desequilíbrio, principalmente se faltarem aos jogadores (elementos em interação) referências individuais e coletivas para solucionarem os problemas que o jogo lhes impõe.
Na operacionalização da organização da equipe construída no treino, a priori não existe estrutura (esquema tático) inicial melhor ou pior. São as funcionalidades e interações de cada elemento que darão vida ao sistema e poderão expressar um nível de jogo que pode variar do anárquico ao elaborado, de acordo com a qualidade das relações e soluções estabelecidas.
Na tentativa de potencializar as propriedades do sistema é função do treinador se valer de mais uma contribuição da teoria da complexidade que afirma que o TODO pode ser maior ou menor do que a soma de suas partes.
Não há dúvidas de que para potencializar um sistema, a meta do treinador deva ser fazer com que o produto final da sua equipe (nível de jogo apresentado), ou o TODO se nos valermos dos conceitos de sistema, seja maior do que a simples soma de suas partes (os jogadores).
Existem inúmeros procedimentos complexos (físico-técnico-tático-psicológicos) que devem ser construídos no dia-a-dia de atividades com o elenco para atingir este objetivo e um deles diz respeito à forma de atacar predominante assumida pela equipe.
Resumidamente, existem três formas de uma equipe desenvolver sua organização ofensiva (e aqui não estamos classificando os tipos de ataque – contra-ataque, ataque rápido, ataque posicionado), são eles:
1 – Ataque sem referências zonais
2 – Ataque zonal com estruturas fixas
3 – Ataque zonal com estruturas móveis
Conceitualmente, construir uma equipe que tenha um ataque zonal com estruturas móveis parece ser uma ótima maneira de potencializar as propriedades de um sistema. O ataque zonal permite o estabelecimento de padrões de ocupação do espaço que, uma vez reconhecidos e aplicados pela equipe, do plano individual ao coletivo, podem diminuir os desequilíbrios gerados pelo ciclo do jogo (ataque-transição-defesa-transição). Ao mesmo tempo, as estruturas móveis, (que significa a equipe manter organização zonal com alternância dos jogadores em cada uma das referências zonais assumidas pela equipe quando ataca), dificultam a organização defensiva do adversário, pois um jogo com este formato está intimamente associado a um jogo de mobilidade com trocas de posição. Tal mobilidade pode aumentar os desequilíbrios no sistema adversário.
A competência geral para jogar futebol exige das equipes a capacidade de recusar inferioridade numérica, evitar igualdade numérica e buscar superioridade numérica nos setores-chave que se desenvolve o jogo e que se alternam a cada instante.
Respondendo à pergunta do início do texto sobre a possibilidade de poder jogar com mais de onze jogadores, logicamente a resposta é não! No entanto, é perfeitamente possível, durante os 90 minutos, jogar com mais jogadores que o adversário. Engraçado, não?
Como atacam suas equipes?
Abraços e até a próxima!

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Universidade do Futebol dá início ao Educar pelo Futebol em espanhol

Profissionais de países que têm o espanhol como língua oficial participaram no domingo (14/03) do primeiro dia de aula do curso Educar pelo Futebol, Meu Time é Nota 10.
A grade curricular tem o objetivo de capacitar professores de educação física, ONGs, instituições e escolinhas – além dos clubes -, com o propósito de que eles ensinem o futebol de maneira diferenciada, ajudando na formação de cidadãos.
Batizado de Educar por el Fútbol, Mi Equipo es Nota 10, o curso é feito pela Universidade do Futebol em parceria com o UNICEF e apoio estratégico da Fundação Barcelona.
Nessa primeira turma, os organizadores confirmaram a participação de 150 alunos, de diversos países: Bolívia, Costa Rica, Peru, Equador, Colômbia e Espanha. A proposta é oferecer aos alunos condições especiais para o desenvolvimento de crianças e adolescente, garantindo o direito ao esporte seguro e inclusivo – reduzindo, assim, as barreiras sociais, econômicas, culturais, físicas, étnico raciais e geográficas.
Educar pelo Futebol

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Tribunal único para o doping; Entenda

O esporte tem se profissionalizado mais a cada dia. Na mesma proporção que aumentam as cifras envolvidas, cresce também a busca pelo resultado a qualquer preço. Neste contexto, muitos atletas, no intuito de melhorar seus resultados, usam substâncias proibidas.
A luta mundial contra o doping se justifica na necessidade de se garantir a lisura das competições esportivas. Este combate é capitaneado pela Wada (Agência Mundial Antidopagem), que fixa uma série de condutas e procedimentos a fim de que nenhum atleta, federação desportiva ou Comitê Olímpico se beneficie do doping.
A fim de auxiliar a Wada, o governo brasileiro criou a Abcd (Agência Brasileira contra a dopagem). A Abcd tem a missão de consolidar a consciência antidopagem e defender no âmbito nacional o direito fundamental dos atletas de participarem de competições esportivas livres de quaisquer formas de dopagem.
Há algumas semanas, a Abcd convidou membros dos tribunais de justiça desportivas, entidades de direito desportivo e juristas para apresentar a proposta da criação de um tribunal único para julgamento dos casos de doping. O tribunal seria composto por especialistas indicados nos termos da Lei Pelé.
Com este tribunal único, a ideia é retirar os julgamentos de doping da justiça desportiva. Inclusive, os TJDs de diversas modalidades (especialmente nos esportes individuais) perderiam a competência para julgar 90% de suas demandas, já que são oriundas do doping.
A criação do tribunal único causou certo desconforto na comunidade jusdesportiva, eis que dá a sensação de desprestígio dos tribunais de justiça desportiva e vai de encontro ao princípio da não intervenção estatal que norteia o desporto. Outro ponto relevante é a necessidade de se alterar a Lei Pelé para que o Tribunal Único da Abcd passe a integrar a Justiça Desportiva (art. 52).
Há ainda o receio de que um tribunal ligado à Abcd (que faz os exames e controle de dopagem) acabe tendo um viés condenatório.
A justificativa para o novo tribunal é a exigência da Wada, cujo comunicado foi divulgado esta semana.
Os membros da justiça desportiva divulgaram proposta de alteração no Código Brasileiro de Justiça Desportiva para que o Tribunal Pleno da Justiça Desportiva (2ª instância) atue como instância única, mantendo-se, assim, o julgamento do doping na seara privada.
A Fifa deve se manifestar em alguns dias, mas a tendência é que seja a favor da manutenção do atual sistema.
Sem dúvidas o interesse de todos os envolvidos é comum na busca pela lisura e paridade de competição de forma a permitir um desporto livre da dopagem.
Assim, a expectativa é que a convergência de ideas possa trazer a solução para o imbróglio para que o direito desportivo, o doping e o desporto brasileiro saiam vitoriosos.

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O que equilibra o futebol no Brasil

Se uma pessoa tem um terço dos rendimentos de outra, a lógica é que as duas não possuam o mesmo padrão de vida. O mesmo vale para empresas: companhias com faturamentos muito diferentes também não podem (ou não deveriam) equiparar seus investimentos. Parece simples, mas o futebol brasileiro continua ignorando esses axiomas. E o equilíbrio em campo, uma das principais marcas positivas do esporte local, tem relação direta com isso.
É o caso do Atlético-MG, que fechou a temporada 2014 com um faturamento de R$ 178,9 milhões (os dados referentes a 2015 serão publicados apenas em abril). Um ano depois da conquista da Copa Libertadores, as despesas da equipe alvinegra subiram de R$ 154,9 milhões para R$ 199,5 milhões, o que ajudou a levar o prejuízo operacional de R$ 22,5 milhões para R$ 48,4 milhões. A dívida total dos mineiros é de R$ 486,6 milhões.
No início de 2016, o Atlético-MG angariou 10 milhões de euros (R$ 43,64 milhões) com a negociação do zagueiro Jemerson, egresso da base alvinegra, que foi defender o Monaco. E o que foi feito com esse dinheiro? Em grande parte, a diretoria usou o caixa turbinado para reforçar o elenco que disputa a Copa Libertadores.
O dinheiro da negociação de Jemerson é uma das explicações do Atlético-MG para ter vencido a disputa com Corinthians e Flamengo pelo atacante Clayton, revelação da equipe catarinense, que custou cerca de R$ 16 milhões.
O desfecho do negócio, contudo, não é o que indica a lógica do negócio (e apenas do negócio). O Atlético-MG é um clube gigante, com vários outros fatores que podem ter seduzido Clayton, mas entrou em um leilão com clubes que faturam muito mais.
O Corinthians, por exemplo, teve R$ 258,2 milhões de receita em 2014. São quase R$ 80 milhões de distância entre um e outro. Os paulistas ainda possuem uma dívida menor (R$ 313,5 milhões, montante que não considera os custos de construção do estádio em Itaquera).
O primeiro fator que cria esse equilíbrio, portanto, é o perfil da dívida. A capacidade de investimento de curto prazo tem relação direta com o quanto o déficit está equacionado, como as parcelas impactam nas receitas e quanto o clube desembolsa com o serviço da dívida (valor que considera, por exemplo, os juros e as taxas).
Um segundo ponto é o custo do futebol. Clubes no Brasil têm naturezas distintas e gastos de extremamente contraditórios. Alguns investem em outras modalidades, por exemplo. Outros sustentam estruturas sociais (nos dois casos, a explicação é muito mais política e histórica do que estratégica). Independentemente da motivação, contudo, o fato é que o potencial financeiro também sofre efeito direto do percentual que as agremiações decidem concentrar em sua principal razão de ser.
Também há aspectos externos, como patrocínios, planos de sócios e ajuda governamental, que se manifesta em leis de incentivo, programas de refinanciamento e aportes de estatais (ainda que essas empresas tenham lógica de mercado para investir). E existem questões menos tangíveis, como a revelação de talentos e a negociação desses jogadores. Durante anos, por exemplo, o Internacional usou essa seara para equilibrar seus balanços financeiros e manter elencos que estavam sempre entre os mais caros do país.
Entretanto, nada é mais flagrante do que a falta de regulamentação. Há clubes que priorizam o aspecto esportivo e negligenciam o impacto econômico que essas decisões podem causar. Outros dirigentes simplesmente preferem arrolar dívidas para que gestões futuras lidem com esse passivo.
De uma forma ou de outra, o futebol brasileiro é uma briga em que um dos lutadores usa apenas os pulsos e outro tem metralhadoras carregadas com balas emprestadas por um agiota. As regras podem ser iguais para todos, mas as condições estão longe de algo que se possa chamar de um cenário equânime.
A recente discussão sobre direitos e mídia de TV fechada, com a entrada de um novo player e a mudança do modelo de divisão de receitas, vai diminuir um pouco a distância econômica entre os principais times do país. Porém, essa ainda não é uma das principais razões da atual discrepância de faturamento no Brasil.
O futebol brasileiro trabalha com regulamentação zero, com clubes que faturam muito e outros que não recebem nada, e não tem qualquer controle sobre os elementos que contribuem para igualar essa balança. No fim, o que vale apenas é a manutenção da competitividade. Mesmo que essa manutenção seja artificial.
Se houvesse parâmetros de gestão, veríamos que o atual modelo do Brasil cria abismos que só fazem mal ao esporte. O que equilibra o futebol no país não é um episódio fortuito (como o caso do Leicester na Premier League) ou um bom trabalho (como o do Atlético de Madri nas temporadas recentes do Campeonato Espanhol). O que equilibra o futebol no país é a pura e simples ausência de elementos de controle.
É a falta de controle de gestão que justifica o panorama traçado na semana passada pela própria CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Segundo o sistema de registros da entidade, quatro a cada cinco atletas profissionais no país recebem até R$ 1 mil por mês. Apenas 226 (ou 0,8% do total) têm salários superiores a R$ 50 mil.
Não pensamos o futebol brasileiro como um todo. Não pensamos em como estabelecer parâmetros que propiciem o futebol brasileiro que nós queremos. O reflexo direto disso é termos clubes cada vez mais endividados ou enfraquecidos. E isso, é claro, estoura no jogador, que é a ponta mais fraca da corrente.
Os dirigentes brasileiros passaram a última semana debatendo assuntos como a eleição presidencial da Fifa, os rumos dos direitos de mídia do Campeonato Brasileiro em TV fechada, o uso de publicidade estática no estádio do Palmeiras em jogos da Libertadores e até o palco escolhido pelo Flamengo para mandar suas partidas enquanto o Maracanã estiver cedido à organização dos Jogos Olímpicos de 2016. Contudo, todas essas questões têm sido conduzidas de forma individual e têm sido norteadas apenas por anseios individualistas.
Isso afeta drasticamente até a vida do torcedor mais alienado. No fim, nem “o meu time é melhor do que o seu” é possível. Afinal, enquanto não pensar em como regular o mercado, o futebol brasileiro não pode sequer fazer comparações simples.