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Quando o torcedor define a estratégia

O exemplo da vez é o marfinense Didier Drogba, 38, que virou sonho do Corinthians. Mas poderia ser o brasileiro Ronaldinho Gaúcho, 34, pretendido pelo Coritiba. Como acontece em praticamente todas as janelas de transferências do futebol brasileiro, pululam exemplos em 2017 de clubes que perseguem grifes. São negociações conduzidas quase sempre a partir do marketing, independentes da necessidade ou das ideias do departamento de futebol.

A lógica ganhou corpo depois de 2008, quando o mesmo Corinthians contratou Ronaldo. Naquele dezembro, recém-egresso da Série B do Campeonato Brasileiro, o time paulista conseguiu seduzir um dos maiores nomes da história do futebol nacional. O camisa 9 atraiu parceiros comerciais, turbinou a arrecadação em diferentes segmentos (patrocínio de camisa, bilheteria e venda de direitos de mídia, por exemplo) e ainda deu retorno em campo. Foi protagonista nos títulos do Campeonato Paulista e da Copa do Brasil no primeiro semestre de 2009.

Investir em grife não era novidade no futebol brasileiro, mas a lógica ganhou força com Ronaldo. Foram muitas as tentativas posteriores – algumas com sucesso, outras menos produtivas –, e praticamente todos os negócios têm em comum a falta de uma abordagem sistêmica. Quando o Fluminense fechou com Ronaldinho Gaúcho, por exemplo, o departamento técnico não foi consultado. Não havia um extenso plano de comunicação e tampouco uma linha de produtos específica para o astro. Todas as ações relacionadas a ele foram desenvolvidas posteriormente, atreladas ao desempenho – o que justifica, nesse caso, uma gigantesca parte da inércia da equipe.

Por isso chama atenção o caminho adotado pelo Corinthians no negócio com Drogba. O estafe do jogador de excelente passagem pelo Chelsea foi procurado por um emissário ligado ao time paulista após ideia do ex-volante Vampeta. Os brasileiros descobriram que o negócio era viável, mas o presidente Roberto de Andrade era reticente.

Aí apareceu o torcedor. Quando a possibilidade foi aventada e a negociação foi divulgada pelo site UOL Esporte, os corintianos se animaram e “invadiram” as redes sociais de Drogba. Houve toda sorte de pedidos para que o jogador fechasse com o time brasileiro. E de repente, o negócio que suscitava discussões até no próprio clube virou uma possibilidade concreta.

A convicção do Corinthians sobre Drogba tem relação com a reação do público. Em casos assim, é comum que clube ou empresários usem a divulgação como balão de ensaio ou como teste de popularidade. Se houver receptividade, a conversa avança.

A divulgação de possibilidades assim também funciona como teste de mercado. O Corinthians já encontrou parceiros para bancar Drogba, mas o custo da operação é apenas uma das partes do negócio. Testar o mercado, nesse caso, é entender quanto é possível faturar com um jogador desse perfil.

É por isso que o jogador é o último a saber. A negociação acontece antes, como uma medição de popularidade e de viabilidade. Se tudo cumprir o roteiro, o clube passa a ter algo bem mais consistente para oferecer. Sobretudo se os valores já forem adequados às pretensões do atleta.

A falta de convicção na estratégia, contudo, não é o único ponto comum a todas as apostas citadas no texto. Também existe uma clara estruturação da comunicação em torno de uma figura.

Nesse sentido, o futebol brasileiro ainda não conseguiu encontrar um caminho diferente do que é feito por modalidades individuais ou por ligas em que o talento de um atleta faz mais diferença para o contexto.

A NBA (liga profissional de basquete dos Estados Unidos) é um exemplo de competição que fomenta o uso do talento individual na comunicação. O torneio vetou durante anos o uso de marcação por zona, por exemplo: a ideia era espaçar a quadra e garantir demonstrações de talento como enterradas ou infiltrações geniais.

A marcação individual já deixou de ser um tabu, mas a NBA ainda tem resquícios de outrora e segue construindo planos de comunicação em torno de “franchise players” (ou “jogadores franquia”, em tradução livre). Ainda que não seja um Michael Jordan, vários times baseiam seu plano de comunicação em uma figura dominante ou heroica.

Contar uma história a partir de um bom protagonista é muito mais simples. Um bom protagonista gera empatia e desperta curiosidade sobre sua jornada, e a partir disso o desafio é apenas criar uma narrativa que não seja truncada.

No entanto, a dúvida que alguns times brasileiros levantam é se é tão impossível assim encontrar um caminho que não dependa apenas de protagonistas. Há muitos meios para contar uma boa história, e nem sempre é tão difícil fugir da aposta em uma figura redentora.

O segredo nesse caso é o desenvolvimento de uma identidade. Comunicar qualquer coisa com âmbito institucional ou foco mais amplo depende de você saber quais características deseja mostrar e como pretende apresentar isso ao público.

O futebol brasileiro segue à caça de jogadores que funcionem como astros e que façam o time gravitar em torno de sua imagem. Enquanto não definirem que imagem é essa, contudo, as equipes locais continuarão com uma margem de erro bem acima do aceitável. O torcedor pode até ser um bom parâmetro, mas não um parâmetro superior à convicção.

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O futebol na maior economia do mundo

Ao falarmos sobre cases de sucesso no mundo do marketing esportivo que englobe todas as partes envolvidas, nomeadamente fãs, marcas, atletas, times, ligas, eventos e mídia, obrigatoriamente falamos do esporte norte-americano e do enorme sucesso de ligas como a NBA, a NFL, a MLB e a NHL. Não se trata apenas de um jogo de basquete, futebol americano, beisebol ou hóquei, mas sim de verdadeiros espetáculos que exploram, na máxima conotação da palavra, tudo o que possa ser extraído.

Esse fenômeno não ocorreu historicamente com o futebol na mesma intensidade. Muito por conta da cultura esportiva do país, acostumada a ter sempre um vencedor e jogos com placares elevados. O futebol, nesse aspecto, pode sofrer resistência e ser considerado um jogo tedioso, onde é possível passar 90 minutos sem que o momento máximo, o gol, simplesmente não aconteça.

Algumas tentativas de popularização do esporte foram feitas ao longo dos tempos. A primeira mais notável, sem dúvida, ocorreu durante a década de 70, quando houve a criação da NASL (North America Soccer League) e a chegada de uma constelação de grandes craques consagrados, muitos em final de carreira, que desembarcaram para desbravar esse terreno fértil. Verdadeiras celebridades como Pelé, Beckenbauer, Cruyff, Carlos Alberto Torres e Eusébio emprestaram a sua magia em troca de cifras que muitos ainda não tinham conquistado ao longo de suas brilhantes carreiras.  Não podemos dizer que foi um fracasso, pois a repercussão foi gigantesca. Porém, não perdurou e a NASL foi extinta em 1984.

Após mais de uma década sem uma liga profissional, a Major League Soccer foi criada em 1996, como forma de cumprir a promessa feita à FIFA durante a escolha do país como sede da Copa do Mundo de 94. Durante essas últimas duas décadas, tivemos momentos de maior euforia e outros onde imaginou-se que o futebol voltaria ao amadorismo da década de 80. Algumas mudanças de regras foram testadas dentro de campo com o objetivo de agradar ao público acostumado com os esportes mais populares do país, mas não foram suficientes para trazer uma massa de fãs compatível com as expectativas. Logo, foram deixadas de lado e as regras adotadas fora de campo é que começaram a surtir efeito.

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O modelo de negócio da MLS merece ser avaliado com atenção. Para os americanos, estamos falando de negócio e, nesse aspecto, eles são imbatíveis. Ao contrário do que foi apresentado no texto da semana passada sobre a China, a MLS preza por um controle bastante rigoroso sobre os gastos. Os investimentos crescem conforme as receitas aumentam, há um total equilíbrio nessa equação.

O grande motivo para que esse controle ocorra é o fato dos clubes, ou melhor dizendo, das franquias, serem sócias da liga, não meramente participantes. Diferente do que acontece no Brasil e também nas grandes ligas europeias, os clubes não são associações sem fins lucrativos ou caprichos de grandes bilionários. São empresas e, como empresas no maior país capitalista do mundo, são geridas para garantir lucro aos seus investidores.

Outra diferença existente em comparação com o Brasil e as ligas europeias é que lá não existe divisões de acesso. As franquias participam do campeonato sem o risco de rebaixamento, fazendo parte de um grupo fechado, como ocorre com as grandes ligas americanas em outros esportes. Em 2016, foram 20 times participantes e o plano de expansão prevê um total de 28 times até 2020.

Para possibilitar o máximo equilíbrio técnico entre as equipes, a MLS realiza o draft para a seleção de novos atletas a cada nova temporada. As equipes com pior desempenho possuem as melhores opções de escolha. Por ano, cada franquia pode gastar US$ 3,66 milhões, valores modestos se compararmos com o que acontece mundo afora. Além disso, cada equipe pode contratar até 3 jogadores chamados “Designated Player”, patamar que se enquadram as grandes estrelas do futebol mundial que ganham o valor máximo de US$ 457.500 por mês. São esses jogadores designados que ajudam a divulgar a liga, tanto para o aumento do interesse do público interno, como também para que o mundo enxergue o potencial do futebol nesse mercado.

Essa regra de jogador designado surgiu há dez anos atrás com a chegada do inglês David Beckham ao Los Angeles Galaxy e a liga optou por aumentar o limite para três jogadores ao obter resultados satisfatórios em seu planejamento. De lá para cá, outras grandes estrelas chegaram aos EUA, como Thierry Henry, Pirlo, Drogba, David Villa, Steven Gerrard e o brasileiro Kaká.

O sucesso tem acontecido de forma gradual. Hoje a MLS conta com grandes marcas patrocinadoras. Empresas do porte de Adidas, AT&T, Audi, Coca- Cola, EA Sports, Heineken, Etihad e Johnson & Johnson fazem parte dessa lista. As audiências crescem ano a ano, com os jogos transmitidos pela FOX, ESPN e Univision, além de transmissão internacional para 140 países. Hoje alcança mais de 30 milhões de seguidores em sua audiência televisiva, com crescimento acima de 25% ao ano, atingindo o público mais desejado pelos anunciantes, com idade entre 18 e 34 anos. A presença de torcedores no estádio também está em evolução, sendo hoje a 7º liga do mundo com maior média de público, acima de 21.500 torcedores por jogo.

É notável o avanço técnico do futebol norte-americano, comprovado pelo fortalecimento da seleção nacional que conquistou respeito nas últimas duas décadas após a realização da Copa do Mundo de 94, em seu território. Se ainda não faz parte do primeiro grupo de elite de seleções globais, também não podemos dizer que trata-se de um mero figurante nas competições que participa.

Não causará espanto se a MLS tornar-se uma liga tão forte como as principais europeias, bem como ver a seleção americana chegar ao topo nas próximas décadas. Nada disso será fruto do acaso.