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Eleições

O processo que conduziu João Doria Junior (PSDB) à prefeitura de São Paulo, em 2016, é reflexo significativo em uma progressão de desgaste das instituições do país. O tucano alicerçou sua campanha em um slogan de “não político” (o que contradiz sobremaneira a própria história de alguém que presidiu a Embratur na década de 1980 e construiu carreira a partir de relações com entes públicos, mas essa é outra história). A campanha de Doria tentou atribuir a ele a imagem do “gestor” como se isso fosse uma oposição ao “político” (o que é outra contradição de natureza, mas mostra bem o nível de rejeição de uma parcela do público à velha política). Ainda assim, não foi do atual alcaide a maior fatia de sufrágios. Ele teve 3,08 milhões de votos e perdeu para o contingente que soma abstenções (1,94 milhão), brancos (367 mil) e nulos (788 mil). Em outras palavras, um a cada três paulistanos simplesmente rejeitou a eleição.
Em tempos de Lava-Jato e de tantos outros processos, ruiu o que restava de confiança dos brasileiros em instituições – sobretudo porque denúncias, investigações e condenações atingiram também o Judiciário, o setor privado e a própria polícia. Existe uma crise de representatividade – sem acreditar nos atores do processo atual, cresce o número de pessoas que simplesmente rejeitam o jogo.
O esporte também é parte desse processo. Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e do comitê organizador dos Jogos Olímpicos de 2016, que foram realizados no Rio de Janeiro, foi alvo de operação da Polícia Federal e tem longa ficha de denúncias. José Maria Marin, ex-mandatário da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), vive regime de prisão domiciliar em Nova York (Estados Unidos).
Entre os últimos presidentes da CBF, aliás, a lista também é extensa. Ricardo Teixeira e Marco Polo del Nero só não foram presos porque não deixaram o Brasil – ambos são investigados pelo FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, mas não têm qualquer condenação no país natal e tampouco um processo de extradição.
Teixeira, Marin e Del Nero não são os únicos que usaram o futebol para se locupletar, mas simbolizam o que existe de pior no esporte. São representantes da velha política e das instituições que tanto se desgastaram com o público brasileiro. São partícipes, como era João Havelange, de um esquema de uso do futebol e dos bens coletivos para vantagens individuais.
Por tudo isso, chama atenção negativamente a postura dos principais clubes brasileiros a respeito das denúncias do FBI. Em vez de uma cobrança para apuração em âmbito local ou pelo menos de um questionamento sobre os brasileiros envolvidos em denúncias sobre desvio de dinheiro que deveria chegar aos times, o que existe é silêncio. O silêncio é mais do que conivente – está mais para cumplicidade. Ainda que seja impossível acusar qualquer equipe de participar de ilícitos, a simples inércia diante de tantas denúncias causa danos irreparáveis aos cofres e às imagens de instituições que tanto precisam trabalhar isso.
Não há entre os times de futebol do Brasil uma instituição que possa renunciar a um trabalho de imagem. Não há quem tenha um nível de relacionamento com seus torcedores/consumidores que permita dizer não a qualquer chance de se posicionar. Não há quem viva situação financeira suficientemente positiva para ignorar possíveis desvios operados durante décadas.
No entanto, mesmo com a chance clara de burilar suas imagens ou de recuperar dinheiro que faria diferença, os clubes seguem em silêncio. Também dorme em berço esplêndido a Justiça brasileira, que pouco fez para apurar delitos de Del Nero, Marin e companhia. Toda a investigação tem sido capitaneada por autoridades do exterior, mas os dados levantados já são suficientes para denúncias e análises mais minuciosas também em solo nacional.
Até aqui, as ações que mexeram com essas autoridades partiram da Fifa. Del Nero foi suspenso por 90 dias, e existe entre os dirigentes a certeza de que o retorno às atividades no futebol é uma possibilidade bem remota. A punição afastou o brasileiro também do comando da CBF.
Sem o presidente, a entidade nacional deve passar por mais um processo eleitoral. O Coronel Nunes, que ocupa interinamente o cargo, pretende concorrer. Outras federações se articulam para lançar candidaturas, mas todo esse tabuleiro depende da situação de Del Nero nos próximos meses. E os clubes, que poderiam construir candidatura própria, também silenciam sobre isso. No processo de comunicação, muitas vezes a mensagem mais forte (e mais decepcionante) é simplesmente não falar.
Sobra silêncio até nos processos eleitorais dos próprios clubes. Até agora não há responsáveis ou punições para o que ocorreu no Vasco, por exemplo – a oposição conseguiu aglutinar votos que considerava questionáveis, e a “urna 7” virou protagonista de um processo que acabou com vitória de Eurico Miranda na contagem de sufrágios e derrota posterior nos tribunais, que admitiram irregularidades e suspeita de fraudes em registros. O resultado pode ter sido alterado, mas é razoável supor que uma tentativa de influenciar dessa forma o futuro político de uma agremiação não seja jogada para baixo do tapete apenas porque se mostrou infrutífera.
Também houve denúncias de irregularidades em sócios aptos a votar nas eleições presidenciais de Santos e Corinthians, por exemplo. E assim como aconteceu no caso do Vasco, faltaram posicionamentos claros, apurações consistentes e punições condizentes com essas possibilidades de fraude.
A inércia diante de tantos malfeitos só contribui para que o torcedor médio se afaste do futebol. É esse cenário de escárnio que mina o potencial do esporte e que alija os próprios clubes do potencial que poderiam alcançar. Como o futebol brasileiro tem mostrado, o silêncio nem sempre é uma virtude.