É difícil medir a história em dias, meses ou anos. Em algumas situações, até décadas são recortes pequenos demais. Poucas horas depois do término, portanto, ainda é cedo para dizer quais serão as marcas do Campeonato Brasileiro de 2017. Mesmo entre as certezas tão propaladas pelo senso comum, como a valorização do jogo reativo, é fundamental ter cautela para atribuir rótulos a um certame. No entanto, as 38 rodadas disputadas neste ano foram suficientes para apontar uma série de lições de comunicação.
O campeão Corinthians, por exemplo: há poucos casos mais explícitos do quanto a comunicação pode influenciar no rendimento. O elenco não era o mais estrelado ou o que tinha mais recursos no futebol nacional. O macro era um caos (atrasos de salários e premiação, falta de convicção em decisões e uma iminente eleição presidencial que esfacelou a atual diretoria, por exemplo). Não havia condições de inovar em processos ou de encontrar soluções que demandassem investimento. A resposta do elenco e da comissão técnica liderada pelo neófito Fábio Carille passou diretamente por comunicação: respostas mais ágeis, espaços mais curtos, alinhamento maior de discurso, intenção e vontade.
A unidade do trabalho gerou um título estadual e uma campanha histórica no primeiro turno do Campeonato Brasileiro. Também isso criou desafios de comunicação: jogadores ganharam mais notoriedade, outros clubes começaram a assediar peças do elenco, atletas precisaram lidar com mudanças em graus de expectativa, mobilização e visibilidade.
O vice-campeão Palmeiras também tem suas lições. Foi o time que investiu mais de R$ 100 milhões na montagem do elenco para esta temporada, mas escolheu um treinador sem ter a convicção de que suas ideias estavam alinhadas ao perfil do elenco. Depois, tentou retomar o elã que Cuca havia criado na temporada anterior e retomou uma relação com o técnico esperando que isso de alguma forma acalmasse o público e servisse como um escudo para o trabalho. Entendeu então que gestão de pessoas demanda processos e que não é possível impor ideias a quem não concorda com elas.
A falta de convicção com Eduardo Baptista, o erro de avaliação do atual momento de Cuca e as decisões equivocadas na montagem de elenco fizeram com que o Palmeiras perdesse vários meses do ano. Ainda assim, o time alviverde chegou ao fim da temporada com um vice-campeonato e pôde celebrar o fato de ter continuado a brigar no topo da tabela. Foi uma lição de que é possível errar e escolher caminhos ruins se você tiver tempo para consertar, capacidade para reinvestir e talento para se reposicionar.
A temporada do Palmeiras acabou sem títulos, mas com lições que podem pavimentar um 2018 melhor. A diretoria já começou de forma diferente e contratou Roger Machado, um treinador que terá algum estofo e capacidade de colocar em prática uma série de conhecimentos que têm sido burilados em trabalhos anteriores. Saber mudar de práticas e comunicar de forma clara essas alterações também é uma lição importante de comunicação.
O Santos, nesse sentido, é um contraexemplo. O time da Vila Belmiro investiu em jogadores e treinadores com perfis absolutamente distintos em 2017. Contratou mais por nomes do que por convicção. Frequentou o topo da tabela em quase todo o Campeonato Brasileiro, mas não conseguiu passar a mensagem de que sabia o que estava fazendo. Foi o time da trocação, do jogo aberto, do ataque e defesa, sem que isso significasse o resultado de apostas de médio ou longo prazo.
Atlético-MG e Flamengo, duas das grandes decepções da temporada, ofereceram outras lições de comunicação. São times que investiram demais, prometeram demais e perceberam que juntar nomes de peso nem sempre é suficiente para construir um trabalho de sucesso. Essa receita pode gerar conteúdo e chamar constantemente a atenção do público, mas nem sempre estabelece etapas e degraus para um sucesso em maior escala.
É totalmente diferente do que aconteceu com Fluminense e São Paulo, times que também não tiveram bom desempenho na temporada. Os percalços dos times tricolores foram resultados de temporadas atribuladas, de mudanças de rumo e de sucessivas alterações nos grupos de trabalho. Não houve estabilidade suficiente em nenhum desses casos.
No São Paulo, porém, houve outros pontos a serem ressaltados. O time do Morumbi correu algum risco de ser rebaixado à segunda divisão nacional. Quando percebeu que essa ameaça era latente, a diretoria reforçou o elenco e deu a sorte de encontrar no mercado um jogador do perfil técnico e anímico do meio-campista Hernanes. O retorno dele foi fundamental para a salvação dos paulistas, que também souberam transmitir ao público a ideia do quanto eles seriam importantes para evitar a queda. A aposta em um bom protagonista, a busca por talento no meio do processo e a capacidade de se aproximar do consumidor em um momento ruim são excelentes lições para qualquer gestão de crise.
O Botafogo não soube fazer esse processo tão bem, por exemplo. O time carioca teve duelos decisivos desde o início da temporada (disputou as fases preliminares da Libertadores, o que antecipou sobremaneira o início do período decisivo). Por isso e pela própria situação do clube, que não tem dinheiro ou certeza de que seus atletas seguirão no próximo ano, a temporada também acabou de forma precoce. Houve um desgaste resultante da combinação entre elenco curto, sucessão de jogos importantes e falta de perspectiva. Tudo isso custou a vaga na próxima edição da Libertadores, e a equipe fez pouco para evitar que isso acontecesse durante o Brasileiro.
Um bom exemplo das falhas no processo de comunicação que permeou essa trajetória é que o Botafogo não conseguiu encher estádios ou aumentar sua média de público quando precisou de um apoio extra para compensar o desgaste.
O Campeonato Brasileiro de 2017 ensinou que processos claros e ágeis de comunicação podem compensar erros de instâncias superiores e tirar mais de cada peça da engrenagem. Também mostrou que é fundamental comunicar com clareza, construir mensagens que não estabeleçam um grau de expectativa mais alto do que o ideal, refazer o plano quando for necessário e ter convicção quando tomar cada caminho. Por fim, ofereceu um grande exemplo do quanto é difícil fazer comunicação com longevidade – sobretudo se essa comunicação não tiver respaldo constante de uma grande fatia do público.
No entanto, e novamente falando sem o distanciamento ideal, a grande lição de comunicação do Campeonato Brasileiro talvez seja a do Grêmio. O time gaúcho soube olhar para si desde o início da temporada e montou um plano claro para brigar pelas copas (Copa do Brasil e Libertadores). Preteriu o Campeonato Brasileiro sempre que necessário e acabou alijado da briga do título por causa disso, mas conquistou seu terceiro título sul-americano.
Fazer comunicação com objetivos claros é extremamente prolífico. O Grêmio também mostrou que é possível fazer um planejamento longo, que não seja focado apenas “no próximo jogo”. O discurso do senso comum foi derrubado pelos gaúchos, que desde o início do ano priorizaram as retas finais das copas e a ascensão técnica/física/tática/mental no momento adequado.
Não existe apenas um caminho em comunicação. Não é uma seara binária, de certo e errado tão marcados. O Grêmio fez uma trajetória que não tinha muitos correspondentes no passado nacional – até porque a atual temporada é a primeira de um novo calendário da Libertadores.
Há muitas lições evidentes no Campeonato Brasileiro de 2017. A maior delas talvez seja a demonstração de que é possível atingir o sucesso com clareza de objetivos, autoanálise e paciência. Toda essa ideia do Grêmio poderia ter ruído se a diretoria não tivesse bancado e tivesse cobrado em algum momento do ano que a comissão técnica não preservasse tanto os titulares.
Comunicar é saber o que se quer, mas também é ter paciência quando a convicção for testada.