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O futebol brasileiro evoluiu ou ainda somos escravos do sistema?

Nos últimos anos muito mais que derrotas simbólicas e devastadoras tanto em competições de clubes continentais, intercontinentais e de seleções, por incrível que pareça, a maior derrota que tivemos foi perder para nós mesmos cada vez mais. Atualmente, parece que resgatamos um pouco esse lastro negativo, especialmente com a evolução de jogo da seleção nacional, a evolução de alguns treinadores de clubes com boas ideias e o crescimento e valorização das categorias de base com uma grande safra de formadores. Nosso país está respirando seu futebol novamente? Esse panorama nos faz enxergar um fio de luz no final do túnel para um futebol melhor? Mas esse futebol melhor existe realmente? O que é realmente perder?

Nosso futebol vem perdendo desde que confundiu conceitos. Infelizmente viramos escravos do sistema, de suas tribos e seus caciques. Perdemos a alegria do toque e do drible pela ofuscada necessidade da vitória a qualquer custo, quando começamos a valorizar mais os “voluntariosos operários”, os “atletas do atletismo” do que os criativos e talentosos que também aprendem a trabalhar intensamente e coletivamente. Perdemos quando confundimos organização com rigidez e talento apenas com um jogador resolvendo o jogo com ações individuais de “Freestyle”. Também perdemos quando os treinadores querem protagonismo em excesso e esquecem que o futebol é dos jogadores.

Entendemos pelo avesso a evolução do futebol achando que a sobrevalorização da dimensão física, os treinos mecânicos, o jogo ultradefensivo, a estratégia do Napoleão, a vitória a qualquer custo, devam fazer parte do novo cardápio do novo futebol brasileiro. Fomos tirando toda a criatividade e o poder de improvisação que sempre foi o diferencial nos nossos jogadores. Sem perceber criamos um habitat de “outro planeta”, matando uma realidade, uma cultura que poderia ser melhorada, evoluída com os novos preceitos de organização de treino e de jogo.

Bem, especialmente nos últimos 20 anos, algumas vitórias e alguns títulos esconderam muita coisa. É aquela velha constatação: quando ganhamos uma competição, somos eternos durante 1 ano, 2 anos ou 4 anos e vivemos em constante festa, lembrança e irmandade. Será que apenas vitórias e títulos são suficientes ou escondem muitas coisas erradas? E esse novo momento de reconstrução que estamos vivendo pode ser um salto para percebermos que o processo é algo construído e demanda tempo, estrutura e convicção? Mas se não ganharmos a próxima Libertadores ou a próxima Copa do Mundo tudo se desmoronará e desmontará?

São várias perguntas interessantes levantas, analisadas na teoria, mas que só saberemos quando soar o apito final das competições disputadas. E se após esse apito final a vitória não chegar?

A claridade que subitamente é escura do cenário nacional tem demonstrado que o futebol brasileiro virou epicentro de um sistema resultadista, interesseiro, capitalista, corrompido, que pouco se preocupa com processos contínuos e muito menos em propiciar prazer, emoção, brilho e um futebol de essência a todos. Um ninho de masoquismos e oportunismo.

Mas como somos carentes, essa luz no final do túnel dos últimos meses, essa melhora, vem fazendo com que a ferida da autoestima nacional venha cicatrizando. Mas passamos anos assustados sem assustar ninguém. Muito por que nesses últimos 20 anos, reduzimos nosso jogo para uma execução burocrática, medrosa, medíocre, fortuita, mal jogada, física e simplificada. Apenas um reflexo social. Tal cenário atinge especialmente o futebol de base. Todos obcecados pela vitória, pelo dinheiro e pela fama. Ninguém está mais preocupado com a qualidade do jogo e em vencer jogando bem e com o prazer de jogar bem.

Bem, muitos dizem que nem todos têm talento para jogar bem. Será? O que é jogar bem? É fazer firulas e jogar ultra ofensivamente de forma anárquica o tempo todo ou jogar organizado e deixar os jogadores expressarem suas qualidades e seus diversos perfis de talento? E nosso talento natural está se esgotando cada vez mais? Sorte que ainda temos muitas cidades interioranas, favelas e alguns treinadores formativos. Não sabemos até quando esses poucos sobreviverão. O reservatório está esgotando. Nessa lacuna terá que entrar o processo, sua lógica e seu caráter.

Abreviando, o futebol brasileiro precisa menos dos caminhões blindados que transportam dinheiro para as ocas dos caciques, e mais profissionais competentes com sensibilidade, que estudam e fabricam conhecimento, que não tenham medo e sejam escolhidos por seus méritos e não por confrarias, trocas de favores e cargos políticos. Simplesmente precisamos desenvolver a singularidade do talento com entendimento coletivo, organização e paixão. As outras coisas, muito menos importantes, serão consequentemente arrastadas.

Enfim, não podemos nos conformar em ser uma terra forasteira sem identidade que transformou seu futebol num “vírus” que está se alastrando e não tem remédio, não tem tratamento, pois “quase todos” estão contagiados e poucos querem se tratar. E por incrível que pareça, esse tratamento é simples, fitoterápico e vem da natureza: o talento singular do jogador e a arte do jogo.

Abraços e até a próxima quarta!

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China à milanesa

Quando olhamos para o hall dos maiores clubes europeus da história e trazemos para o momento atual, sentimos falta de dois gigantes localizados na mesma cidade: Milão. A situação de Milan e Inter retrata a decadência do futebol italiano nos últimos anos. Mesmo internamente, os dois clubes sofrem ao ver a rival Juventus triunfar nos últimos cinco campeonatos e, possivelmente, também nessa temporada.

A esperança de rossoneros e nerazzurros vem da China. Seguindo uma tendência de outros clubes italianos e também praticada na Inglaterra, os dois clubes foram adquiridos por grandes grupos asiáticos.

Na semana passada, após uma novela que correu o risco de ser cancelada, o todo-poderoso e polêmico Silvio Berlusconi, então proprietário e presidente do Milan desde 1986, confirmou a venda para um grupo empresarial chinês no valor de € 740 milhões. Em nossa moeda, mais de R$ 2,5 bilhões. Uma fortuna para um clube atolado em dívidas e que saiu do cenário de grandes conquistas nessa última década.

A história do Milan deve ser respeitada, pois é o segundo clube que mais conquistou títulos da Champions League, com o total de 7 troféus, sendo superado somente pelo espanhol Real Madrid. Na Itália, conquistou 18 campeonatos nacionais, mesmo número de seu rival e vizinho Internazionale e atrás somente da soberana Juventus, com 32 scudettos.

inter-milan china

A Inter também merece destaque. Além dos títulos nacionais mencionados, também foi campeã em 3 edições da Champions League e também de 3 Copa da UEFA. O clube teve 70% de suas ações compradas no ano passado por um grupo chinês por € 270 milhões, algo em torno de R$ 970 milhões. Valor nada desprezível, porém essa nova gestão tem sofrido severas críticas por ter realizado investimentos exorbitantes em jogadores que têm rendido muito abaixo das expectativas.

Os chineses, bem como árabes e russos, viraram seus olhos para grandes e tradicionais clubes do futebol europeu, como forma de gerar negócios e construir sua imagem de poder para o mundo.

A China marcou território em Espanha – com a aquisição de parte do Atlético de Madrid e Espanyol de Barcelona, na França – com parte do forte e tradicional Lyon, e na Inglaterra – com participação acionária representativa no Manchester City e Aston Villa. Por sua vez, árabes e russos controlam grandes forças como PSG, parte majoritária do Manchester City, Chelsea e uma série de clubes de menor expressão.

Em uma província com cerca de 3,5 milhões de habitantes como Milão, ter dois clubes com tanta história e sucesso como Milan e Inter é uma prova mais do que suficiente para elevar a cidade ao título de uma das principais capitais do futebol mundial. O colapso financeiro que esses clubes sofreram para tentar manter elencos de alto padrão e a ineficiência de suas gestões levaram aos seus antigos proprietários a abrir mão do futebol e passar adiante.

Os torcedores sonham com um novo momento de glórias. Nesse último sábado, o primeiro clássico “chinês” entre Inter e Milan foi disputado pelo Campeonato Italiano e terminou empatado em 2×2. O Milan ocupa a modesta 6ª colocação, dois pontos a frente da Inter, presente na 7ª colocação. Os três primeiros disputarão a próxima edição da Champions League e os dois seguintes participarão da Europa League.

Detalhe: o jogo ocorreu no horário do almoço, às 12:30 de Milão. Ou melhor dizendo, às 18:30 de Pequim.

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Quando o talento não prevalece no futebol

Recentemente li uma matéria sobre um atleta profissional que foi dispensado pelo seu antigo clube, equipe de Série A do Brasileiro, devido sua baixa estatura. Isso aconteceu na sua subida para o elenco profissional.

Agora me pergunto, será que um atleta que permaneceu por 9 anos num clube e chegou a seleção brasileira sub-18 não tinha qualidades e talentos suficientes para prosseguir no clube de origem? Como fica a mente e o estado emocional deste atleta em situações como esta?!

Bem, apenas para contextualizar ainda mais esse cenário que pode ser mais recorrente com os jovens que desejam ingressar na carreira de jogador de futebol, vamos elencar algumas das características de um atleta de futebol na posição de meio campista, como era o caso deste atleta, segundo a publicação no livro “Qualidades físicas e psicológicas e exercícios técnicos do atleta de futebol”, de Rogério Silva de Melo.

Qualidades físicas

  • Resistência
  • Coordenação
  • Recuperação
  • Velocidade de deslocamento

Qualidades psicológicas

  • Sociabilidade
  • Liderança
  • Combatividade
  • Persistência

Após essa contextualização, me pergunto se ainda deixamos de valorizar talentos em potencial no futebol brasileiro, devido a antiga e eventual discussão sobre a estatura dos atletas, para determinadas posições em campo.

Mas minha preocupação com o tema vai além, será que os clubes brasileiros oferecem apoio psicológico e emocional adequado para os atletas nessa situação, como a do caso acima citado?! De quantos jogadores profissionais não estaríamos falando no Brasil, que eventualmente passam por situações como esta e podem chegar até a interromperem suas carreiras de forma prematura?

Minimamente, para atenuar os impactos emocionais, profissionais e sociais, penso que os clubes poderiam colaborar com os atletas neste contexto com ações simples e pontuais tais como:

  • Elaboração de um plano de transição para uma nova realidade profissional através de um plano de metas para a carreira, independente da expectativa criada até o momento na mente deste atleta;
  • Orientação mínima e suficiente sobre gestão financeira e orçamento familiar.

Assim, acredito eu, poderíamos colaborar efetivamente com a continuidade da carreira destes atletas, independentemente do mérito e comparação entre as necessidades físicas, frente aos talentos apresentados por estes atletas.

Até a próxima.

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Estamos formando jogadores ou formando equipes?

Olá, caro leitor!

A pergunta que dá título ao texto é um questionamento recorrente na autoanálise de minha atuação profissional. Até que ponto estou mais preocupado em formar uma equipe “organizada” (cada vez mais acho este um termo muito abrangente para definir um time), consistente, que possa vencer os jogos executando corretamente o modelo de jogo proposto, ou bons jogadores, autônomos, que tenham capacidade de perceber, pensar e agir da melhor forma possível, que possam ao máximo se adequar a um modelo de jogo, seja no clube em que estamos no momento, seja num próximo clube aonde vá jogar, qual a prioridade? Recentemente li uma frase num site português que aguçou ainda mais a reflexão sobre isso:

“Ver a árvore e não apenas a floresta, olhar para cada atleta de forma individualizada, trará posteriormente sucesso à aprendizagem de cada um e, consequentemente, à equipa.”

Felizmente, nos dias de hoje, é possível analisar uma equipe e seus jogadores de forma bem minuciosa, seja com um grande aparato tecnológico, seja com lápis e papel. É possível traçar parâmetros de avaliação para os jogadores e a equipe, facilitando a compreensão do quão efetivo nossos treinos têm sido em promover a evolução da equipe e dos jogadores. Sendo assim, como estamos mensurando isso? Somente pelos placares dos jogos de nossas equipes? Possuímos parâmetros de avaliação individual que vão além dos testes físicos ou da observação e análise puramente subjetiva dos jogos?

Como treinador fico extremamente satisfeito quando minha equipe alcança placares positivos e uma das tendências (ou tentações) para isso é organizar uma sólida e segura defesa, evitar ao máximo que os atletas tomem atitudes que coloquem a equipe em risco. Dentro dessa visão, uma atitude adequada seria automatizar ações através dos meus comandos e limitar ações que eu julgue serem demasiado arriscadas, por exemplo, para garantir que a equipe não perca a bola no seu campo de defesa, instruir os atletas a buscarem a progressão somente com bolas longas em direção ao campo de ataque. Talvez isso possa trazer mais segurança e assegurar algumas vitórias, porém, adotando esta prática, estarei favorecendo uma rica formação aos meus jogadores de defesa? Estarei alinhado às novas tendências que o futebol mundial tem tomado?

Creio que, trabalhando em categorias de base, estes questionamentos devam estar presentes no meu dia a dia. Sendo formador, devo ter consciência de que a promoção de uma equipe completa, prioritariamente, acontece entre as categorias de base (e ainda assim podem haver dispensas neste processo) sendo que no estágio final do processo, normalmente na categoria sub-20, são poucos os atletas que ascendem à equipe profissional (o que, felizmente, gradativamente vem mudando nos clubes brasileiros, cada vez mais jogadores da base tem sido promovidos à equipe profissional). Sendo assim, a preocupação com a evolução individual dos atletas deve ser maior do que a com a evolução da equipe. E há a tendência de que quanto mais bem capacitados individualmente forem meus jogadores, mais fácil será organizar a equipe e melhor será nossa qualidade de jogo, mas o olhar individual para cada atleta, deve estar presente. Neste aspecto, não adianta termos equipes vitoriosas na base, se estas não conseguem colocar jogadores no time profissional.

Base e profissional claramente possuem objetivos distintos, o peso da busca pela vitória no profissional é muito maior do que na base, assim como a preocupação do treinador está muito mais voltada em desenvolver aspectos coletivos do que individuais, se um jogador numa equipe profissional apresenta desempenho abaixo do esperado, inevitavelmente é trocado, não há tempo (e paciência) para formá-lo. Já a base tem como principal objetivo formar jogadores e quando estes não apresentam o desempenho que se espera, dever-se-ia antes de dispensá-lo, investigar os motivos para tal, analisar o que pode ser feito para que este consiga evoluir, buscar maneiras mais efetivas para a sua formação e não apenas o descartar porque não está conseguindo ganhar os jogos.

 Neste sentido, o clube que sabe o perfil do jogador que deseja formar e, mais ainda, do perfil de jogador para cada posição do jogo, pode conseguir resultados de formação muito melhores. Entender aquilo que se deseja como objetivo (perfil de jogador) e criar mecanismos específicos para se alcançar este objetivo é missão fundamental de um clube formador.

O olhar dos formadores deve ultrapassar só o de que “minha equipe jogou bem”, é preciso saber o quanto cada jogador tem evoluído, se preocupar em demasiado somente com o desempenho coletivo e, às vezes fazendo “vista grossa” para deficiências individuais (sejam elas físicas, técnicas, táticas ou comportamentais) é atitude mesquinha e egoísta do formador. Buscar a vitória sempre! Imbuir a consciência de que o jogo é coletivo, sempre também! Potencializar e buscar a evolução de cada jogador individualmente deve ser também prioridade nas categorias de base, ter um olhar individual para o todo que é o jogo.

E você, leitor, o que pensa a respeito?

Até a próxima!

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Onde está a história do futebol feminino?

As disparidades entre o milionário universo do futebol masculino e o futebol jogado por mulheres não são nenhuma surpresa para quem está rotineiramente envolvido com o esporte. O que poucas pessoas se perguntam ainda é onde está a história das mulheres nos esportes. O futebol é o esporte mais praticado no país e é de conhecimento público a vida e história de muitos clubes, jogadores e seleções masculinas, mas quase nada se sabe sobre o futebol feminino, principalmente o praticado por aqui.

As mulheres foram proibidas constitucionalmente de praticar alguns esportes, entre eles o futebol, durante mais de 30 anos no Brasil. Mesmo após a legalização da modalidade feminina, as atletas não podiam se profissionalizar e não havia incentivo para as mulheres praticarem o esporte. Ao pesquisar sobre a história do futebol feminino no Brasil, é perceptível a falta de fontes e materiais que trabalhassem o tema como esporte profissional.

Na década de 80, com o fim da proibição do futebol feminino, surgiram várias equipes de mulheres. Segundo consta na revista Placar de 1984, edição 738, havia 3 000 times espalhados por todo o Brasil. Por parte da mídia esportiva em geral, havia ora o silêncio, ora a objetificação. Manchetes apelativas, fotos das atletas seminuas e uma necessidade constante de reafirmação da feminilidade como negação da homossexualidade. As reportagens, em maioria, apontavam como as jogadoras eram vaidosas, “ainda que gostassem de jogar futebol”, e se preocupavam muito mais em elogiá-las por seus atributos físicos do que pela habilidade no esporte. É difícil encontrar material da época que tivesse, de fato, o compromisso de divulgar o futebol feminino como modalidade esportiva.

O cenário tem mudado, mas lentamente. Ainda hoje, os principais programas esportivos, constantemente, tratam como se apenas homens os assistem e, ao falar das mulheres atletas, focam em sua vida familiar e maternal. Se a atleta atender aos padrões beleza, a objetificação acontece quase que como um ritual: inúmeras entrevistas enaltecendo a beleza daquela mulher que, por acaso, joga futebol, basquete, rugby, etc. Por isso mesmo, quando o assunto é a mulher torcedora, não são raros os quadros que se dizem esportivos falem as “musas” dos times brasileiros.

Os relatos das mulheres que fizeram a história do futebol feminino são a maior fonte que pesquisadores e jornalistas esportivos têm para conhecer e entender a modalidade. Por isso, é importante dar voz a essas jogadoras que fazem e fizeram história no futebol. É preciso entrevistar as atletas e construir desde já a memória do futebol feminino. Infelizmente, nem todas as guerreiras que estiveram à frente na luta pela legalização e profissionalização do futebol feminino estão disponíveis hoje para reconstrução e documentação dessa história, mas trabalhos biográficos da vida das jogadoras da primeira geração do futebol feminino são feitos nas universidades brasileiras e nos trazem um pouco dessa memória viva. Nesse contexto, é importante exaltar a importância do CEME – Centro de Memória do Esporte, da Escola de Educação Física da UFRGS, coordenado pela professora Silvana Goellner, e que tem desempenhado um papel fundamental na luta pela visibilidade e reconhecimento do futebol feminino, em meio a esse cenário de tanta negligência com o futebol jogado por mulheres.

Há ainda poucos materiais na grande mídia que seja capaz de mudar a consciência coletiva sobre a modalidade e, nesse momento histórico, as mídias alternativas representam uma das principais ferramentas de divulgação de conteúdo relacionado a gênero e esportes.

Um bom exemplo recente dessa construção de espaços às mulheres desportistas é a série “Mulheres do Futebol” do site A Bola que Pariu, da qual faço parte, um veículo independente onde mulheres torcedoras cobrem seus times e expressam suas paixões, lutas e conhecimentos sobre o futebol. O projeto, que pode ser acessado através deste link http://abolaquepariu.com.br/2017/03/mulheres-do-futebol/, consistiu em 18 entrevistas com mulheres de diferentes áreas de atuação – atletas, ex-atletas, treinadoras, pesquisadoras, ativistas e profissionais da comunicação – registrando suas histórias, vivências, conquistas, experiências e dificuldades.

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Princípio das propensões

No íntimo da periodização tática, tudo e todos interagem nos diversos níveis, o que contribui decisivamente para modelar as “probabilidades do jogar.” E o princípio das propensões está intrínseco a isso. Não caminha só. Precisa da interação dos outros princípios, de outros fenômenos e do entendimento situacional-contextual.

Estar propenso há algo não é simplesmente escolher um determinado aspecto isoladamente ou escolher uma propriedade estática pré-determinando mecanicamente algo, mas sim criar um contexto inerente a uma situação que prepare realmente para uma situação superior.

Além dessas grandes interações, múltiplas propriedades devem ser levadas em conta na operacionalização desse princípio, pois elas criam estados que geram propensões e vão criando naturalmente cenários de diversos formatos que não são possibilidades lógico-matemáticas, restritras ou fechadas, mas sim probabilidades/tendências abertas, abertas ao novo, o que ocasiona a elaboração da construção de estágios propensos evolutivos.

Crédito: Imagem criada pelo autor
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É imperativo perceber que um jogar contém diferentes partes, umas maiores e mais complexas, outras menores e menos complexas, mas todas elas ligadas e implicadas no coletivo1. Ao treinador cabe criar contextos ricos de vivenciação, que permitam que os desempenhos dos jogadores verifiquem uma elevada ocorrência de inter-ações relativas ao jogar, e de modo particular às nuances que o jogar vai verificando ao longo dos vários dias do Morfociclo2.

Os exercícios devem ter uma propensão que faça acontecer. O mesmo é dizer, tem de fomentar uma dinâmica concreta, uma funcionalidade específica, mais macro ou micro, mas sempre representativa do jogar que se deseja1.

E a especificidade que é a geometrização da funcionalidade, advém de levar a efeito o princípio metodológico das propensões. O Morfociclo é levado a efeito com o quê? Com os princípios metodológicos, com a propensão. Os exercícios, o jogo no início, não é começar a jogar de uma forma menos complexa, é não ser possível a máxima qualidade, mas que isso vá acontecer ao longo de todas as outras semana3.

Crédito: imagem criada pelo autor
Crédito: imagem criada pelo autor.

O propósito não passa por quantificar ações, mas antes de criar contextos de exercitação que conduzam a uma determinada dominância relativa ao jogar, sem deixar de ter em conta o padrão de desempenho e de desgaste que caracterizam aquele dia do Morfociclo, os tipos de contração muscular, a matriz metabólica e outros aspectos2.

A calibragem do contexto tem de acontecer respeitando um pressuposto fundamental: a permanente correspondência com o padrão de solicitação implicado nos desempenhos do jogar que se pretende1.

A questão não é simplesmente propor algo para a equipe do nada, sem fundamento, sem uma prévia adaptabilidade ou realmente sem uma densidade significativa de aspectos pretendidos. A propensão é algo que acontece e faz acontecer com critérios que respeitem uma lógica as relações criadas que vão ganhando contornos evolutivos experiênciados e vivenciados na prática.

Criar propensões é calibrar o contexto para que este fomente uma dinâmica, mas uma dinâmica inteira, isto é, não apenas uma funcionalidade mas também a estruturalidade (bioquímica, neuromuscular, anatômica), todas dimensões (tática, ténica e psicológica) e a bionergética que gera o novelo energético do jogar. Entendendo isso, dosando corretamente os tempos de esforço, os tempos de intervalo, cria-se a teia do jogar não atrapalhando o padrão bionergético pretendido1.

Crédito: imagem criada pelo autor
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Julian Tobar, treinador que realiza um grande trabalho na equipe Sub-20 do Joinville Esporte Clube, profundo conhecedor da periodização tática, em uma breve conversa com o autor da coluna, reforça ainda mais o princípio das propensões:

 “O princípio metodológico das propensões refere-se à modelação dos contextos de propensão/exercitação”, com o objetivo de criar contextos relativos ao jogar que se pretende, que possibilitem o aparecimento do que se quer treinar com elevada frequência. A ideia de propensão tem a ver com o fato de proporcionar que o exercício (“contexto de propensão”, talvez seja a palavra mais ajustada) seja mais propício ou provável a ocorrência de determinado acontecimento, no caso do treino de futebol, determinada interação e mais especificamente, no nosso caso, deverá promover o aparecimento de interações intencionalizadas condizentes com nossa ideia de jogo. 

Daí a ideia de modelar o contexto no sentido de tornar mais provável aquilo que se deseja que aconteça, fazendo com que o caos seja determinístico, sobre determinando-o. O princípio das propensões tem a ver com a contextualização dos propósitos que se querem alvo de repetição sistemática, sendo que o que se pretende é que as preocupações de momento do treinador apareçam regularmente em treino, em vez de outras quaisquer – a todos os níveis. Por exemplo, se eu quero aprimorar alguns aspectos da minha organização defensiva, só conseguirei treinar e desenvolver isso com qualidade se criar e operacionalizar em treino, um “contexto de exercitação” que, através da sua configuração, faça com que os jogadores (aqueles que quero “dar ênfase”) passem a maior parte do tempo defendendo, e, portanto, experienciando as interações intencionalizadas que pretendo.

Definitivamente, quando pensamos na criação de um exercício, ele deve estar configurado e, portanto, propenso para que o que queremos treinar ocorra muitas e muitas vezes, consoante à configuração da unidade de treino preconizada pelo Morfociclo Padrão e os propósitos pretendidos. Pegando no exemplo recém citado, ainda que o mais importante (nesta situação hipotética) seja defender, o contexto de propensão na maioria das vezes não deve se limitar a levar os jogadores apenas e unicamente a defender, ainda que este seja seu objetivo prioritário, pois o jogo é um todo e portanto – na medida do possível (e se for desejável) – deve-se promover a conexão e a articulação de sentido dos momentos do jogo, numa escala macro, meso ou micro. De modo a facilitar que, com o que queremos treinar, apareça com elevada frequência (a todos os níveis do desempenho), as regras impostas, o espaço de jogo, a duração do exercício, o número de jogadores, o período de recuperação e “exercitação”, as intervenções do treinador, são algumas das ferramentas que ajudam o treinador a modelar um contexto de exercitação, direcionando-o para o que lhe interessa.

Devo destacar, contudo, que o princípio metodológico das propensões não possui como propósito propiciar a vivência exacerbada somente da ideia de jogo do treinador nas suas diferentes escalas (macro princípios, meso princípios e micro princípios), mas também promover com elevada frequência o aparecimento de um determinado tipo de contração muscular (predominante), da matriz metabólica implicada, determinadas dinâmicas de desempenho e recuperação, da intensidade máxima relativa a vivenciar e experienciar, e um conjunto de outras coisas, segundo o dia do Morfociclo. 

Atirar todas as velhas evidências e os vícios conceituais para “o saco do lixo”, por vezes não é fácil. Dentro de um processo de construção do entendimento metodológico de uma nova tendência, muitas vezes se peca em não conhecer com profundidade a natureza interativa das coisas.

Também está claro que a propensão não é um princípio isolado que se desenvolve apenas selecionando conteúdos e ponto final; ela visa gerar maiores probabilidades de ocorrências de interações que se pretende na equipe. Mas não existe certeza do futuro, apenas probabilidades de acontecimentos futuros. E esta propensão pode ser perfeitamente dinâmica em função do evoluir dos aspectos acontecimentais. Não existe um futuro certo, apenas propensões criadas para jogar dentro do jogo. O futuro não é estático e as propensões também não.

Abraços e até a próxima quarta!

 
 
 
 
1 – AMIEIRO, NUNO. Os exercícios de treino aos Olhos do Enquadramento Conceptual e Metodológico da Periodização Táctica. Textos Professor Vitor Frade, 2017.
2 – MACIEL, JORGE. Pelas Entranhas do Núcleo Duro do Processo. Artigo não publicado, 2010.
3 – FRADE, VITOR. Periodização Tática: fundamentos e perspectivas. Entrevista realizada a Paulo Henrique Borges. Conexões, 2015.

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O mistério da chuteira de Neymar

Neymar recebeu no último sábado (08) seu primeiro cartão vermelho em uma partida do Barcelona. Foi expulso em derrota para o Málaga por 2 a 0, válida pelo Campeonato Espanhol, após ter cometido falta dura em Llorente, aplaudiu o árbitro de forma irônica e pode até perder o clássico contra o Real Madrid por causa do lance. No entanto, não foi esse o episódio mais polêmico envolvendo o brasileiro na partida. O que tem provocado mais discussão na Espanha é o primeiro amarelo recebido pelo atacante, ainda na etapa inicial, por se abaixar para amarrar as chuteiras e impedir uma cobrança de falta dos rivais. Foi cera, estratégia ou ação de marketing?

É fundamentalmente esse o questionamento que tem sido feito pelo jornal catalão “Mundo Deportivo”. No domingo (09), a publicação apresentou um relatório sobre a relação de Neymar com as chuteiras. O atacante teve de amarrar ou trocar os calçados durante as partidas em seis jogos neste ano – foi assim nas últimas quatro apresentações do Barcelona.

Em 1970, Pelé abaixou-se para amarrar as chuteiras antes do início da decisão da Copa. Aquela cena, filmada e veiculada em todo o planeta, foi emblemática: o jogador mais importante do mundo, antes da partida mais relevante daquela temporada. Todos olhavam para o Rei, que calmamente cruzava cadarços de um modelo predominantemente preto da marca Puma. Ainda que isso tenha sido desmentido, era uma ação de marketing da fabricante de material esportivo, altamente interessada naquele momento de atenção total para seu logotipo.

Há outros episódios, certamente, no futebol e em outras modalidades. Não é novidade que as marcas tentem se aproveitar dos momentos de maior exibição das personalidades em que elas investem. Neymar é um ativo da fabricante de material esportivo Nike, que tem no brasileiro um de seus pilares de comunicação e possui uma justa missão de buscar caminhos para obter retorno com o investimento.

Caso a ação de Neymar tenha acontecido a pedido da Nike, portanto, não será exatamente uma novidade. Não será algo inusitado sequer na biografia do brasileiro – ele já esteve envolvido em polêmica similar quando saiu de algumas partidas sem camisa, com calções abaixados, deixando à mostra as cuecas esportivas da marca Lupo.

O grande questionamento nesse caso é a credibilidade das ações de um porta-voz. Neymar é uma estrela e tem ascendência inexplicável sobre uma camada gigantesca da população que aprecia futebol. Não é apenas um bom jogador, mas um bom embaixador. A relação de adoração que muitas crianças têm com o brasileiro é algo que não se fabrica. A combinação de talento, protagonismo e carisma, porém, perde muita força se abdicar da autenticidade.

O mercado de comunicação no Brasil adotou nos últimos anos uma caça aos influenciadores. A verba de publicidade de empresas e agências, que anteriormente era colocada apenas nos grandes players, paulatinamente foi transferida para as pessoas que acumulavam seguidores – e retorno – em mídias sociais. Comprar um segundo no intervalo comercial da TV Globo segue sendo um bom negócio para muitas marcas, mas o país viu recentemente o estabelecimento de uma concorrência entre os veículos tradicionais e os canais muitas vezes feitos por uma pessoa, muita audiência e pouco conteúdo. Sobretudo porque esse modelo provou ser um caminho mais curto para ditar regras de comportamento e orientar tendências de consumo.

Depois de o investimento em influenciadores ter se consolidado, porém, esse mercado já começou a ter algum desgaste. Há até escolas para formação de personalidades – principalmente para o ambiente digital –, mas esse processo nem sempre considera o ponto mais básico: o que os candidatos ao estrelato têm a dizer.

Porque a personalidade que mexe com um público verdadeiramente relevante pode emanar de redes sociais, reality shows ou de jogos do Barcelona. A questão não é a origem, mas o que essas pessoas têm a oferecer e o quanto podem se mostrar reais para o público.

Se o grande desafio de Neymar em campo é provar que pode se enfiar no panteão atualmente polarizado por Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, fora das quatro linhas o brasileiro precisa urgentemente ganhar credibilidade. Ele pode até fazer publicidade quando amarra as chuteiras ou tira a camisa; o que não pode é ser questionado como se todas as atitudes fossem premeditadas e providas de segundas intenções.

É a mesma questão que permeia a relação do mercado de comunicação com os tais influenciadores. Há pesquisas que mostram que a publicidade identificada é bem menos eficiente, é verdade, mas isso é uma relação direta e de curto prazo. No longo termo, nada vende melhor do que a credibilidade.

Por isso, o grande desafio de qualquer marca é identificar oportunidades de exposição – as chuteiras ou as cuecas de Neymar, por exemplo – sem que isso crie no público a ideia de que aquelas reações foram fabricadas. Não vale apenas para ele, mas o camisa 11 do Barcelona, o nome da vez em qualquer campanha publicitária no Brasil, é hoje um dos melhores exemplos disso.

No último fim de semana, o goleiro Bruno Fernandes também voltou a disputar uma partida de futebol profissional. Condenado por crimes como assassinato e ocultação de cadáver da ex-amante Eliza Samudio, o jogador vestiu a camisa do Boa Esporte em jogo disputado em Minas Gerais. Há uma lista infindável de absurdos nesse episódio, mas uma cena específica chamou atenção: sete anos depois de ter sido mandante do sequestro do próprio filho, fruto do relacionamento com Eliza, ele entrou em campo de mãos dadas com uma criança.

Não, ninguém aqui tem condição de julgar Bruno ou que pena deve ser a ele impingida. Tampouco há uma restrição à ressocialização dele – se a Justiça entender que o goleiro deve sair da prisão, um caminho fundamental para ele é encontrar um trabalho e ter condição de voltar a fazer a profissão que sabe.

A discussão aqui não é sobre o personagem Bruno ou sobre o retorno dele ao futebol profissional. A questão é especificamente a presença de uma criança de mãos dadas com o goleiro na partida do último fim de semana. Que tipo de verdade a cena transmitiu? Quem conseguiu ver aquilo e achar que o goleiro é realmente uma pessoa melhor?

Se houver qualquer dúvida, basta comparar a cena com as entrevistas coletivas de Bruno após ter saído da prisão. Ele não pediu desculpas, não falou em arrependimento e sequer pensou em como poderia amenizar os prejuízos causados por suas ações. Aquele personagem passa alguma verdade ao dar as mãos a uma criança?

Não existe fórmula mágica em comunicação. No entanto, um bom caminho para o sucesso no longo prazo é saber aproveitar as características e opiniões reais de um porta-voz. Independentemente do contexto, nada vende mais do que a realidade.

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Estado de emergência

Os campeonatos estaduais chegam a sua fase final cercados de grandes dúvidas sobre a qualidade e interesse do consumidor em relação ao seu produto.

O campeão estadual não tem sido, por lógica, elevado a favorito para o campeonato nacional. Não podemos nos esquecer, por exemplo, que o campeão mineiro de 2016 foi o América Mineiro, que acabou rebaixado no Brasileiro. O campeão gaúcho foi o Internacional, também rebaixado no Brasileiro. Em 2015, o Vasco sagrou-se campeão carioca e, no final do ano, amargou um novo rebaixamento para a Série B do Campeonato Brasileiro.

É fato que algumas medidas foram adotadas para que os torneios estaduais reduzissem a sua duração de tempo e número de jogos, após manifestações realizadas pelo movimento Bom Senso F.C.. Porém, o impacto para a geração de maior qualidade ainda não prosperou.

Estádios vazios, jogos cansativos, clubes priorizando outras competições e poupando seus principais atletas até mesmo em grandes jogos. Esse é o cenário dessas competições locais. Os clubes que disputam a Libertadores, como Botafogo e Atlético Paranaense, têm jogado grande parte dos jogos do Carioca e Paranaense com suas equipes reservas ou mistas. Claro que para o clube e para a torcida, é sempre legal ser campeão, mas é praticamente unânime que ambos preferem priorizar outras competições, mesmo que isso acarrete em campanhas medíocres dentro de seus Estados.

O calendário brasileiro e sul-americano permanece muito inchado e desorganizado. Somente por aqui os clubes realizam jogos durante as datas FIFA, destinadas aos confrontos entre seleções. Na última janela de jogos FIFA, inclusive clássicos foram disputados. Em São Paulo, houve a disputa entre São Paulo x Corinthians e, no Rio, Botafogo x Fluminense.

Como passar credibilidade ao seu público consumidor, se os times correm o risco de estarem desfalcados de seus principais atletas? O resultado não pode ser diferente, é fracasso na certa. Nesse clássico carioca, o público presente foi de 6 mil torcedores, gerando o maior prejuízo do campeonato, no total de R$ 370 mil.

Os estaduais merecem o nosso respeito. Durante décadas, foram aclamados e elevados ao mesmo patamar de importância do campeonato brasileiro. Os times do interior eram mais fortes e apresentavam ao país novas promessas. Hoje lutam para sobreviver, sem conseguir se planejar pelo fato da maioria não ter um calendário anual de jogos, mantendo seus times durante apenas um semestre.

É essencial que uma nova fórmula seja encontrada, tanto para gerar interesse dos grandes, como também para dar vida aos pequenos. Alguns consideram até mesmo a hipótese de extinção dos estaduais. Acredito que haja espaço para enxugar um pouco mais a participação dos grandes nos torneios, beneficiando a qualidade do espetáculo e entregando um produto melhor para os torcedores e amantes do bom futebol.

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A importância da emoção em campo

Neste momento, as competições sul-americanas engrenam de vez com a participação de vários times brasileiros. Sabemos que sempre acontece um certo descontrole emocional, que pode levar até a uma desclassificação prematura pelo contexto de expulsões e perda de atletas durante as partidas.

Então, como se pode melhorar esse contexto com um adequado controle emocional dos atletas durante essas competições?! Isso traria algum valor para os times brasileiros?

As emoções têm um enorme impacto na saúde de qualquer pessoa e podem impactar positiva ou negativamente os atletas, uma ou mais pessoas, um time e um ambiente inteiro. Existe um exercício que visa trabalhar a forma como o atleta enfrenta suas emoções negativas no seu dia a dia que é denominada tomada de consciência. Com essa prática, estima-se reduzir os efeitos da emoção negativa durante suas práticas desportivas, inclusive nas partidas de futebol.

Na prática, faz-se uma reflexão/avaliação das suas emoções negativas do atleta que aconteceram ao longo do dia, como elas se manifestaram, em que circunstâncias aconteceram e as suas consequências. Assim sucessivamente nos dias seguintes esta reflexão/avaliação se repete e assim o atleta começa a perceber que as emoções negativas, alimentadas por ele mesmo, começam a diminuir e suas reações a estes eventos são mais adequadas a sua necessidade de desempenho profissional.

Cabe também, estarmos atentos nos contextos que podem ser fatores geradores de ansiedade e perda de controle emocional nos atletas, tais como:

  • Local do jogo;
  • Importância do jogo;
  • Nível de rendimento dos jogadores;
  • Placar do jogo;
  • Posição e tarefa tática do jogador;
  • Comportamento do árbitro;
  • Comportamento dos técnicos;
  • Quantidade e comportamento dos torcedores.

Para contribuir no controle dos comportamentos dos atletas, sugere-se que os clubes que apliquem algumas recomendações para o treinamento esportivo, tais como:

  • O treinador pode gerenciar a pressão do sucesso e do rendimento sobre seus atletas;
  • Os profissionais que lidam com o desenvolvimento do comportamento humano podem orientar os treinadores e atletas como utilizar técnicas de relaxamento e controle do estado emocional;
  • O treinador pode representar um modelo positivo tranquilo, seguro e controlado de comportamento;
  • O treinador pode procurar desenvolver boas relações interpessoais com seus atletas e criar um bom clima emocional no treino e na competição;

E aí amigo leitor, será que os clubes brasileiros estarão com as emoções controladas para o desejado sucesso nas competições internacionais?!

Até a próxima!

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Densidade competitiva e rotatividade

Faz um tempo que escrevi um artigo no Blog Futebol e Transcendência sobre equipes que norteavam seu jogo pela bola e perdiam “frescura decisional” em alguns jogos finais da temporada. Desse artigo foi retirado escopos para escrever essa coluna. E esse final de época europeia deixa boas reflexões para a temática. Claro que essa questão também pode acontecer em diversos períodos do ano, e não apenas em um jogo ou no final das competições.

Percebe-se que a grande maioria das equipes que ainda estão “vivas” em duas ou três competições simultaneamente com fio norteador que é a bola, algumas linhas do jogo posicional, uma alta e agressiva organização e transição defensiva, dependendo da sequência de jogos, perdem intensidade decisional, intensidade física-específica, alternando “estágios irregulares”, e apresentam pouca fluidez funcional-posicional contra adversários de nível menor.

Ao acontecer isso, o que mais se escuta é que o “excesso de jogos e que algumas lesões de jogadores importantes impedem a equipe de conseguir o resultado ou jogar melhor”. Apenas isso, separadamente, é suficiente para entender esse fenômeno? Será que também os jogos que carregam essa informação são apenas suficientes para determinar essa tendência? Ou o futebol é um processo altamente complexo que carrega desgaste desde quando inicia o primeiro treino da época e nas escolhas da comissão técnica?

As equipes que jogam um futebol ofensivo e procuram propor o jogo posicional, qualificam-se a algumas “escolhas específicas” para resolver as interações do jogo e atingir o objetivo maior que é vencer seu oponente. Nesse caso, relativamente, indicam um processamento maior de ideias de jogo e mais complexas que o adversário. Mesmo que concretizadas e articuladas de forma diferente por cada equipe, a opção por utilizar a bola como fio condutor exige um desgaste cognitivo maior “a curto, a médio e a longo prazo”. Além disso, a forma intensa que encaram o jogo, conceituando a intensidade “como estar concentrado coletivamente-individualmente durante todo o jogo elevando ao máximo o número de decisões mais próximas do ideal”, arrasta consigo repercussões maiores que se estendem por toda funcionalidade corpórea dos jogadores e automaticamente nas relações dos jogadores na construção coletiva da equipe.

Então, será que ao enfrentarem equipes que jogam menos, que possuem ideias de jogo mais simples, que estão menos desgastadas, pode-se ter certa desvantagem quando uma fadiga cognitiva acumulada se instala pelo excesso de jogos ou por treinos que não respeitam uma lógica de desempenho-recuperação?

Outro quesito é a dimensão mental. A equipe/jogador precisa manter um nível de motivação/desejo alto, já que não é a mesma coisa jogar um jogo que vale a vaga para final de uma Copa Europeia e dois dias depois enfrentar uma equipe do meio da tabela pelo campeonato local, correto? Também soa diferente para uma equipe que está na liderança com certa folga, uma equipe que está na caça ao líder, e outra distante do líder e no meio da tabela buscando uma vaga em competições europeias. Apesar de que qualquer equipe de alto nível e qualquer jogador devem enfrentar todos os jogos da mesma forma. Mas isso influencia certamente.

Outra dimensão é a fisiológica/bioenergética. Cada equipe possui seu novelo bioenergético para encarar o jogo, e também precisa no mínimo de 4 dias para voltar a ter esforços mais próximos do jogo. Isso não tem nada a ver com a dimensão física em correr mais ou menos que o adversário, simplesmente no desgaste global do organismo e no pouco tempo de recuperação/treino. Saber correr com intencionalidade ou correr menos, também demanda de descanso e uma correta gestão do processo de treino.

E esse dilema todo vem a tona o termo rotatividade. Fazer com que todos os jogadores se sintam importantes não é uma tarefa tão fácil em plantéis numerosos, até certo ponto com disparidade de qualidade. Mas é uma das missões da comissão técnica fazer com que todos se sintam motivados jogando mais ou menos. Agora como essa rotatividade é planejada? Apenas nos momentos de maior densidade competitiva? Em jogos mais fáceis? Em jogos em casa? Em competições diferentes? Ou já no inicio da época na pré-temporada?

Está claro, quando se mantém uma equipe com poucas trocas, cria-se conexões exclusivas, pois os jogadores adquirem um nível de entrosamento. Ao alterar drasticamente vários jogadores, tirando 2 ou 3 que “são os pilares do jogar”, ou usar toda hora inconvenientemente a rotatividade interferindo na coesão da equipe, pode-se gerar alguns problemas, por que a implicação de novos jogadores revela novas interações por suas características únicas e novas características que podem não desvirtuar a forma de jogar da equipe, mas deixá-la sem a fluidez necessária.

Então, “o fio da navalha” é ter uma rotatividade constante, rodar poucos jogadores, ter equipes diferentes para uma situação como essa, manter o máximo que puder a mesma equipe ou trocar os jogadores mais cansados dentro do próprio jogo? Aumentar o número de substituições para cinco ajudaria ou dificultaria? Consegue-se treinar tudo isso ou escolhas devem ser feitas? E os problemas são apenas dessas equipes que apresentaram desgaste cognitivo no final de semana pela forma de jogar? Ninguém sabe. Sabe-se que rotatividade deve ser processada de certa maneira, mas cada equipe fabrica a sua maneira.

E é essa maneira que entra o processo de treino que deve gabaritar os jogadores e a equipe para chegarem nas melhores condições para o próximo jogo. Apesar dos jogadores menos utilizados também serem tops, eles precisam de uma pré-disposição organizacional-funcional-entrosada mais próximo do ideal toda semana. Então, a rotatividade deve também entrar durante a semana no processo de treino, mas no meio dessas semanas será que sobra mais tempo para treinar ou para recuperar? De que forma é treinada e que é recuperada a equipe? Será que um misto de recuperar-treinar não otimizaria a funcionalidade individual e da equipe? Nesse recuperar-treinar é possível gerar padrões e relações específicas para ter uma rotatividade necessária no plantel sem descaracterizar a equipe? O que fazer com os jogadores que menos jogam para tentar manter a identidade já que estão menos desgastados? E os que mais jogam assiduamente? Como nivelar esse viés?

O treinamento num padrão semanal, com um jogo ou com dois jogos, permite ser operacionalizado corretamente, manter a funcionalidade específica da equipe buscando interações para cada situação concreta de cada partida. Consegue-se gerir alimentando todos os jogadores corretamente sem deixar uns demasiadamente gordos e outros demasiadamente magros de conteúdo. Agora, também pode-se disponibilizar demasiada comida para todos e o jogo virar uma grande congestão. Eis a importância das refeições-sessões equilibradas para todos, especialmente quando se joga muito.

Mas não adianta, por mais treinada a equipe e estruturada para planejar algo em função do adversário, o erro sempre vai existir. Mas haverá sempre uma opção de flexibilidade durante a partida que é voltar com alguns jogadores principais, fazer alternâncias estratégicas sem perda da identidade ou aceitar que naquele determinado jogo o adversário foi melhor e que a equipe poderia ter feito escolhas diferentes na prévia do encontro quanto a rotatividade.

E isso tudo não se faz com apenas um simples argumento único e correto, algumas de suas condições realmente está no erro. A sensibilidade e a paixão para descobrir esse erro e outros erros podem aproximar cada vez mais a equipe dos acertos e da regularidade tanto esperada em todos os jogos mantendo a rotatividade como uma aliada, já que propor o jogo é muito mais desgastante globalmente e uma regularidade constante requer uma apurada sensibilidade de todos integrantes do processo da modelação do jogar da equipe. Enfim, entender que o processo de treino-competição se sucede de erros e acertos dentro de um espiral chamado “complexidade”, esse é o caminho da rotatividade.